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Revivendo emoções, obstetras lidam com a maternidade todos os dias

G1

Diariamente, é como se elas estivessem relembrando a emoção de ser mãe, a cada parto realizado. Para cada bebê que nasce, obstetras e pacientes criam uma relação única de compartilhamento de emoção, no momento em que as mulheres experimentam a nova sensação da maternidade. “É como se fosse nosso filho que estivesse renascendo”, conta a médica pernambucana Luiza Menezes, há quase 30 anos ajudando a trazer crianças ao mundo. Às vezes, esse envolvimento é tão grande que ultrapassa as paredes dos hospitais e consultórios, e as grávidas viram as amigas, e os bebês, "sobrinhos" e afilhados.

Compartilhando da profissão e do sentimento de Luiza, Simone, Brena e Leila convergem para um ponto: concordam que a experiência e o sentimento da maternidade dão uma nova maneira de lidar com a profissão. “Acho que ser mãe, gerar um filho, é se aproximar do sentido da vida, da perfeição da natureza e da criação. E o fato de você ser obstetra e ter vivenciado muita coisa não só na condição de médica, mas como de paciente, aproxima demais as angústias da gente às das grávidas”, destacou a obstetra do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros da Universidade de Pernambuco (Cisam/UPE) Simone Carvalho, que carrega em sua história dois partos e dois abortamentos. Apesar da vivência, as médicas não veem problema e acham muito positivo um homem se tornar obstetra.

Mesmo atuando no serviço público de saúde, onde a quantidade de pacientes por dia provoca a exaustão dos profissionais, as obstetras dizem que tentam ao máximo individualizar cada mulher, já que aquele momento é único na vida delas e da família que está começando ou se modificando com o nascimento. A médica Leila Katz, obstetra há 16 anos no Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira (Imip), enxerga o momento do parto como uma grande dose de energia para continuar o trabalho. “Cada mulher que passa na sua vida marca sua trajetória, lhe ensina alguma coisa. Depois daquele plantão exaustivo, quando você vê o bebê, é como se fosse um combustível”, garante.

No dia das mães, além de celebrarem o seu próprio dia, a emoção dessas médicas é compartilhada com tantas outras mães que se misturam entre pacientes, familiares e amigas. Como a relação exige muita confiança entre as duas partes, é comum nesse meio a procura por obstetras já conhecidas da família ou a indicação de alguém que já é próximo do profissional. O acompanhamento vem desde o pré-natal, passando pela conscientização sobre o poder e a autonomia do corpo feminino até as escolhas que a mulher deve fazer para seu próprio trabalho de parto.

Dessa relação é que a obstetra Brena Melo, também do Imip, em seu ciclo de amizade já não sabe mais quem já era amiga antes de ser paciente e quem se tornou depois de iniciar o acompanhamento da gravidez. Entretanto, essa intimidade, infelizmente, ainda está quase restrita aos consultórios particulares. “A gente cria afinidade e acaba convivendo muito com as nossas pacientes, ainda mais hoje em dia com redes sociais. E assim você acompanha de perto a tensão e fica mais emocionada por ela, esperando que tudo dê certo.”, destacou a mãe do pequeno Bernardo, de 2 anos e meio.

Para Simone Carvalho, que atua na enfermaria de alto risco do Cisam, o apego é muito grande, principalmente para mulheres que estão inseguras quanto à gestação. “Eu me sinto mãe das mães”, resume. As histórias que vão sendo construídas geram o carinho nas relações que perduram, como o caso de Leila e Thayssa, médica e paciente que se tornaram amigas, mesmo na distância entre os endereços no Recifee em Belém. Ou mesmo no estreitamento de laços quando se faz o parto de uma amiga próxima. “Quando a gente termina um parto, a família sempre fica agradecendo. Mas sempre digo que quem tem que agradecer sou eu, porque estou naquele lugar especial e participando do momento único que é o nascimento”, revelou Leila Katz.

Humanizando o parto 

Muito do envolvimento entre médicos e pacientes acontece através de profissionais que defendem um parto mais humanizado, natural. Essa corrente, que enxerga a cesárea como exceção e não como regra, vem ganhando força no Brasil nos últimos tempos. No começo do ano, a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicou uma resolução que estabelece normas para estímulo do parto normal e redução de cesarianas desnecessárias. Apesar do esforço, atualmente, no Brasil, o percentual de partos cesáreos chega a 84% na saúde suplementar. Na rede pública, o número é menor, de cerca de 40% dos partos.

A situação pode ser exemplificada no caso da obstetra Brena Melo. Nascida nos Estados Unidos, sua mãe ficou em trabalho de parto por 12 horas, quando o médico norte-americano estimulou o parto normal através de ocitocina, um hormônio que atua no sistema reprodutivo na mulher. Quando a irmã mais nova de Brena nasceu, anos mais tardes no Brasil, a sua mãe optou novamente pelo parto normal. Aqui, o médico esperou apenas quatro horas e decidiu fazer uma cesárea, frustrando a família. “Como eu cresci escutando esta história, foi uma das motivações por eu militar nessa causa, de que a gravidez e o parto devem ser encarados como um processo fisiológico e natural”, contou.

No caso da médica Leila Katz, a vida pessoal também se refletiu na profissional. Mãe de três filhas, ela se sentiu frustrada nas duas primeiras gravidezes, quando, na época, optou por cesáreas. No parto da terceira filha, segura como mulher e consciente do seu corpo, optou pelo parto normal. “Como mulher e obstetra, eu tomei as rédeas do processo, quis fazer como eu queria. Então, a visão que eu tive foi diferente, confiei no meu corpo, acreditei que podia conseguir. A sensação é muito diferente. Claro que sou mãe da mesma forma das outras duas, mas a sensação da mulher de ter parido, de ser capaz, com seu corpo, trazer um ser ao mundo é incomparável”, destacou a mãe de Sara, Maria e Nani.

Para as médicas, a autonomia e o protagonismo na hora do parto não podem ser do obstetra, e sim da mãe. A grávida também não pode ser enxergada como um ser frágil, mas forte suficiente para trazer um filho ao mundo. Para isso, não basta estar acompanhada de um profissional competente, mas também ser informada de que as transformações pelas quais o corpo está passando são naturais e preparatórias para que a mulher se torne mãe.
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