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Hora de balanço: as confissões de Eduardo Paes

O Globo

RIO — A oito meses de deixar o cargo, o prefeito Eduardo Paes faz um balanço em forma de confessionário sobre os sete anos e quatro meses de um mandato tumultuado por um estilo muito peculiar de governar, onde a sequência de erros acaba se sobrepondo aos acertos. É um permanente desencontro entre o talento e a sorte, quando a chave de qualquer sucesso é justamente o contrário. Talvez, por isso, nada tenha incomodado mais o prefeito do que a crítica baseada na frase antológica do jornalista e humorista Nicolas Chamfort: “Há sujeitos tão caiporas que caem de costa e quebram o nariz”. É o caso dele. Sem contar os erros da sua administração que ceifaram vidas, como a ciclovia, que foi aberta em janeiro mas que três meses depois espatifou-se, matando duas pessoas, o que ganhou destaque ainda maior na imprensa mundial do que a inauguração.

Mas, voltando à má sorte em si, tamanha sina a do prefeito que começou a aguçar a curiosidade dos estudiosos das “coisas do além”, e muitos acham que Eduardo Paes é vítima de alguma macumba encomendada por adversários. Claro que o prefeito é daqueles que não acreditam em bruxarias, mas, por via das dúvidas, passou a se dedicar mais à espiritualidade: voltou a frequentar as missas dominicais, coisa que tinha deixado de fazer desde que assumiu a prefeitura.

O curioso em tudo isso é que, apesar dos percalços, Eduardo Paes não perdeu a alegria de governar, seguindo o conselho do velho Ulysses Guimarães de fazer do seu dever o seu prazer.

— Continuo sendo, por ser prefeito desta cidade maravilhosa, o homem mais feliz do mundo. Por isso, não sei se serei o mesmo a partir de 1º de janeiro de 2017 — diz ele.

Só que o seu futuro não é duvidoso. Ao deixar a prefeitura, Paes será o primeiro ocupante da recém-criada cadeira do curso Global Mayors, da Columbia University de Nova York, para onde se mudará com toda a família, em apartamento alugado pela própria universidade.

Se há um lugar do qual o prefeito quer fugir é Brasília:

— Se depender de mim, não boto os pés lá tão cedo, se possível até o final do meu mandato. A situação ali está muito complicada, muito triste.

Em conversa com O GLOBO, ao fazer um balanço dos seus erros, Paes foi logo dizendo:

— Todas as tragédias acontecidas me incomodaram e muito, principalmente aquelas que resultaram em perdas de vidas humanas. Mas elas aconteceram de forma alheia à minha vontade. Poderiam ser evitadas? A maioria, sim. Por isso, há investigações em curso. O massacre de Realengo, um caso em que a prefeitura não teve envolvimento, foi, porém. o que mais me chocou e me entristeceu até hoje. Nos casos de envolvimento direto meu, não da prefeitura, o que mais me incomoda até hoje foi aquele desastrado telefonema para o Lula (em que criticou a “alma de pobre” do ex-presidente e disse que Maricá “é uma merda de lugar").

Então, vamos começar por este último os desabafos do prefeito:

GRAMPO COM LULA

“Esse eu poderia ter evitado. Tudo culpa desse meu jeito de ser, boquirroto, de fazer piadas de mau gosto, coisas que minha assessoria tanto critica, mas que a esta altura da vida não vou, infelizmente, mudar. Posso até tentar, mas não consigo. Por que falei aquelas coisas? Porque simplesmente quis dar uma de Zeca Pagodinho, sem o talento do Zeca Pagodinho. No aniversário dele, em 5 de fevereiro, eu, da festa, liguei para o Lula e pedi que ele cumprimentasse o Zeca. Ouvi o Zeca dizer a ele: ‘Presidente, que barquinho pobre é esse? Que sítio de pobre é esse?’. E o Lula, do outro lado, dava gargalhadas. Quando falei com ele naquela gravação, quis dar uma de Zeca e falei demais. Isso me incomoda até hoje e me incomodará por bastante tempo ainda, com certeza”.



DILMA

“Se a presidente diz que está decepcionada comigo, fala sem ter razão. Quem levou o Jorge Picciani a ela fui eu. Sempre fui leal a ela. Agora, nada posso fazer se o meu partido cansou de conviver com os erros do seu governo. Talvez ela se sinta magoada comigo por causa do voto do Pedro Paulo, com o qual não tive nada a ver. Até cheguei a dizer que, no meu caso, se pudesse, entre o voto de Pedro Paulo e o de Leonardo Picciani, que votou a favor, eu ficaria com este. Às vésperas do impeachment, a presidente Dilma esteve comigo, numa solenidade aqui no Rio de Janeiro. Pensei comigo: “Ela vai me pedir, com certeza, para eu tentar reverter os votos da bancada do Rio, coisa que eu não conseguiria”. Mas não. Ela chegou aqui, me tratou cordialmente, mas não falou sobre política. Achei isso muito estranho. Como eu sabia que ela iria almoçar com o Dornelles (governador em exercício do Rio), mais tarde liguei para ele, perguntando se ela havia falado sobre o impeachment. E o Dornelles manifestou a mesma surpresa: nada de impeachment. E com ele foi mais estranho ainda, porque ele é do PP, partido sobre o qual tem grande influência — e a presidente sabe disso — e que tirou o maior número de votos dela. Essa apatia da presidente às vésperas da votação me chamou muito a atenção”.

CICLOVIA

“Todos me perguntam se eu vou demolir ou preservar a ciclovia, e minha resposta é uma só: ela só vai ser reaberta se me provarem tecnicamente que isso é seguro. Há muitas notícias improcedentes sobre a estrutura da obra. O que eu sei é que não levaram em conta que as ondas poderiam vir de baixo para cima, com o peso de 500 toneladas. Estavam preparados para uma pressão de cima para baixo. Mas tudo isso está sob investigação. As responsabilidades estão sendo apuradas. Não foi um erro direto da prefeitura. Nosso erro, no caso específico, pode ter sido o de não a termos isolado com cones, naquele dia da ressaca. Mesmo considerando que a estrutura fosse inabalável, aquela ressaca poderia, por si só, arrastar pessoas. Então, o isolamento preventivo da área era necessário. Se as investigações, as perícias, comprovarem a culpa da Concremat, a empresa será responsabilizada e terá todos os seus contratos com a prefeitura cancelados. Há outra coisa também: não é possível responsabilizar apenas CNPJ, mas CPF também, ou seja, empresa e engenheiros responsáveis pela obra”.

PEDRO PAULO

“Por que insisto com a candidatura Pedro Paulo? Porque ele é o mais preparado para assumir a prefeitura. Falam que, ao insistir no nome dele, eu estaria repetindo Lula com Dilma, o que deu no que deu. São casos totalmente diferentes. O Pedro Paulo está há tanto tempo quanto eu na prefeitura; conhece como ninguém os problemas da cidade e sabe as soluções para cada um. Ele vem de sucessivos mandatos parlamentares, tem traquejo político; sabe ouvir, sabe dialogar, principalmente com os adversários. Claro que os problemas pessoais nos quais ele se envolveu e, agora, a questão da ciclovia, mesmo sendo coisas tão distintas, vão ser explorados pelos adversários. No caso que o envolve com a ex-mulher, ele está sendo investigado por três frentes, uma delas sob o comando do rigoroso Rodrigo Janot. O processo está bastante adiantado, e as conclusões deverão sair antes das eleições. Como conheço muito bem o caso e, por isso também, conheço a sua inocência, acredito que a decisão da Justiça lhe será favorável e, com isso, os adversários não terão mais como usar isso eleitoralmente”.

GLAMOUR

“Eu repito: sou um homem feliz por ser prefeito desta cidade. Costumo pedir: fiquem com raiva do prefeito, mas nunca do Rio. Esta cidade é incrível. Eu sou fascinado pelo trabalho, não pelo glamour do poder. Venho de uma família de classe média, não muito abastada, mas que sempre viveu confortavelmente. Conheci Paris com 5 anos de idade. Vivo bem. Então, não tenho esse deslumbramento todo pelo poder. Garotinho, certa vez, quis denunciar o fato de meu pai ter conta em banco no exterior, mas quebrou a cara porque tudo na vida da minha família é bem organizado e honesto, declarado à Receita. Mas eu não condeno as pessoas que gostam do prazer proporcionado pelo poder, desde que cumpram suas obrigações como agentes públicos. O Cabral, por exemplo, que muito fez pelo Rio, é uma figura cativante, interessante e muito de bem com a vida, divertido. Como governador, quando ele se reunia socialmente com Lula e, às vezes, me chamava, eu até que gostava das conversas animadas, mas só até certo ponto. Chegava uma hora em que eu começava a ficar inquieto, olhando para o relógio, doido para sair dali e voltar ao trabalho. Eu me sinto melhor trabalhando do que me divertindo, propriamente”.

ESTILO

“Eu cobro eficiência mesmo. Muitos acham que sou estourado, que tenho pavio curto. E pago por essa fama, como no caso recente da discussão com a médica do hospital Lourenço Jorge, para onde levei meu filho, num caso de emergência médica. Eu estava ali como cidadão, mas ela me tratou politicamente, como o prefeito que xingava no Facebook. Depois do incidente, ela apagou o Facebook. Tive testemunhas de dois pacientes que, na mesma sala, esperavam atendimentos médicos. Eles me chamaram e disseram que eu tinha toda a razão em cobrar da médica o cumprimento do protocolo. E me disseram que lá fora havia médicos de braços cruzados. Aquilo me deixou indignado. Eu não a ameacei de demissão. A maioria do que foi publicado sobre o assunto não é verdade. Graças a Deus que eu tenho testemunhas. Naquele episódio de maio de 2013, quando fui xingado por um cidadão (o músico Botika Botkay), na frente da minha mulher e de amigos, eu não consegui resistir às ofensas e reagi como cidadão, pois fui atacado como cidadão, não como prefeito”.


 
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