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Galã e progressista, premiê do Canadá repete fenômeno Mujica e 'bomba' imagem do país

g1

Ele tem quatro milhões de seguidores nas redes sociais. Diariamente, seu público é abastecido com fotos e vídeos com alto potencial de curtidas como o batismo de filhotes de urso panda, uma pose de ioga em estilo Matrix e o hasteamento de uma bandeira arco-íris, símbolo do movimento gay, em frente ao Parlamento canadense.

E, nesta semana, a Marvel anunciou que ele irá virar personagem de uma HQ - vestido de boxeador e dando conselhos para outros super-heróis.

Com apenas seis meses de governo, o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, de 44 anos, é hoje o mais novo queridinho da política mundial. Sua agenda progressista, aliada a uma imagem meticulosamente pensada para soar moderna e informal, projeta uma visão arrojada do Canadá para o mundo.

Não é a primeira vez que ter um líder carismático ajuda a imagem internacional de um país. O ex-presidente uruguaio José "Pepe" Mujica (2010-2015) projetou o Uruguai para o mundo, e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) também tiveram seu papel na melhoria da imagem internacional do Brasil.

"Trudeau é jovem, bonito e capaz de gerar um sentimento de otimismo numa época de incertezas e ansiedade, em que as pessoas estão inclinadas ao pessimismo", diz Stephen Toope, diretor do curso de relações internacionais da Universidade de Toronto.

"É evidente que a imagem do país e de seu presidente estão entrelaçadas. Dessa forma, o Canadá transformou-se num fenômeno de popularidade por se contrapor ao discurso do medo, que domina o debate mundial desde os atentados de 11 de setembro de 2001", diz.

Entre os assuntos agora relacionados ao país estão o feminismo, após a criação de um gabinete ministerial composto por igual número de homens e mulheres, e a proteção a refugiados de guerra, uma vez que Trudeau abriu as portas para 25 mil sírios.

"A imagem projetada por ele foi muito positiva até agora. Mas a chave para o sucesso de Trudeau, e de qualquer outro governante, continua a ser a capacidade de administrar a economia. Ou seja, usar o seu carisma para colocar em prática ideias que vão além da geração de empregos no curto prazo, garantindo prosperidade nas décadas seguintes", diz Toope.

Novo Mujica?

O fenômeno midiático vivido pelo Canadá atualmente já foi experimentado por outros países. O pequeno Uruguai também viveu dias de glória graças a um líder de apelo popular. Entre 2010 e 2015, período em que foi presidido pelo ex-guerrilheiro socialista José Mujica, o país ganhou visibilidade.

Isso aconteceu graças à postura austera de Mujica, que ganhou a alcunha de "o presidente mais pobre do mundo". Tanto que, em 2013, o Uruguai acabou eleito o país do ano pela revista inglesa The Economist. Intelectuais, celebridades e jovens europeus e americanos se encantaram com o jeito de ser de Mujica, que andava num velho Fusca e doava 90% do salário de presidente.

Mujica também tomou medidas progressistas. A de maior impacto foi a regulamentação da produção, venda e consumo da maconha, algo inédito num continente acostumado à violência da guerra às drogas. Como consequência, o país passou a figurar na mídia internacional e em debates acadêmicos.

O efeito Mujica traduziu-se ainda em recordes de turismo. A pequena Montevidéu, antes à sombra de Buenos Aires, hoje é vista como uma espécie de Amsterdã graças à sua imagem de tolerância. E, com apenas 3,6 milhões de habitantes, o país recebeu em 2015 um fluxo de turistas quase tão numeroso quanto a sua população. Segundo dados da Organização Mundial de Turismo (OMT), a taxa de 808 visitantes para cada 1000 habitantes é inédita na América Latina.

"O impacto de um presidente popular sobre a imagem de um país é muito similar ao que aconteceu com a Igreja Católica. Com sua personalidade ligada às camadas populares e um discurso unificador, a ascensão do Papa Francisco revitalizou a imagem do catolicismo. Sua capacidade de conquistar público é enorme, assim como a de chamar atenção para as principais questões globais", diz Michael Mulvey, especialista em marketing do consumo e professor de publicidade da Universidade de Ottawa.

FHC e Lula
Nos últimos 20 anos, o Brasil também foi alçado ao estrelato graças à presença de governantes marcantes. Reconhecido pela atuação como sociólogo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) atraiu uma inédita onda de atenção mundial para o país, após décadas de atraso político e caos econômico.

"Com suas falas bem preparadas e ações, ele solidificou uma imagem de seriedade e boa administração para o público externo com interesses econômicos, acadêmicos e culturais pelo Brasil", diz Paulo Wrobel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

"Especialmente em sistemas presidencialistas, um país ganha status internacional se ele tem uma liderança minimamente competente", diz Wrobel.

A boa fase prosseguiu durante o governo de Lula, que fugia da imagem de político sisudo e distante do público. "Ele transmitia confiança no país com seu discurso de ascensão social e redução das desigualdades", diz Wrobel à BBC Brasil. "E também um lado anedótico, pitoresco, que foi capitalizado de forma inteligente pelo próprio Lula", afirma.

A projeção internacional, no entanto, foi drasticamente reduzida com a eleição da presidente Dilma Rousseff. "O que foi conquistado nas últimas duas décadas evaporou-se. Dilma não tem o conteúdo de Fernando Henrique e tampouco o magnetismo de Lula", diz Wrobel.

Wrobel não vê saída rápida para a atual atrofia na imagem do Brasil. "Fernando Henrique demorou anos de mandato para conseguir projeção internacional. Lula também. Michel Temer, se continuar, vai governar somente mais dois anos. Não é o suficiente", diz.
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