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Pai rema quase 300 km sozinho para pagar promessa pela saúde do filho

G1

A possibilidade de não poder ter um filho e derrubar o sonho de uma família rondou o lar do fisioterapeuta Ricardo Padovan, de 37 anos, morador de Salto (SP). Com problemas de hipotiroidismo, a mulher dele foi informada por médicos que as chances de engravidar eram praticamente nulas. Anos depois, contrariando os diagnósticos, o casal recebeu a notícia de que esperava um filho. "Sonhávamos em ter um filho, mas a médica da minha esposa dizia ser impossível que ela engravidasse. Os anos se passaram e quando menos imaginávamos, os sintomas vieram e foi confirmada a gravidez", conta Ricardo.

Fisioterapeuta remou 290 quilômetros (Foto: Arquivo pessoal)Fisioterapeuta remou 290 quilômetros
(Foto: Arquivo pessoal)

Porém, problemas durante a gestação e a orientação para não correr o risco de seguir adiante abalaram o casal. "Por algumas vezes, ela [esposa] teve sangramentos e até chegou a ser dada a hipótese de retirar a criança, caso os sangramentos continuassem. Foi quando optamos em mudar de médica. Gastamos muito e fizemos de tudo que podíamos para que ela tivesse uma gestação perfeita."

A situação fez com o fisioterapeuta fizesse uma promessa: Se o filho nascesse com saúde, ele remaria de Paraty (RJ) até Santos (SP), um percurso de quase 300 km. "Na 38ª semana de gestação, ela começou a entrar em trabalho de parto, e eu fiz a promessa que se meu filho nascesse saudável eu iria de Paraty a Santos, sozinho, remando de Surfski - um tipo de caiaque -, sem apoio por mar e terra", resume Ricardo.

O trajeto foi concluído na segunda-feira (3), cumprindo a promessa. Atualmente, Arthur está com cinco meses e com a saúde em dia, segundo o pai. Ricardo explica que a ação dele é para que um dia o filho saiba do esforço que fez para demonstrar que o amor vence qualquer tipo de barreira imposta pela vida.

Fisioterapeuta remou 290 quilômetros (Foto: Arquivo pessoal)Fisioterapeuta remou 290 quilômetros, entre Paraty (RJ) e Santos(SP) (Foto: Arquivo pessoal)

O desafio
Ricardo remou, ao todo, 290 km em quatro dias e meio. Praticante do esporte há 10 anos e com acompanhamento médico, o fisioterapeuta revela que durante o percurso sofreu com a desidratação, mudanças climáticas, baleias, e que o choro foi um dos seus "companheiros" nos momentos do desafio.

"Tiveram três ou quatro momentos que achei que não seria possível prosseguir. Chorava e conversava muito comigo mesmo, mas o segredo era manter a calma e procurar a melhor saída. Os problemas enfrentados foram vários, desde baleias no caminho, o mar virar e ficar em condições ruins de navegação, a neblina me deixar sem meu ponto de referência, as chegadas e saídas com ondas nas praias, como navegar no mar durante a noite", relata o fisioterapeuta.

Chorava e conversava muito comigo mesmo, mas o segredo era manter a calma e procurar a melhor saída"
Ricardo Padovan,
fisioterapeuta

Até a saúde do Ricardo ficou comprometida durante o trajeto. "No primeiro dia eu fiquei muito enjoado, remei o dia inteiro sem beber água e comer por um dos mais temidos pontos de navegação do Brasil, a famosa Ponta da Joatinga. Também tive uma alergia muito forte. Brotaram placas vermelhas pelo corpo, quando justo neste dia eu teria que remar 90km, tendo que terminar de fazer este trecho navegando de noite no mar por quatro horas sem bússola, totalizando 14 horas remadas sem interrupção."

Sozinho durante todo o percurso, ele utilizou uma rede social para se comunicar com familiares, amigos e pessoas que o acompanharam. Uma espécie de diário de bordo ajudou o fisioterapeuta a se localizar e poder divulgar a promessa em tempo real. Ao fim de cada dia, postagens com impressões e avaliações do percurso eram divulgadas.

"Eu usei um localizador por satélite que emitia um sinal para uma página onde haviam centenas de pessoas acompanhando meu deslocamento em tempo real por toda viagem. Durante as minhas paradas, eu relatava a todos o que acontecia, até para justificar as complicações que eu tinha na viagem, e os questionamentos dos internautas sobre algumas mudanças no percurso, estratégias, ou horários pré-determinados em que seriam realizados", conta Ricardo.

"Espero poder ser mais que um pai para ele. Sonho em ser um amigo em que ele possa sempre contar e que também possa se espelhar e se orgulhar do pai dele, que nunca mediu esforços. Que um dia remou pelo oceano sozinho por ele", finaliza Ricardo.

Remo, filho, Ricardo Padovan  (Foto: Arquivo Pessoal/ Ricardo Padovan)Arthur, filho do fisioterapeuta, está com cinco meses de idade  (Foto: Arquivo Pessoal/ Ricardo Padovan)

Diário de bordo
Abaixo segue a descrição de cada etapa da promessa cumprida por Ricardo. Durante quatro dias e meio, o fisioterapeuta percorreu o total de 290 km, com média de pouco mais de 65km/dia.

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Travessia do amor, canoagem (Foto: Arte/ G1)Ricardo registrou vários momentos da travessia
(Foto: Arquivo Pessoal/Arte G1)

Primeiro dia: De Paraty (RJ) a Trindade: foi a remada em condição de risco mais bruta da minha vida. Venci a temida Ponta da Joatinga e entendi porque devemos sempre respeitar o mar, remei pouco mais de 60km sem comer e beber nada, com o V7 muito pesado. Fiquei fragilizado ao ponto de não atender o celular, pois eu só chorava porque não podia fraquejar, mas eu não me via em qualquer condições de seguir em frente, somente às 2h fui consegui me alimentar.  Nesse momento, resolvi ler cada mensagem de carinho escrita, lembrei muito do sorriso do meu pequeno e o motivo de estar ali.

Segundo dia: Trindade a Toninhas (SP): ao dar as primeiras remadas eu estava ainda com tremores, mas o mar tem suas energias. Fui suplementando, me alimentando e ganhando forças, fazendo escolhas inteligentes de rota, e remei até Toninhas. Sai muito mais forte da água neste dia do que comparado a hora que entrei, foram mais de 40km em pouco mais de 1/2 período de remada.

Terceiro dia: Toninhas a Ilha Bela (SP): foi fantástica essa remada. Decisão arriscada, porém acertei na loteria ao resolver não costear e vir mar adentro. Economizei mais duas horas de remada e fiz uma única linha reta, recuperei parte dos quilômetros que havia deixado de percorrer como previsto nos dias anteriores.

Quarto dia: Ilha Bela e Bertioga (SP): foi a decisão mais difícil, arriscar tudo em percorrer de 80 a 90km em um único dia, sabendo que a janela climática favorável iria começar a fechar. Acordei com alergia, temendo muito que piorasse, e novamente por minutos entrei em desespero, mas passei a madrugada de sunga, boa parte do tempo sentado e, aos poucos, as placas vermelhas na pele foram cedendo. Logo cedo fui para água, iniciava a remada mais exaustiva da minha vida, foram mais de 80km em mais de 14h  de remada sem parar.

Último dia: Bertioga a Santos (SP): resolvi fazer esta travessia pelo rio também pelo fato de um amigo remador que conheci, querer fazer o trecho final da viagem comigo. Não vou cometer o erros de querer citar todo mundo que ajudou, pois cometerei injustiça, não tem como lembrar de todos agora. Filho, o papai está chegando, hoje você volta a tomar banho com o papai, por você eu faço tudo. Obrigado a família que aguentou firme, mãe pode a voltar falar comigo. Sem palavras aos amigos que tenho, e que fiz nesta viagem, boa parte da minha energia vieram de vocês.

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