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Redução gradual no consumo de droga tem mais efeito que abstinência

G1

A dependência química é uma doença de altos e baixos. Em São Paulo, o programa “De Braços Abertos” oferece moradia e trabalho a usuários de crack. O projeto tenta tirar os dependentes da rua e dos hotéis da Cracolândia.

Cracolândia - SP

No centro de São Paulo, a polícia tenta desfazer a concentração de usuários de crack na região da Cracolândia, que é chamada de fluxo. Além de bombas de efeito moral, os PMs usam uma mangueira e balas de borracha.

A confusão começou depois que a prefeitura decidiu retirar as barracas montadas pelos usuários nas ruas e nas calçadas.

Mostramos as imagens da operação para o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, que é coordenador do programa de álcool e drogas da universidade federal de São Paulo e ajudou a criar o programa “De Braços Abertos”. “Eu acho que as imagens são muito fortes, elas dizem por si mesmo nessa reportagem. Eu não sei dos detalhes de como a coisa se desorganiza a ponto de chegar em uma postura mais de conflito, mas a previsão era que isso não acontecesse. Se é uma postura mais truculenta da polícia, se são os usuários que não sabiam como se comportar, se entenderam tudo errado essa situação. O combinado não era esse”.

Com o fim dos conflitos, os garis chegam para fazer a limpeza diária da rua onde os usuários se concentram.

Uma semana depois, a situação na Cracolândia está mais tranquila. Acompanhamos um grupo de usuários praticando capoeira, uma das atividades da prefeitura na região. Um dos usuários diz que já tentou participar do programa De Braços Abertos, mas não tinha vaga. “A gente corre atrás pra entrar no projeto, mas não consegue”.

Hoje o “De Braços Abertos” tem 494 vagas, todas preenchidas. “A partir do momento que as pessoas são encaminhadas para serviços ou retornam para os familiares, as vagas começam a surgir”, explica Zélia Paguarde, coordenadora de saúde do projeto.

Segundo a prefeitura de São Paulo, 80% dos participantes do programa de redução de danos conseguiram reduzir o consumo de crack. Para o psiquiatra Dartiu Xavier, este é o caminho. “Trabalhando no tratamento de dependentes há vinte e tantos anos, eu vejo que, se você exige a abstinência do seu paciente, só 30% vão conseguir o sucesso terapêutico. Se você tem medidas mais flexíveis de redução de danos, de mudança de padrões de consumo, você chega a ter sucesso por volta de 70%. Mais que o dobro”.

Tabatinga – AM

Quarenta por cento do crack consumido no Brasil vem da pasta base de cocaína produzida no Peru. Tabatinga, um município de 50 mil habitantes no estado do Amazonas, virou uma importante base do tráfico internacional de drogas.

Em Tabatinga, a travessia entre Brasil e Colômbia é feita livremente, por milhares de pessoas, todos os dias. De lá, é possível pegar um barco até o Peru. A viagem é curta. Circulamos por três países em 30 minutos. Essa posição geográfica é um grande privilégio para os narcotraficantes.

Onde tem tráfico, há violência. O último levantamento é de 2012 e mostra que a taxa de homicídios em tabatinga é quase 80% mais alta do que a média nacional. Naquele ano, 28 pessoas foram assassinadas na cidade.

O combate ao tráfico internacional de drogas é responsabilidade da Polícia Federal. “Aqui, nessa região é onde está prosperando uma nova zona cocaleira no território peruano. Tradicionalmente aqui sempre foi uma área crítica, só que a partir de 2010 nós tivemos as nossas atenções voltadas pelo cultivo de coca que estava alcançando a fronteira brasileira. Aquilo que estava a 300, 400 km de distância daqui, hoje está a 30 metros”, explica Mauro Spósito, delegado da Polícia Federal.

Desde 2011 as policias federais do Brasil e do Peru fazem operações conjuntas para combater o tráfico na fronteira. No lado peruano, perto da fronteira, existem várias plantações de coca no meio da mata.

O Peru só permite o cultivo da coca em alguns estados, onde o uso das folhas faz parte da cultura. Na região da fronteira é ilegal. Os laboratórios funcionam em pequenos galpões no fundo da plantação, onde é produzida a pasta base de cocaína. Só depois de entrar no Brasil é que a pasta base vira cocaína ou crack.

O Rio Solimões é a principal rota do tráfico de drogas entre Tabatinga e Manaus, mas os barcos circulam pela fronteira sem nenhuma fiscalização efetiva. Nos próximos dias, uma embarcação vai funcionar como base da Polícia Federal na região. “Nós temos condições de colocar pelo menos 200 homens, mas serão somente 60 homens que trabalharão aqui dia e noite. Hoje não existe fiscalização, hoje a fiscalização é episódica. De vez em quando se vai pra dentro da água e se interdita um barco ou outro”, explica o delegado.

O barco da PF está equipado com câmera térmica e possibilita verificar o movimento do rio dia e noite. Segundo o delegado Mauro Spósito, uma embarcação como esta custa em torno de R$ 12 milhões.

Campinas – SP

A iboga é uma planta africana. Da raiz dela é extraída a ibogaína. Clínicas mundo afora usam essa planta para fazer tratamento de dependência de drogas diversas. Acompanhamos o tratamento com ibogaína feito em uma clínica de Campinas.

Paulino Silva de Souza tem 38 anos e usa crack há mais de 20. Ele já passou por três internações e agora vai testar um tratamento pouco conhecido no Brasil. “Eu li que ela é capaz de tirar a abstinência do corpo, enfim, tomou ela você não vai sentir aquela vontade forte”.

A ibogaína é consumida na África em cerimônias religiosas. Nos anos 60, começou a ser pesquisada para dependência química. A substância pode causar tontura, enjôo e alterar a percepção dos sentidos.

Paulino e a mãe ficam hospedados na pousada da clínica durante cinco dias, até completar o tratamento. De cada 10 dependentes químicos tratados com ibogaína, sete conseguem se livrar das drogas. “A ibogaína não faz mágica, ela promove, vamos dizer assim, uma reação muita intensa, mas a pessoa precisa se submeter a um processo de psicoterapia na sequência, só participar da sessão de ibogaína não é suficiente pra se chegar a esse resultado”, garante o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira.

Seis meses depois do tratamento com a ibogaína, Paulino está trabalhando, dorme bem e não se considera mais tão agitado. “Onde quer que eu vá, eu falo sobre o tratamento que eu fiz. É uma marca registrada minha mesmo. De tão fascinante, que eu acho que foi para mim, quero que seja para mais pessoas”.

O problema dele não é problema para ninguém no bairro onde mora. Os amigos se preocupam e dão força para que ele não sofra recaídas.

São Paulo – SP

No ano passado, acompanhamos o casal Welton e Poliana iniciando o programa “De Braços Abertos”. Hoje Poliana está em outro projeto e perdeu a guarda dos filhos.

O marido conseguiu se livrar do vício e conseguiu emprego. Ele trabalha como auxiliar de cozinha em um restaurante e diz que se afastar do fluxo foi fundamental para a recuperação. “Foi me afastar dos lugares referentes à droga. Nos meus dias de folga, estou fazendo tratamento. Ajuda bastante. Tem psicólogo, psiquiatra. As pessoas conversam comigo e me ajudam bastante”, conta Welton de Oliveira. Agora ele espera conseguir uma casa para sua família.
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