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Dólar alto enfraquece comparação de preço de carro do Brasil e dos EUA
G1
A simples comparação entre preços de carros no Brasil e nos Estados Unidos, costumeiramente usada para mostrar que o brasileiro paga bem mais pelos mesmos modelos, vem perdendo força nos últimos meses. Não porque os veículos tenham barateado no mercado brasileiro, mas pela disparada da moeda americana frente ao real, com alta de cerca de 35% neste ano.
Ao aplicar as cotações recentes, em que o dólar passou de R$ 3,50, as diferenças de valores do Brasil para os EUA diminuem ou mesmo se invertem em alguns carros de até R$ 100 mil, globais (mesmo modelo vendido no Brasil e no exterior) e fabricados no mercado nacional.
No entanto, os carros do mercado americano continuam se mostrando mais equipados (veja exemplos abaixo) que os nacionais. Além disso, há a diferença no poder de compra, que se refere aos salários.
O salário mínimo nos EUA é cerca de 4 vezes superior ao do brasileiro, o que deixa o carro muito mais "caro" no Brasil, mesmo com a variação do câmbio. Ou seja, mesmo com valores próximos, o brasileiro precisa trabalhar muito mais para adquirir o mesmo veículo.
Não ficou mais barato
No bolso do brasileiro, no entanto, a "redução" da diferença de valores em certos modelos não é sentida: a comparação só reflete o câmbio, destacam especialistas ouvidos pelo G1.
Um exemplo: a versão 1.8 CVT da nova geração do Toyota Corolla foi lançada em março de 2014 por R$ 69.990, o que, na cotação da época, correspondia a US$ 29,6 mil. Essa versão foi a única do sedã cujo preço em real não subiu até agora, mas, convertido em dólar, ele representava US$ 10 mil a menos na cotação da última sexta (28).
Para os analistas, o verdadeiro efeito prático do dólar alto nos carros no Brasil deverá ser um aumento nos preços, mesmo com as vendas em baixa, pois mesmos os modelos fabricados aqui utilizam componentes importados.
"Não só o real que está se desvalorizando, o dólar está se valorizando também. Tem fatores que têm a ver com a economia americana e aversão ao risco no mundo - risco na China, na Europa -, fazendo com que investidores fujam para o dólar, apesar de as taxas de juros dos EUA ainda estarem baixas, mas haver sinais de que pode subir”, explica Emerson Marçal, economista da Fundação Getúlio Vargas-SP.
Nas comparações foram considerados 5 modelos globais (iguais no Brasil e no exterior) fabricados no mercado nacional, de diversos segmentos (Ford Fiesta Hatch, Nissan Versa, Toyota Corolla, Honda HR-V e BMW X3), e 3 importados (Chevrolet Camaro, Jeep Grand Cherokee e Porsche Cayenne). Foram comparadas as versões que mais se aproximassem nos dois mercados, pelo menos com o mesmo motor e câmbio. A pesquisa e conversão dos valores foi feita na última segunda-feira (31), quando o dólar comercial fechou em R$ 3,62.
Os preços do Brasil são os sugeridos nas páginas das montadoras para São Paulo, quando o site pedia uma localização, e incluem frete e impostos. Os valores no mercado americano (preço sugerido e frete) também foram obtidos nos sites das marcas, como se fosse para um cliente da Flórida. Foi adicionado o imposto equivalente ao ICMS nos EUA, que varia de estado para estado e, na Flórida, é de 6%, segundo a advogada tributarista Alice Gontijo Santos Teixeira. Em algumas cidades pode ocorrer ainda uma tributação municipal.
Menos equipados
Alguns carros vendidos no Brasil mostraram nível de equipamentos inferior ao dos similares norte-americanos. Embora tenham características mecânicas e visuais parecidas, por serem globais, os modelos abaixo de R$ 100 mil costumam ser mais equipados nos EUA, principalmente com relação a itens de segurança. E foi impossível encontrar carros considerados "básicos" ou "de entrada" próximos nos dois mercados.
Por exemplo, o Ford Fiesta Hatch mais simples no Brasil tem motor 1.5 e 2 airbags exigidos por lei. O "básico" dos EUA possui motor 1.6 e 7 airbags, um nível de proteção que não está disponível nem na versão brasileira mais cara do modelo. Para deixar os modelos mais próximos, na comparação do Fiesta foi utilizada a versão básica dos EUA, chamada S, e a intermediária do Brasil (SE 1.6), ambas com câmbio manual.
Além da diferença de equipamentos, o consultor especialista no setor automotivo Milad Neto, da consultoria Jato Dynamics, especialista no setor automotivo, destaca que carros iguais podem competir em segmentos diferentes em cada país.
É o caso do Corolla, que tem visual um pouco diferente nos EUA (o Brasil adotou o design europeu) e é considerado um sedã compacto no mercado americano, mas é colocado num nível acima (sedã médio) no Brasil.
Tendência é preço subir
Segundo os especialistas consultados, a equiparação de preços em dólar não deve se manter por muito tempo, já que a valorização da moeda americana influencia matérias-primas de carros nacionais e também encarece as peças importadas que entram na montagem de veículos produzidos localmente. O repasse provavelmente não aconteceu ainda porque as vendas estão em baixa no mercado brasileiro.
“Esse preço tende a subir no Brasil nos próximos meses, até porque boa parte dos componentes dos carros são importados. Isso ainda não é repassado totalmente, talvez seja mais lento agora porque pega a indústria automobilística está num momento complicado. Em havendo uma normalização desses fatores, a tendência é o preço (do carro no Brasil) voltar a subir", aponta Marçal, da FGV-SP.
Pelo IPCA, a inflação oficial, o preço do carro novo subiu 4,69% no primeiro semestre no Brasil, na comparação com o mesmo período de 2014.
Não são só impostos
Os impostos também pesam na formação do preço no Brasil, sobretudo no caso dos importados, com a incidência da alíquota de 35% e o "superIPI" - um aumento de 35 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados para modelos que vêm de outros países que não os do Mercosul e o México.
Um estudo feito em 2014 pela associação das montadoras, a Anfavea, apontou que a carga tributária representa 28% de um carro flex com motor 1.0 a 2.0 no Brasil, enquanto, para um similar nos EUA, ela fica em torno de 7%.
Segundo João Eloi Olenike, presidente-executivo do Instituto Brasileiro de Planejamento de Tributação (IBPT), um Corolla 2.0 deve quase 40% do seu preço aos impostos. E muitas pessoas não sabem esse dado, mas uma lei regulamentada no ano passado obriga as lojas a dar o percentual dos impostos que incidem sobre o carro, de acordo com cada esfera: federal, estadual e municipal. "Lá nos EUA eles tributam menos o consumo e mais a renda, lucros e patrimônio", diz Olenike.
Assim, o Jeep Cherokee, que foi alvo de reportagem da revista "Forbes" em 2012, criticando os preços dos carros no Brasil, continua bem mais caro aqui, mesmo na comparação com dólar alto.
Não se pode culpar apenas os impostos pelo preço alto dos carros no Brasil, adverte Milad Neto. “A tributação é muito mais baixa lá (nos EUA), porém o preço no Brasil é alto também porque há uma demanda forte. Se você tem demanda, pratica o preço que quiser, continua subindo até o consumidor chegar no limite”, ressalta o consultor.
Um estudo do sindicato dos fabricantes de autopeças, o Sindipeças, divulgado em 2012, diz que a margem de lucro das montadoras no Brasil é de 10% sobre o valor ao consumidor, enquanto a média mundial é de 5% e, nos EUA, o segundo maior mercado de veículos do mundo, é de 3%.
Mercado de luxo
Enquanto alguns veículos abaixo de R$ 100 mil aparecem com preços mais próximos nos dois mercados, o mesmo não ocorre no segmento de luxo, que gera uma margem de lucro bem maior para as fabricantes. Um ponto a ser lembrado é que, nos EUA, essa margem pode ser reduzida sem significar ganhos menores, porque a quantidade de vendas é superior.
Até pouco tempo atrás, os modelos de luxo eram todos importados ao Brasil, e precisavam passar por uma adaptação ao mercado nacional. Isto vem mudando, com a instalação de novas fábricas, como a da BMW, mas os preços continuam no mesmo patamar.
“(Isso ocorre porque) Precisa passar por uma reengenharia, com especificações para atender o mercado brasileiro, relativas a suspensão, curvas de potência e torque para nossa gasolina, por exemplo. É um retrabalho, mas não ensejaria numa alteração tão grande nos valores. Tem sim uma demanda muito forte. O brasileiro ainda utiliza o veículo como algo que significa status”, explica Milad.
Exportação
Um ponto positivo da valorização do dólar é um possível incentivo nas exportações, que, no caso dos carros, ainda esbarram em obstáculos de qualidade, principalmente com relação à eficiência energética dos motores, e competitividade do produto.
“A ideia do Inovar-Auto (programa de regulamentação que entrou em 2014) é qualificar o produto, mas somente a melhoria com relação a eficiência energética. Não consegue traduzir em outros elementos, como segurança”, afirma Milad.