Imprimir

Notícias / Brasil

O barato sai caro: uso de descartáveis não economiza água

Terra

Você acorda, pega a garrafa de água mineral. Depois, no trabalho, pega um copinho de café. Depois outro de água, outro e outro... Chega a hora do almoço e você escolhe uma salada e um chá: ela vem em uma embalagem de plástico ao lado da latinha de chá gelado – com um canudo e/ou um copo, conforme sua preferência. E assim você vai até o final do dia, revezando entre um e outro recipiente reciclável.

Nosso dia a dia tem sido cada vez mais invadido pelo plástico e muito se ouve sobre os benefícios que ele traz em relação à praticidade (exigida na vida moderna na maioria das situações). Pelo mundo, países da Europa Ocidental, como Alemanha, Itália, França e Espanha, por exemplo, consomem entre 100 e 200 litros de água engarrafada por pessoa – todos os anos. E a tendência é aumentar cada vez mais a demanda por embalagens recicláveis: segundo uma pesquisa realizada pela organização americana BCC Research, o crescimento do mercado de garrafas de água deve ser de, aproximadamente, 10,5% ao ano até 2018.

Afora o crescimento normal, no Brasil, a busca por este tipo de material passa por um momento especial nos últimos meses, com a grave crise da falta d’água e o racionamento em alguns estados. Muitas pessoas e estabelecimentos comerciais tentam se prevenir e estocam litros e litros de água em garrafas, além de começarem a trocar o copo de vidro por um que possa ser jogado fora, para evitar a lavagem.

É evidente que algumas situações “pedem” aquele copinho plástico (ou utensílio semelhante) – como em festas infantis, hospitais (e lugares onde a ascepcia é imprescindível). Outro fator mais pontual é a crise hídrica. Na cidade de São Paulo, por exemplo, alguns restaurantes, bares e padarias também iniciaram “campanhas” pelo uso de copos de plástico para poupar água. Mas... Será mesmo que isso acontece? Será que, ao substituir a pia de louças sujas por lixo reciclável ajudaremos o meio-ambiente e nosso bolso?

Especialistas consultados pelo Terra apontam que o uso do plástico não indica economia de água (nem de dinheiro). Para começar, é preciso lembrar que o desperdício de água não começa no momento da pia, é bem anterior: somente na fabricação de um quilo de garrafas plásticas descartáveis são necessários 17,5 kg de água. 

“Com a crise hídrica, temos verificado diversos questionamentos se não seria melhor usar descartáveis; entretanto, isso é muito perigoso e imediatista, pois, em vez de resolver o problema estamos criando outro, como a geração excessiva de resíduos. No caso do copo descartável, apesar de ser potencialmente reciclável, nem sempre há mercado para a reciclagem, pela baixa densidade e qualidade”, explica Ana Maria de Meira, educadora do Programa USP Recicla, da Esalq, em Piracicaba.

Ana Maria também lembra que, em grande parte dos casos, o destino dos materiais recicláveis são lixões ou aterros sanitários (e estes não são uma realidade da maioria dos municípios brasileiros), acumulando-se por centenas de anos, contribuindo para a redução da vida útil dos aterros e poluindo solo e água - mesmo no Brasil, que tem mais de 400 empresas recicladoras espalhados no seu território.

O emprego de materiais descartáveis no lugar de materiais reutilizáveis (como o vidro) poderá, sim, diminuir o consumo imediato de água de sua caixa d'água, contudo a empresa que obteve o polímero (plástico) e aquela que fabricou o copo descartável, por exemplo, consumiram água no processo, ou seja, o problema foi apenas transferido, mas não sanado.

“O impacto ambiental de um produto deve ser mensurado por toda a sua cadeia produtiva. Existe uma metodologia, conhecida como 'avaliação de ciclo de vida', que emprega o conceito de impacto ambiental de um utensílio desde as várias etapas para a obtenção da matéria-prima necessária até o produto final - inclusive sua embalagem de transporte, a distribuição aos consumidores e posterior descarte, levando-se em conta o consumo de energia, água e combustível em cada uma dessas atividades”, afirma o especialista em Tecnologia de Materiais, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Bruno Gianelli.

Assim, a conta do descartável pode ser muito mais alta (principalmente para o meio ambiente). E também é para nós, pois, segundo dados da International Bottled Water Association, quando bebemos água na garrafinha, pagamos cerca de duas mil vezes mais do que se consumíssemos pela torneira, já estaremos da mesma maneira utilizando água, energia e insumos para a produção de mais descartáveis. Basicamente, 90% do custo não vem da água (por enquanto, pode ser que ela vire algo bem mais valioso), mas sim, da fabricação de rótulo, tampa e garrafa, que usam recursos como petróleo.

É claro que o uso de descartáveis, como o PET, por exemplo, tem suas vantagens, entre elas, a resistência durante o transporte, leveza e o emprego de mão-de-obra em fábricas e recicladoras. "É um tipo de plástico que permite transportar grandes quantidades de produto de forma segura e muito econômica - tanto para o consumidor, que passa a ter acesso facilitado a diversos produtos, quanto para as empresas, que gerem sistemas logísticos mais simples e amigáveis ao meio ambiente", defende a Associação Brasileira da Indústria do PET. 

Porém, mesmo o PET, que tem 60% do total sendo reciclado no Brasil hoje, pode gerar consequências para o meio ambiente. Segundo um estudo da USP Recicla, a produção de um quilo de plástico PET (politereftalato de etileno), por exemplo, resulta em emissões atmosféricas de 2,3 kg de dióxido de carbono, 40 g de hidrocarbonos, 25 g de óxidos sulfúricos, 18 g de monóxido de carbono e 20 g de óxido. 
Imprimir