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“Não conseguem entender que a diferença é parte da vida em sociedade”, diz sociólogo sobre onda de conservadorismo

Da Redação - Vinicius Mendes

Os constantes escândalos políticos no cenário nacional e local têm provocado o retorno de uma onda conservadora, por parte de setores da sociedade. O professor doutor em Sociologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Naldson Ramos, afirma que isto é comum em épocas de crise, e já aconteceu em outros momentos no país.

O sociólogo conversou com o Olhar Direto e fez uma análise do atual cenário político e social. Ele avalia que a onda conservadora cresce como resposta a várias questões da atualidade, provocando reações inclusive no campo das artes (com a censura de exposições) e da sexualidade. Ramos, no entanto, não acredita que é o moralismo que fará com que a situação do país melhore. O sociólogo também conversou sobre o comportamento na intertet, intervenção militar e soluções para sair da crise.

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“Normalmente junto com a crise econômica, política, vem a crise moral. A idéia de que é através da moralidade que nós vamos resgatar este progresso que está em crise. E não é bem assim. Embora elas estejam associadas, a gente sabe que não se resolvem as crises pelo lado da moral, o que vai resolver são as reformas, as políticas públicas. Não é pela via moral que vamos fazer a sociedade avançar, pelo contrário, o viés do moralismo não é só conservador, mas é muitas vezes fascista, no sentido de que, todo aquele que é diferente de mim merece ser marginalizado, e se possível, encarcerado ou exterminado”

Para o sociólogo, estamos vivendo um retrocesso. Segundo ele, estas idéias conservadoras remetem às décadas de 50 e 60.

“Nós estamos passando uma situação bastante grave. Em alguns aspectos eu diria que nós estamos involuindo. Estamos voltando a um período marcado por patrulhamento moral, o que era muito comum na época da passagem da sociedade mais tradicional, lá dos anos 50 e 60, para os 70. Havia uma onda conservadora na época, contrária àquilo que ficou conhecido como modernidade. A música, moda, tudo o que aparecia de novo, havia uma reação de parte da sociedade mais conservadora contra estes costumes. Isto também era provocado pelo medo do comunismo. Eu comparo aquele momento com este que vivemos hoje. Parece que nós estamos retornando esta discussão que achávamos estar encerrada”

Obras de arte, que tratavam de sexualidade, recentemente foram alvos de protestos e reações conservadoras. Além da Exposição Queer Museu, que foi cancelada em Porto Alegre, a obra de um artista da exposição “Amo Cuiabá” no Shopping Pantanal, foi retirada após reclamações. Ramos disse que isto fere a liberdade de expressão já conquistada e que o tema “sexualidade” já é retratado por artistas há séculos.

“Mesmo depois do final do Império, todas as nossas Constituições têm consagrado o princípio da liberdade, entre elas a de manifestação artística. Desde a idade média a questão da sexualidade é retratada pelos artistas, pelos escritores. A sexualidade é natural do ser humano. Estas manifestações que ocorreram, que visam ‘proteger a família’, é uma discussão antiga, lá dos anos 50 e 60. De que determinados valores, determinadas roupas, são uma afronta à moral, que se deve ‘proteger’ as crianças.”, disse Naldson.

Algumas das obras foram classificadas por algumas pessoas como “esquerdistas” ou “marxistas”. Para o sociólogo, é necessário que haja um entendimento sobre como funciona uma sociedade democrática, e principalmente, mais respeito das pessoas para com o que é diferente.

“E o que é arte? O que é cultura? Se você for em um dicionário mesmo, vai dizer que é a manifestação, a exteriorização daquilo que eu sinto, isto é arte, agora se isso não te agrada, paciência, respeito, não compre a obra do artista. As pessoas têm o direito de se expor, ou expor estas obras, dentro de espaços públicos, vai quem quer e vê quem quer. Eu nunca vi nenhum estudo científico desta área comportamental, que diga que uma criança que vê o nu, que aquilo vai influenciar a sexualidade dela. Acho que classificar as obras como “marxistas”, “esquerdistas”, é só mais uma tentativa de desqualificar o debate, desqualificar a cultura do outro, a identidade do outro. E se fosse “marxista”, qual é o problema? Nós vivemos em uma sociedade democrática, então todos tem o direito de se expressar”

Esta falta de respeito é manifestada muitas vezes através da internet. Ramos disse que o distanciamento e o anonimato proporcionados pela internet, incentivam as pessoas a fazerem ofensas ou entrarem em discussões, sem o objetivo de realizar um debate construtivo.

“A internet e as redes sociais encorajam as pessoas a se expressarem de forma muitas vezes equivocada, a criar paradigmas e valores que não faz avançar a discussão, que a raiz do problema debatido não será resolvido. Ás vezes a pessoa fala porque em seu grupo de amigos, muitos pensam igual a ela, e ela sente este respaldo. Não conseguem perceber que determinados problemas que afetam a sociedade brasileira, são muito mais de cunho político do que de cunho moral. Não conseguem entender que a diferença é parte da vida em sociedade. Diferença de identidade de gênero, sexualidade, etnia, religião, valores políticos. E não é estigmatizando o outro pela sua diferença que vamos conseguir a nossa paz, pelo contrário, nós precisamos entender o diferente a partir dos referenciais que ele tem, e a partir daí respeitar a diferença”.

Outro caso que foi comemorado pela parcela conservadora da população foi a decisão da Justiça do Distrito Federal, que autorizou o tratamento para a homossexualidade. O assunto gerou muita discussão em todos os meios. Ramos acredita que assuntos deste tipo não devem ser tratados na Justiça, mas são de encargo da medicina e da psicologia.

“É parte da natureza humana a expressão da sua sexualidade. O Judiciário tem um papel que eu considero importante, mas é bem demarcado. A condição humana, a psique humana, é de responsabilidade da medicina, da psicologia e da antropologia. O Judiciário não tem como dizer como alguém deve ser tratado pelo que sente. Apenas em caso de transtornos, quando a pessoa representa um perigo a si ou ao próximo, é necessária esta intervenção, mas este não é o caso da sexualidade. Que perigo ela representa para a sociedade, para precisar ser tratada? A ciência tem feito avanços para diminuir o sofrimento de pessoas transgêneros, por exemplo. Ela proporciona isso, e não fazer a cura daquilo que não é doença”.

Para solucionar os problemas da crise econômica e política, parte da população acredita que seria necessária uma intervenção militar. Ramos afirma que este sentimento vem da busca por soluções simples, ou “mágicas”, para problemas complexos.

“As crises que estamos enfrentando nestes últimos anos, ela acaba engendrando soluções mágicas. Quando um problema é muito complexo, há uma tendência da massa da sociedade, isto incluindo a elite, de achar que a saída está na força. Agora nós estamos tendo este saudosismo de achar que um regime de força, autoritário, vai colocar as coisas no eixo. As experiências históricas, para as crises do capitalismo, demonstram que não é assim. Como foi na crise de 29, que a saída não foi pela força, foi pelo rearranjo das políticas públicas, rearranjo da produção. As soluções para as crises não são mágicas. São feitas com decisões políticas, debatidas e buscando um consenso entre os interessados. Então eu não acredito que a solução vai ser pela força, com o retorno dos militares”.

O sociólogo afirmou que não existe uma solução fácil para sair da crise em que nos encontramos. Ele acredita que será necessário um esforço de todos para que reformas sejam feitas, e principalmente, para que haja uma mudança no pensamento político brasileiro.

“Não existe uma resposta simples. Esta crise não é de hoje, ela tem um componente histórico que está na origem do nosso país. Nós reformamos a legislação brasileira, em 1988, mas não reformamos o pensamento político brasileiro. A mudança de leis não muda comportamento. Eu penso que é necessária uma reforma política muito grande, não é essa que está no Congresso, porque ela não vai dar conta de reformar o pensamento político”

Ramos vê o povo brasileiro como "pacífico", mas espera que a sociedade se mobilize, para que as mudanças possam ocorrer.

“Ás vezes eu fico me perguntando o porquê do nosso povo ser tão pacífico com esta quantidade de escândalos, parecem que não conseguem perceber que isto não pode continuar. A forma de mudar é manifestando a nossa insatisfação, nos organizando para reivindicar estas reformas, estes direitos, ir contra esta desigualdade entre um segmento da sociedade e o restante da população”
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