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Homens moram na casa dos pais por mais tempo que mulheres no Brasil

Globo Repórter

O relógio antigo, os pratos na parede, muitos cristais decorando a sala. Essa é uma típica casa de mãe com dois filhotinhos. Um tem 33 e um 36 anos.

Raul e Paulinho representam uma maioria: 60% dos cangurus no Brasil são homens. No apartamento da mãe, em Belém, cada um tem suas atividades, suas coisas, seu quarto. Raul e Paulinho são a prova de que o "canguru humano" é uma espécie sem pressa.

Raul Moreira, advogado: Não existe nenhum tipo de coisa ruim que me faça sair de casa. Eu tenho a minha liberdade e tenho independência financeira. Eu não estou aqui por insegurança e nem por uma obrigação. É uma escolha. Tá ótimo do jeito que está.

E está mesmo: sem muitas contas pra pagar sobra dinheiro para viajar.

Paulinho: Como nós moramos na mesma casa, cada um consegue economizar e a gente consegue viajar mais, para locais melhores, vamos dizer assim.

É uma família que não se desgruda.

Globo Repórter: E quando esses dois forem?
Mily Moreira, aposentada e mãe do Raul e do Paulinho: Aí é a mesma coisa, eu vou ter que que fazer um exercício pra poder me acostumar também porque na vida tudo é assim. Você tem aquele primeiro choque, mas você tem que se acostumar.
Globo Repórter: Vocês não conseguem imaginar isso?
Mily, Raul e Paulinho: Não.

Aproveitar a vida com "a mãe", e com os amigos também. Todos da mesma espécie. No grupo de amigos, todo mundo mora com os pais, menos o Daniel, e tudo por amor à Yasmin.

“Eu saí de casa pra casar, pra criar estrutura pra poder casar. Eu posterguei isso até os 34 anos e se não fosse por isso eu não teria saído, pra morar sozinho sem perspectiva, de jeito nenhum”, disse Daniel Nascimento, engenheiro mecânico.

Dona Iracema é mãezona do Daniel. Ela faz questão de dizer que jamais botaria o filho pra fora de casa, mas...

“Um empurrãozinho pra que ele fosse viver a vida dele porque na minha concepção de mãe eu acho que tava na hora. Ele já tinha tudo pra isso, esperar mais o que? Já tinha até a mulher.”, diz Iracema Nascimento, cirurgiã dentista.

A tática de Dona Iracema foi colocar um móvel aqui, uma TV ali... Até que o velho quarto do rapaz foi tomado pelo mundo feminino da irmã e da sobrinha que vivem na casa. Aí foi caminho sem volta.

Daniel: Ela fez tudo certinho, me expulsou na hora certa, não foi antes e nem depois.
Iracema: Já sabe até cozinhar, coisa que aqui em casa ele não fazia.

Descobrimos o segredo: vídeos na internet. É a tecnologia socorrendo os cangurus recém-saídos da bolsa. E o Daniel usa o recurso pra tudo.

Daniel: Vai na internet, aprende como lavar a roupa também.
Globo Repórter: Você olhou na internet como é que lava roupa?
Daniel: Mas é claro! Senão, ia misturar tudo: a roupa branca com roupa preta, e pra mim era normal isso.
Globo Repórter: O que você botou lá pra ver?
Daniel: “Como lavar roupa”.

Daniel veio na frente para ir ajeitando o apartamento. Quando casar com a Yasmin, já vai estar craque e sabendo mais que receitas de tapioca. A tapioca, aliás, parece que é um clássico da fase independente.

“Vou fazer uma tapioca que eu faço todo o dia a hora que eu acordo”, contou o publicitário Allan Abranches, irmão da Carol.

Allan aprendeu a se virar, inclusive na cozinha. Era o ingrediente que faltava para amadurecer e seguir o próprio caminho.

“Tem uma hora que você precisa dar o próximo passo, evoluir um pouco mais. Minha irmã não tem muita pretensão de sair. Pra ela, tá bem na casa dos pais e tudo mais. Eu já quis sair antes de constituir família, de casar e morar sozinho. Pra ter a experiência de morar sozinho.”, disse Allan.

Filho que vai e acaba voltando

Sair do universo caloroso e protegido da família não é fácil para as pessoas, nem para os cangurus. Tem uma fase que os cangurus saem da bolsa da mãe e voltam, vão e voltam... para irem se acostumando com a vida. E tem filhote humano que também age assim: vai, mas acaba voltando.

Foi o que aconteceu com o Pedro. Ele fez uma passagem quase sem escala da bolsa da mamãe canguru, para o papel de pai. A namorada ficou grávida e ele teve a Sofia, depois casou com a Beatriz e teve o Bernardo. Para sustentar a família, foi trabalhar como taxista.

“Fui pai, a coisa ficou mais séria. Porque na verdade eu ganhava meu dinheiro pra curtir, curtição de noite, jogo no Maracanã. Depois foi aumentando a despesa: leite, fralda, aluguel”, contou o taxista Pedro Henrique Souza.

Sonia queria que o Pedro estudasse, fizesse faculdade.

“A gente pensa, mãe, que agora que ele deveria tá pensando num casamento, em filhos, aos 27 e não aos 19, conforme foi a vida dele”, disse Sonia Salgueiro, educadora.

Foram tempos difíceis e esses dois, que sempre concordaram em tudo, acabaram brigando. Pedro fez as malas e deixou a mãe com o coração apertado.

“Ai foi muito sofrimento porque eu sou aquela mãe bem coruja, tipo assim, meus pintinhos. Quando ele saiu eu falei assim, ‘meu Deus, esse cara não sabe nem botar uma água no copo, como é que vai viver?’”, contou Sonia.

Perdeu o terraço e ganhou o filho de volta

O tempo passou, as mágoas foram esquecidas. E aí juntou a necessidade de um, a vontade de ajudar do outro.

“Fui eu e minha esposa lá falar com ela: ‘O mãe, a gente tá precisando de uma casa, tá ficando puxado pagar o aluguel’”, contou Pedro.

Trabalho extra para o João Batista, padrasto do Pedro e mestre de obras.

“Eu trouxe minha equipe pra fazer. Isso aqui passou o quê? Um ano?”, disse João Batista Macário, mestre de obras.

Globo Repórter: Mas ele acabou com a sua laje?
Sonia: Laje, não. Terraço!

Sonia perdeu o terraço, mas ganhou o filho de volta. Filho e companhia. É só descer a escada para todo mundo entrar direto na bolsa da mamãe canguru.

“Eu digo que ela é a melhor vizinha de se morar porque a gente pode pedir emprestado e não precisa devolver”, brinca a nora.

Assim, pertinho, a vida fica mais fácil. Mas tem algumas coisinhas que parece que não mudam nunca.

Beatriz Borges, recepcionista e esposa do Pedro: O cara é folgado. Eu falo que a mãe dele não ensinou a ajudar nas coisas de casa.
Globo Repórter: Limpa casa?
Beatriz: Não.
Globo Repórter: Lava roupa?
Beatriz: Não.
Globo Repórter: Passa?
Beatriz: Também não.
Globo Repórter: Cozinha?
Beatriz: Não, muito menos.
Pedro: Uma louça, de vez em quando, eu lavo.

Conquistas de outras gerações dão mais tempo aos jovens

Enquanto a família mora em cima da casa da mãe, lá embaixo, a Mariana, única irmã do Pedro, faz faculdade e aproveita o seu pequeno mundo protegido. Tem liberdade e tudo o que precisa no quarto, uma situação bem diferente da que a Sonia viveu.

“Eu morava em quarto e sala. Dormia eu e meu irmão numa bicama. Eu sempre quis ter meu espaço, por isso que eu me casei cedo”, contou Sonia.

As conquistas de outras gerações dão mais tempo aos jovens de hoje. Entre os cangurus, o prazo na bolsa gira em torno de seis meses. Entre os humanos, esse período junto aos pais está ficando cada vez mais longo. Será que falta incentivo e coragem ou é o mundo que ficou mais assustador e difícil?

Mariana Salgueiro, estudante: Dá medo, sim, porque o mercado de trabalho hoje em dia tá bem concorrido.
Globo Repórter: Você espera que tipo de momento para sair?
Mariana: Assim que eu tiver uma estabilidade, tanto financeira quanto física, moral, tudo. Pra sair de cabeça erguida e falar ‘mãe, agora tá na hora de eu sair’ e sair.
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