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'Não tenho trauma', diz brasileiro salvo pelo pai de ataque de jacaré em 1996

G1

Há quase 20 anos, o engenheiro Alexandre de Almeida Teixeira, à época uma criança de 7 anos, viveu momentos de terror capazes de deixar cicatrizes não só no corpo, como também na mente. Durante uma viagem de férias para a Flórida, nos Estados Unidos, o menino paulistano foi atacado por um jacaré enquanto passeava com a família, de bicicleta, pelo Parque Nacional de Everglades. O caso é similar ao ocorrido na terça-feira (14), em Orlando, também no estado da Flórida, em queum menino de dois anos foi morto por um jacaré que o atacou e arrastou para dentro do lago de um dos resorts da Disney.

“Hoje em dia, é difícil separar o que é realidade e o que é repetição do que contei ao longo desses anos”, diz Alexandre, atualmente com 27 anos, em entrevista ao G1. Graças a um desmaio no momento do ataque, ele escapou das marcas psicológicas do ataque, mas ficou com três cicatrizes pequenas no corpo: duas no ombro e uma na axila, todas do lado esquerdo. “Não me deixou receio algum [o acidente], muito menos de água. Já até viajei à Amazônia, vi jacarés, e não senti nenhum trauma”, explica.

O ataque foi no dia 14 de julho de 1996, um domingo. Seus pais agiram com rapidez e bravura, lutando com o réptil e evitando o pior. “Eu seguia com minha bicicleta na frente, com minha filha Clodine, de 12 anos, ao lado. Minha esposa Maria Odete vinha logo atrás, com meu filho caçula, Otávio, de 3 anos, na cadeirinha. Alexandre nos seguia ao fundo”, relembra o pai de Alexandre, Hélio Teixeira, de 66 anos, professor de administração da Universidade de São Paulo(USP).

“Eu pedi à Clodine que voltasse para ver o Alê. Foi aí que ela percebeu que ele tinha perdido a direção e caído no canal”, conta. “O canal não era fundo, era numa boa, não era frio”, relata Teixeira. “Mas quando o Alê estava saindo dele, ele foi capturado por um jacaré. O jacaré voou nele”, exclama.

Ao ver a cena, Clodine gritou duas vezes para alertar os pais. O primeiro grito foi ouvido por sua mãe; o segundo, pelo pai. Instantes depois, o casal estava na água, lutando contra o animal para libertar seu filho.

“Quando o vimos, o Alê estava dentro da boca do jacaré como um osso na boca de um cachorro”, explica Teixeira. “A reação foi muito instintiva, rápida, de proteção ao filho. Não houve um fio de medo”, acrescenta. Questionado sobre o que pensa quando lembra do ataque ao filho, respondeu: “É como se fosse um filme do [Steven] Spielberg, como se fosse um tubarão”.

Luta contra o jacaré
Na água, Teixeira ficou atrás do animal e tentou segurar sua mandíbula, para que ele não esmagasse Alexandre com sua mordida. Ao mesmo tempo, de frente ao jacaré, Maria Odeth esperava um momento de oscilação do bicho para puxar seu filho. Depois de alguns segundos de resistência, o animal abriu a boca, e o casal conseguiu salvar a criança.

Segundo o professor, seu filho foi atacado por um jacaré-americano (ou aligátor-americano) adulto, com “uma mandíbula de cerca de 66 centímetros” e “cerca de sete metros de comprimento”. Para Teixeira, a ideia de que ele, com seus próprios braços, seria capaz de impedir a mordida do animal, “é impossível”.

“Disseram que eu, com minha força, abri a boca do jacaré. Na realidade, eu, minha mulher e meu filho ali, acabamos, de alguma maneira, perturbando o bicho. Foi uma desistência dele”, conclui Teixeira.

Depois de retirarem seu filho da água, o professor e sua  mulher aguardaram por cerca de meia hora até a chegada de um helicóptero de resgate. Segundo o Teixeira, no ponto do parque em que estavam havia apenas alguns turistas. Entretanto, ao ver seu irmão atacado, Clodine correu ao encontro de funcionários do espaço. Foi um deles que acionou o socorro.

“Eu acordei cerca de cinco minutos depois do ataque, perto da entrada mais próxima do parque. Lembro que não conseguia respirar direito, tinha muita dificuldade. Lembro do helicóptero”, relata Alexandre. “Não sentia dor, só muita dificuldade de respirar”, completa.

“O helicóptero levou eu e o Alê até um hospital infantil muito qualificado, com atendimento excelente. Permanecemos lá por uns 3 ou 4 dias, para que ele recebesse todos os cuidados necessários”, conta Teixeira. Por conta do ataque, o menino teve duas costelas quebradas e um pulmão perfurado, e sua mãe sofreu ferimentos leves na mão. O pai saiu ileso.

Repercussão
O caso ganhou destaque não só na imprensa brasileira, como também em veículos internacionais. “Houve grande repercussão na China, na Hungria, a história saiu até no The New York Times”, lista o professor. “O pessoal do clube fez até uma faixa”, relata Teixeira. Para Alexandre, no entanto, o destaque chegou logo tornou-se “um incômodo”.

“Dentro do colégio, a história teve muita repercussão. Todos os pais ficaram sabendo, então todo mundo comentava. Virei o menino do jacaré”, ele diz. “Depois de umas semanas isso perdeu força, foi deixando de ser dominante. Hoje, nenhum dos amigos de colégio me chama assim. Mas amigos de faculdade, da aula de tênis, chamam de ‘jaca’, ou ‘jacaré’”, relata.

Perguntado sobre o caso do garoto norte-americano, Teixeira lamenta o ocorrido e diz que a família da vítima “merece compaixão”.

“A gente teve muita sorte, porque a vida é algo frágil e situações extremas e acidentes acontecem. Nós tivemos muito mais sorte que a outra família. Nós estávamos juntos, o lago era mais raso”, observou o professor. Ele acredita que maiores medidas de segurança devam ser adotadas por espaços próximos ao habitat dos répteis.

“Acho que pelos dois incidentes, tem de haver um alerta para que se tome cuidado, que avise que não é uma visitação tênue, que tem de tomar cuidado com as crianças, tomar certas precauções”, afirma Teixeira. Segundo ele, entretanto, o caso da Disney é ainda mais grave, por não ter acontecido em um ambiente que propunha a interação com os animais.

“No nosso caso, era um parque de visitação, de contato. O que não deu certo é que há um pressuposto de que o jacaré não ataca. No caso da Disney era algo quase impensável, por se tratar de um resort”, comentou.
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