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Vício em analgésicos, que ronda famosos, pode ser tão grave quanto crack

G1

Entre mortos e feridos, a lista é grande: Heath Ledger, o mais impressionante Coringa de todos os tempos; a coelhinha Anna Nicole Smith; a "rainha dos gritos" Jamie Lee Curtis; e, talvez, Michael Jackson. Todos esses famosos sucumbiram ou podem ter sucumbido ao vício em analgésicos ou sedativos sintéticos, drogas extremamente potentes e com grande potencial para causar dependência.

Não existem estatísticas confiáveis sobre o uso dessas drogas. Quase todas são fortemente controladas e restritas ao uso médico -- no Brasil, muitas delas só podem ser obtidas em hospitais. Até por esse fato, os anônimos que também acabam viciados nelas tendem a ser profissionais da saúde, e o acesso a elas como drogas recreativas tende a ser obtido com a conivência de médicos e enfermeiros.

No caso de Jamie Lee Curtis, por exemplo, os analgésicos em questão são da classes dos opioides. O mesmo foi cogitado no caso de Jackson, embora outra suspeita envolva o sedativo propofol, que é capaz de provocar euforia, ilusões sexuais e perda de inibição. Levando em conta apenas os opioides, os especialistas não poupam superlativos na hora de descrever seu potencial para viciar os usuários. Eles são tão ruins quanto o crack, droga bem menos nobre e altamente destrutiva.

Grave


"É uma das mais graves formas de dependência", declarou ao G1 o médico Sérgio de Paula Ramos, coordenador da Unidade de Dependência Química do Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre. Entre outros efeitos adversos, o uso continuado dessas substâncias pode enfraquecer o sistema de defesa do organismo ou até matar as células do sistema nervoso.

"Os opioides são analgésicos fantásticos, têm um poder maravilhoso contra a dor. Desde que seu uso seja supervisionado, eles não causam dependência psíquica no paciente, apenas dependência física, o que é normal. Desde que o uso deles seja diminuído progressivamente, de forma controlada, a dependência psíquica não aparece", explica o médico João Batista Santos Garcia, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor e professor da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O grande problema vem quando, por algum motivo, o paciente não passa por esse processo -- ou, pior ainda, procura diretamente a droga como elemento recreativo.

"Os opioides são capazes de criar 'fissura' com relativamente poucas doses", diz Ramos. "Surge então um quadro de difícil manejo. A dor pode até existir, mas o paciente tende a maximizá-la para conseguir o remédio. Conheço um caso, contado por um colega, de um paciente com doença de Crohn, um problema intestinal. Claramente a doença não justificava a dor que ele dizia que sentia", conta o especialista. Nesses casos, é difícil para o paciente resistir à sensação de intensa euforia que os opioides proporcionam.

Bate e volta

No caso de um dos medicamentos supostamente utilizados por Jackson -- o Demerol ou Dolantina, nomes dados à meperidina --, um problema adicional é que o medicamento, normalmente injetado, tem uma ação rápida e uma perda de efeito logo em seguida, explica João Batista Garcia. "Ele tem um pico de concentração no sangue e logo depois cai rapidamente", diz ele.

Por causa de todas essas variáveis perigosas, o uso desse tipo de substância é muito controlado no Brasil, de forma que os casos de dependência entre doentes ou os de uso recreativo são relativamente raros, ao menos pelo que se sabe. O controle estrito, no entanto, tem um lado negro: o uso por parte dos profissionais de saúde.

"No Brasil você só obtém os medicamentos com receita médica e, em geral, apenas num hospital. Mas médicos podem autoprescrever os medicamentos, ou fingir receitá-lo para um paciente mas pegar uma ampola para si mesmos", conta Ramos. "Em geral são pessoas que se automedicam para casos de dor e acabam se tornando dependentes."

É claro que famosos com cacife e vício suficientemente potentes podem subverter essa lógica e conseguir que seus médicos pessoais providenciem as substâncias. Se esse era o caso de Jackson, ainda é cedo para dizer.
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