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Primeiro voo internacional em Cuiabá teve viagem sem autorização e caixas de peixe em ‘troca de favores’; saiba mais

Da Redação - Wesley Santiago

Perto de ter um voo internacional regular, o Aeroporto Marechal Rondon, localizado em Várzea Grande (região metropolitana de Cuiabá), já teve viagens para a mesma Santa Cruz de La Sierra (Bolívia), que está perto de receber aeronaves da Azul Linhas Aéreas. O empresário e diretor do Sindicato das Empresas de Turismo no Estado de Mato Grosso (Sindetur/MT), Oiran Gutierrez, relembrou as dificuldades para realizar as primeiras viagens para fora do país, saindo da capital mato-grossense.

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Segundo Oiran, o superintendente do aeroporto à época, Etelvino Taques, foi uma das pessoas de suma importância para que os primeiros voos com destino a outros países saíssem de Cuiabá. Para realizar as viagens fretadas, o empresário precisava buscar autorização de sete ministérios.
 
“Não foi uma ou duas vezes que eu saí daqui com caixas de isopor cheio de peixe para levar aos coronéis do antigo DAC (Departamento de Aviação Civil), para permitir os voos. Alguém que nos ajudou muito foi o senador Márcio Lacerda, que chegou a ser vice-governador. Nos anos 90, baixou-se uma portaria internacionalizando o aeroporto de Cuiabá. Ficou mais fácil. Avisávamos com alguma antecedência e todos nos atendiam”, lembra Oiran.
 
O primeiro voo (fretado) feito pela sua empresa, a Tuiutur, aconteceu em 1995, com um Fokker que pertencia a TAM Linhas Aéreas (hoje Latam). A aeronave ficava quase 24 horas parada no aeroporto de Cuiabá. Sendo assim, Oiran resolveu fretar o avião e realizar voos para a Bolívia.
 
“O comandante Rolim, que era dono da TAM, era bastante acessível. O Jurandir Dornelas era representante da companhia e os dois nos ajudavam muito. Com a Tuiutur, fizemos esse primeiro voo para Santa Cruz de La Sierra. O dólar era R$ 0,88 centavos. Dizia que a cidade era a nossa Miami latina. Muita gente ia para lá fazer compras”, comentou o empresário.
 
Oiran ainda lembra, entre sorrisos, as dificuldades para que se chegasse a Santa Cruz de La Sierra. “Veio autorização para fazermos o voo. Mas a rota aérea nos obrigava a ir para Corumbá (MS) e só depois para fora do país. Era um triangulo, ficava caro o voo. Combinamos com o comandante Rolim, falamos com o piloto para a gente peitar direto, sem autorização, seria somente 50 minutos”.
 
“Como não nasci ontem, convidei o governador em exercício, que era o Márcio Lacerda, cidadão boliviano, era da região de fronteira. Tínhamos uma ligação muito grande. Tacamos o voo direto. Chegamos em Santa Cruz e não queriam deixar a gente descer. A aeronave estava com combustível só para chegar lá, já que era mais barato abastecer na Bolívia”, acrescentou o empresário.
 
Após uma negociação, foi permitido que a aeronave descesse no aeroporto. “Estava cheio de gente com metralhadora. O governador conseguiu descer, falou que era autoridade, falaram com o Cônsul e depois de umas mexidas políticas, nos deixaram desembarcar. Lembro que neste voo as crianças foram sentadas no lugar das comissárias e elas foram na cabine com o piloto. Hoje podemos falar isso, eram outros tempos”.
 
“Levei uma bronca do DAC, mas mandei mais peixe para eles e ficou tudo certo. Depois fizemos voos charters com a AeroSur, fazíamos um voo por mês. Os hotéis são maravilhosos em Santa Cruz, com tarifas baratas. Saíamos sábado e voltávamos domingo depois do almoço. Fizemos depois voos com três noites, para conhecer La Paz, Cocha Bamba, Lago Titicaca, entre vários outros. Como o real era forte, fomos muito felizes”, lembra Oiran.
 
O empresário então começou a realizar até dois voos fretados por semana, já que havia muitos estudantes na Bolívia e as aeronaves ficavam com até 80% de ocupação. Uma empresa boliviana chegou a fazer o voo entre Cuiabá e Santa Cruz de La Sierra de forma regular, que durou apenas um ano.
 
“Era duas vezes por semana, mas só durou um ano. Levaram prejuízo porque foram infelizes. Era para operarem com aviões de 40 lugares, mas colocaram um Boeing de 120 lugares. O fluxo era 40, 60 pessoas. Não tinha como dar certo assim”, explicou Oiran.
 
O empresário também fretou voos para Assunção e Pedro Juan Caballero (Paraguai) à época. “Depois disto, Dante estava em campanha, ficou três meses sem voo regular. Baixou-se uma portaria e disseram que o aeroporto não tinha condição de fazer desembaraço de bagagem. Isso perdurou até agora, com exceção da Copa do Mundo, que houve autorização especial”.
 
“Mato Grosso perdeu quase duas décadas. Hoje, este hub que querem criar já poderia ser uma realidade. Uma pena que o ex-governador Silval [Barbosa] e Pedro Nadaf não tenham lutado por esta internacionalização. Os donos da AmasZonas tomaram um prejuízo violento, porque a autorização, que o Silval prometeu que continuaria vigente depois da Copa, não saiu. Era uma obra de R$ 300 mil que precisava fazer no terminal. O voo chegou a ir para Campo Grande, mas retiraram também”, explicou o empresário.
 
“Meu amigo Coutinho, fundador do Olhar Direto, foi comigo conhecer a Bolívia. Foram várias pessoas, Pescuma, Carlos Avalone, Leopoldo Nigro, entre vários outros. O próprio Pedro Nadaf me chamava de louco, falando que eu enxergava o futuro. Quando o novo proprietário da Centro-Oeste Airport [nova concessionária] deu entrevista para vocês, disse o que eu já tinha falado há quase três décadas. Nós tínhamos esta visão”, acrescentou Oiran.
 
O empresário ainda destacou o trabalho do senador Wellington Fagundes (PL), que, com arrojo político, conseguiu mexer os pauzinhos em Brasília (DF) para maior agilidade na internacionalização do aeroporto de Cuiabá.

Mudança em manual

A Comissão Nacional de Autoridades Aeroportuárias (Conaero) publicou, no Diário Oficial da União (DOU), que circula nesta terça-feira (03), as mudanças em seu manual, que versa sobre as dimensões mínimas necessárias nos terminais de passageiros que desembarcam de outros países. A exigência foi reduzida para apenas 39 m², o que possibilitaria a internacionalização do Aeroporto Marechal Rondon, localizado em Várzea Grande (região metropolitana de Cuiabá), que possui atualmente 52 m².

A expectativa agora é que a Receita Federal emita a autorização para a internacionalização do aeroporto de Cuiabá e que a Azul Linhas Aéreas marque a data de início da operação do voo entre Cuiabá e Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia. Todos as autorizações necessárias já foram obtidas para que a ligação tenha início.
 
Recentemente, a assessoria de imprensa da Azul Linhas Aéreas disse que a “companhia continua na dependência dos ajustes do aeroporto de Cuiabá para obtermos a aprovação final".
 
As viagens serão operadas pelas aeronaves modelo Embraer 195, com capacidade para até 118 passageiros e acontecerão, no primeiro momento, às quintas e domingos.
 
Santa Cruz de La Sierra é maior e mais populosa cidade da Bolívia, com 1,7 milhão de habitantes, além de ser a mais importante do Departamento de Santa Cruz. Motor econômico do país, Santa Cruz de La Sierra é um polo petroquímico, com foco na produção e exportação de gás natural. A cidade também é conhecida por sua tradição gastronômica.
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