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Terremoto na Itália mata cerca de 250 pessoas e destrói cidades fundadas na Idade Média

Camila Brandalise, Isto É

A matrice é um vilarejo de 2,6 mil habitantes da região do Lácio, no centro da Itália, cuja fundação data do século XI. A 150 quilômetros de Roma, é abarrotada de igrejas: são mais de 100 construções religiosas em seus 174 quilômetros quadrados. As residências têm fachadas de cores terrosas e, das ruas de paralelepípedo, é possível ver os montes Apeninos por entre os prédios. A cidade é também o berço do macarrão à matriciana, que leva queijo pecorino e um tipo de bacon conhecido como guanciale, ambos de produção local. Atrai turistas especialmente nesta época do ano, final de agosto, quando celebra o prato que leva seu nome em um festival. Tantos atributos a colocaram no topo da lista das vilas mais charmosas da Itália. Mas, na quarta-feira 24, o sol do mediterrâneo banhava um lugarejo cinza e triste. “Metade de Amatrice já não existe”, disse o prefeito Sergio Pirozzi. Naquela madrugada, um terremoto de 6,2 pontos de magnitude destruiu o município e pelo menos outras três cidades de regiões centrais do País. Mais de 250 pessoas morreram, 365 ficaram feridas, 150 estão desaparecidas e cerca de 2 mil estão desalojadas. Além da devastação na vida de milhares de italianos, os danos materiais são inestimáveis pelo valor cultural, arquitetônico e histórico que todas as construções que vieram abaixo carregavam. O desafio, agora, é evitar que futuros abalos causem mais perdas. Isso é possível?

Modernização

Segundo o italiano Gilberto Saccorotti, diretor do Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia, a resposta é sim, mas ainda falta investimento para promover o chamado “retrofitting”, a modernização de prédios antigos que não seguem as regras da engenharia anti-sísmica. “Há muitas construções nas quais não é possível simplesmente fazer uma reforma porque se tratam de heranças históricas”, afirma. “Nesses casos, é preciso seguir técnicas específicas, e isso custa caro.” Saccorotti explica que mais de 80% dos edifícios italianos foram erguidos antes de 1982, quando foi estabelecido um código de construção que incluía normas para evitar desabamentos em caso de tremores de terra. Pela dificuldade em aplicar uma reforma generalizada, o governo prioriza a reformulação de pontos-chave, prédios históricos específicos, escolas e hospitais, por exemplo. “Essa tragédia é triste para nós, italianos, mas culturalmente é uma perda para toda a humanidade”, afirma. Segundo Saccorotti, há vários prédios considerados patrimônios mundiais pela Unesco em áreas com grande risco de abalos que podem vir abaixo. Mas ainda não se sabe se algum desses pontos foi destruído no terremoto de quarta-feira.

A região central da Itália registra outras grandes perdas causadas por desastres naturais. Próxima aos montes Apeninos, área de tensão geológica suscetível a tremores, está localizada sobre duas placas tectônicas que se movimentam uma sobre a outra e liberam energia a partir da tensão gerada nessa interação, resultando em tremores, que podem ser leves ou intensos. O mais recente foi em 2009, em Áquila. Monumentos e edifícios históricos foram arruinados no terremoto de 6,3 pontos de magnitude, e 300 pessoas morreram. Técnico em sismologia da Universidade de São Paulo (USP), José Roberto Barbosa explica que os abalos nessa área costumam acontecer muito próximos da superfície e que, por isso, ela pode ser considerada um “caldeirão borbulhante”. “É uma região sismicamente ativa e com prédios muito antigos”, diz. “Vai haver mais terremotos e, se nada for feito, novas tragédias. É preciso diminuir o número de vítimas e de perdas de obras importantes.”

Normas de construção

Segundo Frederico Ferreira Pedroso, especialista em Gestão de Riscos e Desastres do Banco Mundial, existe uma engenharia anti-sísmica capaz de evitar grandes desastres. No Japão, por exemplo, um abalo de 6,2 pontos, como o ocorrido na Itália central, provavelmente não derrubaria nenhum prédio. “Os japoneses têm um histórico de exposição a desastres naturais muito longo. As normas de construção são bem definidas e a população as segue à risca, pois todos sabem quais são os perigos a que estão expostos”, afirma Pedroso. Os prédios são erguidos sobre uma fundação de borracha, com amortecimento para absorver a energia vinda da tensão da terra. Por isso é tão comum ver prédios “dançando” durante terremotos em cidades japonesas. Mas, para construções antigas, o desafio é outro. “Seria preciso levantar a casa, suspendê-la, e colocar um isolador sísmico embaixo. E isso não é factível”, diz o especialista. “O que pode ser feito, já que são estruturas menores, é criar algum tipo de amarração, colocar uma barra de ferro. Mas é como colocar uma proteção em um carro de 1970 que bate contra um muro: ajuda, mas não tanto quanto um air bag.”

COMO IMPEDIR ESTA DEVASTAÇÃO

A cidade de Amatrice (acima), assim como todas as localidades italianas, não está preparada para terremotos. É um desafio para a engenharia anti-sísmica proteger construções seculares dos abalos. Mas já há tecnologia disponível, como o “retrofitting”, a modernização de prédios antigos, e a “amarração” dos edifícios de poucos andares com barras de ferro

Ainda não se sabe quantos monumentos foram destruídos.
Mas só em Amatrice, o epicentro da tragédia, havia 100 igrejas

As lições de Japão e Estados Unidos Como países com grande incidência de terremotos usam a tecnologia para se prevenir contra catástrofes

Japão
• Desde o terremoto de Kobe, em 1995, o país é líder em construções anti-sísmicas

• Os prédios recebem amortecedores para torná-los flexíveis em caso de abalo

• Edifícios de até três andares têm paredes reforçadas e fundações com espessura específica

• Construções de altura média têm amortecedores de borracha ou mola. Também podem ser eletrônicos, controlados à distância

Estados Unidos
• São empregados princípios de amortecimento similares aos japoneses desde 1989, quando um terremoto atingiu a baía de São Francisco

• Não só novos prédios seguem as normas mais modernas de construção anti-sísmica como prédios históricos foram adaptados para suportar tremores de alta magnitude

• O país conta também com o sistema de monitoramento avançado. Inclusive já alerta sobre a possibilidade de um terremoto de grandes proporções, chamado de “the big one”, ocorrer na costa do oceano Pacífico

A Itália tem uma série de desafios pela frente. Não só o terremoto de 6,2 pontos abalou diversas cidades como outros temores menores têm surgido após o primeiro, maior. São as chamadas réplicas. Em Amatrice, uma delas foi sentida na quinta-feira 25, na magnitude de 4,3 pontos, e mais estruturas desabaram. O foco do governo, com razão, é ajudar desabrigados e encontrar desaparecidos, que ainda podem estar sob os escombros. Mas a lição, como aconteceu em outros países, é estudar o fenômeno recente para conter possíveis tragédias daqui a alguns anos. “Os italianos têm bom conhecimento sobre abalos e respondem rapidamente”, afirma Pedroso, do Banco Mundial. “A questão de monitoramento sistemático é bem evoluída no mundo. Mas todo grande desastre deve levar a engenharia, a política e a legislação a evoluírem.”
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