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Tratamento experimental na Santa Casa evita amputação de perna de vítima de acidente

Da Redação - Fabiana Mendes

O relógio marcava cinco horas da manhã, no dia 22 de setembro de 2017, quando Giovannia Flores Monteiro, 35 anos, deixava sua casa acompanhada de uma amiga, com destino a um restort no Lago do Manso, onde as duas trabalhavam. Porém, um acidente não permitiu que elas saíssem do município onde moram e acabou transformando a vida da mulher.

No bairro Cristo Rei, em Várzea Grande, a corrente do veículo travou e as ocupantes caíram. A condutora levantou rapidamente e tirou a moto de cima de Giovannia. Porém, quando retornava para tirar a amiga do meio da rua, um ônibus da empresa União Transporte passou por cima das duas pernas de Giovannia e a quebrou em vários pedaços.

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Giovannia teve a recomendação de amputação dada pelo Hospital Metropolitano, mas por conta do atendimento na Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá, atualmente fechada, a mutilação não aconteceu e hoje ela consegue caminhar com auxílio de muletas. 

Natural de Rio Branco (AC) e morando em Mato Grosso há 20 anos, Giovannia considera o tratamento oferecido na Santa Casa essencial para ter suas pernas salvas. Ela passou por um tratamento experimental, que na época, havia chegado à unidade. “Do faxineiro ao cargo mais alto, só tenho a agradecer o jeito que fui tratada lá”, afirma.
 
Depois do acidente, Giovannia foi encaminhada ao Pronto-Socorro de Várzea Grande (PSM-VG), onde fez uma cirurgia emergencial. Como não havia Unidade de Terapia Intensiva (UTI) disponível, no mesmo dia ela teve que ser transferida para o Hospital Metropolitano. A orientação era de que as pernas de Giovannia fossem amputadas. No dia seguinte do acidente, ela ficou em jejum para que passasse pela cirurgia no dia 24.
 
No entanto, o Hospital ainda não tinha autorização de um familiar para fazer o procedimento. Giovannia também precisava ser atendida por um cirurgião vascular, especialidade que não há na unidade. Com isso, retornou ao PSM-VG, onde viu a situação de suas pernas piorarem.

“No Pronto-Socorro, minha perna começou a ficar podre, não fazia curativo no horário, não tinha medicação. Fui bem atendida enquanto estava na UTI, depois que fui para enfermaria, o trem desandou. A perna foi ficando preta, ficava o mau cheiro, as enfermeiras falavam que era normal, que estava cicatrizando”, lembra.
 
Sensibilizado com a situação de Giovannia, o patrão de sua irmã conseguiu fazer a transferência dela para a Santa Casa, no dia nove de outubro, local onde ela teve seu caso revertido. Logo que chegou à unidade, ela já passou por uma bateria de exames e foi submetida a 24 horas de medicação, para que fosse feito o debridamento (remoção de tecidos desvitalizados para preparar o leito da ferida para a cobertura definitiva) nas pernas.



“Eu fiz a primeira cirurgia, que eles debridaram minha perna, ficaram só no osso. Fiz essa drebidamento primeiro, fiquei na ala particular. Lá fomos bem atendidos. Eu fiquei isolada, não podia receber visita” afirma ela, que faz agradecimentos aos médicos Manoel Romulo, Gustavo Brianezi e Lúcio Duarte.
 
Depois do procedimento, Giovannia era tratada com curativos normais. Mas duas enfermeiras especializadas em feridas sugeriram que ela passasse por um tratamento, recém-chegado na Santa Casa. “Tinha acabado de chegar esse tipo de curativo na Santa Casa. Eu fui a primeira. O presidente [da época], doutor Antônio Preza foi lá no quarto, levou elas, que explicaram e perguntaram se eu aceitava ser a cobaia. Como eu estava naquela situação, doía muito, eu falei que aceitava”, acrescenta.

Ao todo, ela foi submetida quatro vezes ao procedimento. Giovannia diz que não pagou nada, mas cada procedimento custava aproximadamente R$ 32 mil, totalmente custeado pela unidade. Logo depois, ela começou a perceber a melhora em suas pernas.

“Comecei o enxerto, com o doutor Emanuel Romulo. Tirava de uma perna e colocava em outra. Esperava cicatrizar e fazia de novo. Eu não sentava, só ficava deitada, de sonda, usava fraldão. Não tinha como tirar das costas, nem da barriga, ele não quis. Eu fui bem atendida, tive infectologista, tive os enfermeiros”.

Dificuldades
 
Ao longo dos meses, Giovannia tentou beneficio do Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS) de Várzea Grande, mas não foi recebida pelo médico. “Eu cheguei na porta, com cadeiras de rodas, ele falou: ‘não precisa não, é  queimadura, próximo!’”.
 
Giovannia também não conseguiu receber o seguro DPVAT, para vítimas de acidentes de trânsito. Segundo ela, a União Transporte pagou 20 sessões de hiperbárica, doou dois colchões e três parcelas de R$ 1,3 mil. Ao chamar a assistente social da empresa, recebeu a informação de que a União Transporte só se responsabilizaria por Giovannia.
 
“Fiquei indignada, porque eu sou a responsável pelos meus filhos, sou pai e mãe dos meus três. Como que a empresa não podia se responsabilizar pelos meus filhos, se foi por causa de negligência de funcionários deles, que me deixou neste estado? Eu fiquei assim por causa de um erro, ele [motorista] estava em alta velocidade e no celular. Tenho laudo aqui que deu 75% de deficiência permanente. Fora isso, ainda tem três cirurgias para fazer, mas vou fazer como se a Santa Casa fechou?”, questiona.  



Os filhos de Giovannia possuem cinco, 13 e 17 anos. O menor passou a usar fraldas, ficou gago e com muito medo após o episódio. Ela pontua que seus filhos não receberam assistência psicológica da empresa de ônibus. Além disso, ela mora com a mãe, uma idosa de 65 anos, e mais dez pessoas, em uma casa com apenas dois quartos. O responsável pelo sustento dos moradores é o padrasto de Giovannia, que trabalha como pedreiro. A mãe também faz salgados para conseguir uma renda extra.
 
Ela é dependente de remédios para controle de ansiedade. Além disso, enfrenta problemas de moradia, pois comprou um terreno de uma pessoa, que já não reside na cidade. Ela ainda precisa passar por três cirurgias nas pernas, mas elas só devem acontecer após reabertura da Santa Casa, prevista para acontecer até o fim deste mês. Giovannia mora na Vila Pirineu, em Várzea Grande. Quem tiver interesse em ajudar pode entrar em contato através do seguinte telefone: 65 99280-6614.


Indícios
 
Foram cinco meses internada na Santa Casa, onde enfrentou duas greves dos funcionários, por conta do atraso nos salários. Mesmo assim, afirma que mesmo com a equipe reduzida, sua recuperação não foi afetada. “Participei de duas greves e não me mandaram embora. Reduziram os funcionários, ficou 30%, mas minha medicação era no horário, meu banho no horário, se eu evacuava eles limpavam no horário. Eu fiz o tratamento todo, cuidei da perna, não peguei infecção, monitorada 24 horas”, conta.
 
Giovannia teve alta médica da Santa Casa em março de 2018. Na época, surgiram os primeiros indícios da crise financeira. Um ano depois, a unidade fechou as portas e os pacientes foram transferidos. A Santa Casa tem mais de dois séculos de história acumulada. O hospital foi construído por conta de recursos oriundos de uma herança e foi um dos pilares fundamentais para que Cuiabá se tornasse oficialmente capital de Mato Grosso.
 
O governo fez uma requisição administrativa de bens e serviços, que é uma espécie de intervenção na unidade de saúde, conforme anunciou do governador Mauro Mendes (DEM), no dia 2 de maio. A medida é tomada nos casos em que há ameaça ou solução de continuidade dos serviços de saúde. Como é uma entidade privada, a empresa receberá uma indenização por parte do Executivo. O uso do bem privado por parte do Estado será indenizado, conforme os termos previstos pela Constituição Federal.
 
Depois de oito meses com salários atrasados, os pagamentos começaram a ser pagos no último dia 12, depois de um acordo firmado entre o Governo do Estado com os sindicatos, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT). O passivo corresponde a R$ 10.852.378,76, divididos em seis parcelas. Do valor total, R$ 3,5 milhões correspondem ao montante remanejado pela Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT).
 
“Ela é muito importante para a população mato-grossense. Lamentável esse fechamento dela. Porque mais que ela vá abrir pelo Governo, não é a mesma coisa. Tem uma burocracia, fila de espera. A pessoa morre esperando um transplante. Já ela sendo como era, é mais rápido, fácil da pessoa chegar e ser atendida. A Santa Casa é muito boa”, afirma a paciente, que foi submetida a 14 cirurgias na unidade, de um total de 17.
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