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Notícias / Ciência & Saúde

Chimarrão extremamente quente aumenta risco de câncer de esôfago

Daniel Isaia e Cristina Indio do Brasil - Repórteres da Agência Brasil

Bebidas quentes, acima de 65ºC, devem ser evitadas, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade divulgou esta semana um relatório com estudos que comprovaram o perigo de ingerir líquidos extremamente quentes. De acordo com as pesquisas, a temperatura elevada contribui para o surgimento de câncer de esôfago. No Rio Grande do Sul, onde a população tem o hábito de tomar chimarrão, a incidência desse tipo de doença é até 5 vezes maior do que no restante do país.

“A água quente do chimarrão queima a mucosa do esôfago, e isso facilita a entrada de substâncias cancerígenas recebidas pela alimentação”, explicou o pesquisador Ricardo Gurski, chefe de cirurgia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele alerta que o câncer de esôfago é uma doença extremamente letal e difícil de ser diagnosticada precocemente. “Quando os sintomas aparecem, o câncer já está em um estágio avançado. Por isso, é importante que as pessoas realizem ao menos uma endoscopia ao completar 40 anos de idade.”

A fisioterapeuta gaúcha Karina Trindade bebe chimarrão todos os dias, sempre na temperatura mais elevada possível. “Mate morno não me agrada, prefiro pelando a língua mesmo”, afirmou. Ela disse ter conhecimento que a água muito quente prejudica a saúde e até admite beber em uma temperatura mais baixa. Abandonar o hábito, no entanto, está fora de questão. “Eu não me vejo parando de tomar chimarrão. Minha relação com ele é de amor, mesmo. Faz muita falta. É algo que me liga muito ao meu estado.”

O costume do mate gaúcho também conquistou o professor de engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Andrei Holanda. Ele se habituou à bebida durante os 17 anos em que morou no Rio Grande do Sul, antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde vive há cinco anos. “Tomo antes do almoço, no fim da tarde, e sempre faço um mate para estudar ou trabalhar”, conta o engenheiro, que garante tomar cuidado para que a água não fique quente demais.

O professor Gurski concordou que não há necessidade de largar o costume. “A questão não é o fato de beber água quente, em si, mas o quanto a pessoa se expõe ao volume e à temperatura elevada da água e a periodicidade com que isso acontece”, explicou o pesquisador. Ele ressalta ainda que o relatório da OMS considera perigosas apenas temperaturas acima de 65ºC e dá uma dica simples para avaliar se o chimarrão está quente demais para o consumo: “Antes de beber, se a pessoa tentar deixar o dedo na água por até 30 segundos e não suportar o calor, é porque o líquido não está na temperatura adequada. Nesse caso, o chimarrão certamente vai queimar o esôfago”.

Outras bebidas

O estudo da OMS apontou que a temperatura elevada das bebidas é o fator que contribui para o surgimento do câncer de esôfago. Por isso, o risco não é exclusividade do chimarrão. “Qualquer bebida quente consumida a 65ºC ou acima é provavelmente cancerígena para o esôfago”, disse o pesquisador Luis Felipe Ribeiro Pinto. Ele e a professora da Uerj Adriana Farah são os únicos brasileiros, entre 23 cientistas de vários países, a participar da reunião da Agência Internacional para Pesquisa em Câncer, órgão da OMS, que avaliou o efeito de bebidas quentes como café, chá e chimarrão.

“A erva-mate fria não tem nenhum problema de ser consumida, porém, quente como chimarrão ou qualquer bebida, acima de 65ºC, ela foi classificada como provavelmente cancerígena para o câncer de esôfago”, explicou o cientista.

Segundo o pesquisador, o câncer de esôfago, em brasileiros, é o sexto mais comum entre os homens e o 12º entre as mulheres. Surgem anualmente 8 mil novos casos entre os homens e 3 mil entre as mulheres. No Rio Grande do Sul, o número de casos novos é de 2,5 vezes a 5 vezes o número de casos novos no resto do país. “A razão para isso é, provavelmente, o consumo de chimarrão em temperatura de 65ºC ou mais.”

Luis Felipe Ribeiro Pinto destacou que o estudo trouxe uma boa notícia para quem gosta de consumir café. “O café havia sido classificado como possivelmente cancerígeno, principalmente, com a associação com o câncer de bexiga. A boa novidade é que esta classificação caiu e agora [o café] é um composto 3. Na verdade, foi comprovado que ele não causa câncer em cinco órgãos, mama, próstata, pâncreas, fígado e endométrio, sendo que para endométrio e o fígado ele é fator protetor.”

O pesquisador, que também é vice-presidente do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), afirmou que o câncer de mama é o mais comum entre mulheres e o de próstata, frequente entre os homens no Brasil. “Isso não é devido ao café. O brasileiro pode consumir o seu café tranquilamente e sem nenhum problema. Para um dos países que mais consomem café, é economicamente um fator muito importante. É um grande resultado essa avaliação da Agência Internacional para pesquisa em Câncer.”

Os estudos comprovaram, ainda, que o café feito em máquina também não provoca efeitos cancerígenos, porque que o produto atinge temperatura em torno de 50ºC e 55ºC. “Então não é o café que representa o risco normalmente. O que representa risco é aquele que está muito quente, em volume muito alto”, completou o cientista.
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