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Medo de assaltos faz muita gente trocar praias por piscinas

O Globo

RIO — Correr à beira-mar, pegar onda, se bronzear na areia e ficar de papo no quiosque predileto da praia são programas que atraem tanto cariocas como turistas em dias de sol. No entanto, a insegurança na orla, que no fim de semana passado se traduziu em arrastões e pânico na Zona Sul, tem levado muita gente a buscar outro destino na hora do lazer: as piscinas dos clubes ou dos próprios condomínios. Tudo pela segurança — e, de quebra, ainda se ganha em conforto. Para essas pessoas, o caminho para as areias escaldantes da cidade tão cedo não será trilhado. Por isso, avisam: até o fim do verão, praia nem pensar.

Mãe de três crianças, Ellen Cristina, de 32 anos, foi uma das que mudaram de programa depois de ver a violência de perto. Num dos episódios, ocorrido no Arpoador, viu quando um grupo de adolescentes roubou os brincos de um bebê de apenas 1 ano de idade, obrigando a mãe da criança a lhes entregar os acessórios. Dois fins de semana depois, quando voltava da praia, um jovem atirou uma pedra contra o ônibus em que ela estava com um dos filhos. O gesto de fúria aconteceu porque o motorista do coletivo não deixou o adolescente embarcar sem pagar.




Como não abre mão de pegar sol com as crianças, Ellen decidiu se associar ao Clube Guanabara, em Botafogo, em cuja piscina bate ponto todo fim de semana.


— Sempre frequentei a Praia do Arpoador, mas tenho visto muita violência — conta ela. — Para quem gosta de curtir a praia com a família, não dá mais. A gente quer tirar fotos das crianças e não pode ficar com o celular na mão, porque podem roubar. Aqui não tem esse problema. A gente dá um mergulho na piscina e deixa tudo em cima da mesa: bolsa, celular. Ninguém rouba. Aqui tenho a segurança para os meus filhos que a praia não oferece.

Na mesa ao lado, a aposentada Lenah Trujansky, de 65 anos, reforça:

— Aqui não tem assalto. São todos conhecidos. Depois de alguns fins de semana, você percebe que todos são uma grande família.

A violência também fez com que Fabiana Dallbello, de 42 anos, passasse a cruzar com mais frequência os portões do Tijuca Tênis Clube, onde frequenta a piscina com os dois filhos, Pedro, de 2 anos, e Leonardo, de 5.

— Na praia, os comerciantes já estão cobrando adiantado, para não sofrer prejuízos no caso de acontecer um arrastão e as pessoas irem embora sem cobrar. A gente precisa ficar mexendo na carteira a toda hora para pegar dinheiro, e o risco de sofrer assaltos é maior. Aqui no clube não: eu consumo e só pago no fim, com cartão. Ou seja, nem preciso sair de casa com dinheiro. E a gente pode almoçar no próprio restaurante da piscina. Além disso, na praia eu não relaxava: na hora de ir até o mar para banhar as crianças, precisava pedir a alguém que olhasse meus pertences na areia.




A nutricionista Michelle Bento, de 30 anos, mãe de Miguel, de 1 ano, é outra que se afastou das praias por causa da violência:

— Começamos a frequentar o clube (Tijuca) pela questão da segurança, mas fomos descobrindo outros benefícios. Um deles é que entro com o carro no estacionamento e não preciso ficar procurando vaga para estacionar. Outro é que, independentemente da hora em que eu chegar no clube, sempre haverá mesa, cadeira e guarda-sol disponíveis.

Uma vantagem do clube, para a administradora Célia Cristina, de 55 anos, é que ela não precisa de companhia para se sentir segura:

— Quando desisti da praia por conta de violência e passei a frequentar a piscina do clube, comecei a fazer amizade com pessoas que estão todos os fins de semana aqui. Isso foi maravilhoso. Quando eu frequentava a praia, ficava com medo de ir sozinha por causa dos arrastões e insistia para uma amiga ir comigo. Aqui não preciso disso. Eu acordo e saio de casa sem ligar para ninguém, já sabendo que diversos amigos do clube estarão na piscina quando eu chegar. Não quero mais saber de praia.

Segundo a administração do Tijuca Tênis Clube, nos últimos dois meses, o número de sócios frequentando a piscina cresceu cerca de 30%.

Em alguns casos, a preocupação com a violência não significa apenas não trilhar o caminho da praia em fins de semana de sol: é sinônimo de nem sair do próprio condomínio. É o caso de quatro amigas moradoras de um edifício na Rua Garibaldi, na Tijuca. Antes, elas frequentavam a Praia de Ipanema pela manhã e a piscina do prédio no fim da tarde. Por causa da violência na orla, o programa no condomínio passou a ser em tempo integral:

— Íamos à praia de manhã. Almoçávamos e deixávamos para terminar o dia, após às 16h, aqui na piscina. Mas depois dos arrastões decidimos ficar por aqui. A gente pode subir em casa, comer alguma coisa e descer, ou almoçar no bar da piscina. Correria, aqui, só das crianças mesmo. Arrastão agora é coisa do passado - diz a bancária Luciana Ribeiro, de 46 anos, ao lado das amigas Clarissa Maria Vaz Sampaio, de 43 (comissária de bordo), Luciana Farah Mesquita, de 36 (autônoma), e Alessandra Almeida Rocha, de 41 (médica).

Morador de Botafogo, Franco Luciano Rancaño, de 52 anos, advogado da União, é outro que prefere não ir muito longe na hora do lazer: tem dado preferência à piscina do seu condomínio, na Rua da Passagem.
— Acho que o carioca não vai deixar de ir à praia. Mas, neste momento, há um sentimento coletivo de que a praia deixou de ser um ambiente seguro. Eu agora tenho olhado com mais atenção para a piscina daqui. Mas isso precisa acabar, porque o carioca não é o tipo de pessoa que gosta de ficar confinado. É preciso haver mais inteligência e planejamento na segurança das praias. Não podemos restringir a liberdade de adolescentes e crianças inocentes e não podemos generalizar. Mas também não podemos ter a nossa liberdade cerceada — disse.

Um fim de semana marcado por arrastões

Os arrastões do último fim de semana espalharam uma sensação de insegurança na cidade. Apesar da grande quantidade de policiais militares nas praias, as cenas de roubos e furtos foram vistas com frequência. O medo chegou ao asfalto na tarde de sábado, quando jovens que estavam num ônibus parado pela polícia fizeram um arrastão pelas ruas de Botafogo e do Humaitá. Lojas foram saqueadas e pedestres, atacados. Além disso, um vendedor de flores foi baleado. Os cerca de 30 jovens detidos pela polícia acabaram sendo liberados no mesmo dia.

No domingo, o clima de insegurança tomou a orla novamente. Na saída da praia, em Copacabana, um grupo de jovens que estava em um ônibus da linha 474 (Jacaré-Jardim de Alah) foi atacado por homens que seriam moradores da região. Vidros do coletivo foram quebrados. Em desespero, passageiros fugiram pelas janelas. O domingo de sol forte terminou com 29 jovens detidos e cinco adultos presos. Somente um adolescente foi liberado pela Justiça.

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