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Em entrevista ao Estadão, Mauro dispara: “Virou um campeonato nacional de quem toma medida mais dura”

Da Redação - Isabela Mercuri

O governador Mauro Mendes deu uma entrevista à jornalista Jussara Soares, do jornal nacional Estadão, que foi publicada neste domingo (29). Na conversa, ele afirma que a única mudança de seus decretos foi a abertura dos shoppings, que, segundo ele, não tem diferença dos supermercados, faz críticas ao presidente Bolsonaro e afirma que no Brasil criou-se uma ‘histeria’, e “Virou um campeonato nacional de quem toma medida mais dura e a população gostou disso”.

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O chefe do executivo defendeu o isolamento vertical, em que somente idosos e pessoas com doenças de base ficariam em casa, e afirmou que ainda não há motivos para ‘parar tudo’ e sacrificar a economia em Mato Grosso.
 
Leia a íntegra:

BRASÍLIA - O governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM), disse em entrevista ao Estado que não flexibilizou as medidas de isolamento social como medida de prevenção ao novo coronavírus por recomendação do presidente Jair Bolsonaro, com quem nega estar alinhado.  O político afirmar tomar decisões técnicas ao defender que as restrições aumentem para toda a população gradativamente de acordo com o surgimento dos casos da covid-19. 

Mendes criticou o enfrentamento de Bolsonaro com governadores que optaram por manter a quarentena.  Segundo ele,  a "crise de saúde, uma crise econômica e uma crise política" ocorrendo ao mesmo tempo tem potencial explosivo no país. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Por que o senhor flexibilizou as regras para a quarentena no Mato Grosso? Houve uma mudança na estratégia de enfrentamento ao novo coronavírus?

O que nós fizemos foi apenas consolidar todos os decretos anteriores, que estavam sendo publicados desde o dia 16 para normatizar algumas ações. Neste decreto, nós sintetizamos principalmente aquilo que diz respeito à sociedade e atividades econômicas. Nós não mudamos praticamente nada. A única mudança que teve é que em um decreto nós proibíamos shopping e neste decreto abrimos. As demais restrições de convívio social, de aglomeração de pessoas e qualquer tipo de movimento social continuam valendo.

O senhor então nunca mandou parar as atividades econômicas?

Nós nunca proibimos em Mato Grosso o exercício das atividades econômicas, até porque estamos seguindo o protocolo técnico. Tem cidades que não tem caso suspeito, e o prefeito fechou a cidade. Eu não sou contra o parar tudo, mas ele tem que acontecer na hora certa, com responsabilidade e saber das graves consequências que ele traz. Para salvar vidas, ele é necessário, mas tem que ter a hora certa tem que aplicar. Se mandou parar com um, quando tiver 50 casos como vai ser? Vamos ficar 45 e 60 dias parados? As pessoas aguentam isso? O País aguenta isso? Vai faltar comida, as pessoas vão perder os empregos, vai ser um caos econômico gigantesco. O País vai quebrar de uma maneira que nunca mais se recupera.

Qual é a estratégia a ser adotada?

O que estou defendo agora é o equilíbrio. Nem muito radical como alguns estão dizendo para liberar as atividades todas, nem no “para tudo”. O “para tudo” talvez seja o recomendado a partir de um determinado momento para você bloquear uma grande transmissão e aí o sistema de saúde poder responder. Hoje, eu não tenho em Mato Grosso nenhuma pessoa internada na rede SUS. Eu tenho 11 casos, dez em casa e um em enfermaria de hospital privado e eu mando parar tudo?

O senhor pode rever essa medida mais flexível?

Claro. Isso é uma evolução. Os protocolos precisam ser seguidos para que você não estrangule a sociedade. Não se pode aplicar um remédio na hora errada. Se eu fosse médico, e você chegasse com queixa de dor de cabeça, não poderia receitar uma quimioterapia porque acho que pode ser um câncer. Calma, é devagar. As medidas restritivas precisam ir evoluindo, porque, segundo os cientistas, é impossível o vírus não contaminar a população. O que não pode é contaminar todo mundo de uma vez, precisa ser de modo mais lento. Vamos continuar trabalhando, todo mundo nas empresas precisa manter um metro e meio de distância. É possível atender um cliente no balcão ficando um pouco mais longe, pode usar uma máscara em alguns casos. Vamos redobrar o cuidados de higiene e limpeza, é possível. E vamos restringir o convívio social para causar um dano menor para a sociedade.

O senhor liberou o funcionamento do shopping, que é um ambiente de aglomeração...
Qual a diferença é entrar num supermercado, que estão cheios no Brasil inteiro, e entrar num shopping e ir determinada loja? Neste momento, nenhum shopping no Brasil que abrir vai ter mais que 30% ou 40% de movimento. Vai ter muito menos movimento que qualquer supermercado está tendo neste momento. É uma questão de coerência técnica entre as duas decisões. Vai ter muito menos gente no shopping, onde não permiti o funcionamento das praças de alimentação. Os restaurantes que quiserem funcionar terão que trabalhar com entrega.

Isso é o suficiente para população adotar o isolamento, que vem sendo adotado em várias partes do mundo como medida eficaz de evitar o contágio?

As classes C, D e E estão com mais dificuldade de entender um pouco. Andamos pelos bairros mais periféricos, as pessoas estão andando como se nada estivesse acontecendo. No Centro da cidade, está tudo parado, o comércio fechou. Como a mídia está dando uma ampla cobertura, espero que isso contribua para que as pessoas fiquem em casa. Para o grupo de risco estamos determinando o isolamento vertical, inclusivo nas empresas. Quem tem mais de 60 anos, hipertenso ou tem outras doenças, não vá trabalhar. Faça home office.

O que pode fazer o senhor endurecer essas regras?

Todas as decisões precisam ser revistas dia a dia, minuto a minuto. Nós temos que tomar providência para atender a nossa população. Estamos construindo 200 leitos em Cuiabá, estamos correndo o mundo para comprar respirador, monitor, equipamento de segurança e proteção individual para profissionais da saúde. Ganhamos quase 400 mil litros de álcool da usinas de etanol do estado, estamos distribuído. Estamos tomando providência para salvar vidas, mas não podemos arruinar a vida das pessoas. Milhões de pessoas vão ser desempregadas, vão quebrar, isso vai trazer dor e sofrimento gigantesco. Talvez irreparáveis.

O Mato Grosso está preparando para crescimento exponencial dos casos da covid-19?
É provável que ocorra no Brasil o que está acontecendo nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta, e está faltando leito, respirador, UTI. Existe uma corrida mundial. Eu mandei uma funcionária para a China tentando comprar materiais. Mas nós estamos conseguindo nos abastecer, recebemos um lote (materiais) do SUS, estamos construindo os 200 leitos destinados exclusivamente ao coronavírus e ficará pronto em 30 dias. Em todo o estado, são 110 UTIs a mais e 550 leitos. Mas uma grande emergência de saúde pode ter sim um caos aqui no Mato Grosso ou em qualquer lugar do Brasil, como está tendo em vários lugares do planeta.

O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro (MDB), manteve as restrições contrariando o seu entendimento para o estado. Já  o Ministério Público tenta suspender os efeitos do seu decreto. Como o seu reage? 

O meu grande foco é cuidar da saúde e das providências necessárias para minimizar a dor e o sofrimento das pessoas. Eu não vou fazer confronto político nem com prefeito, nem com Ministério Público, muito menos com o presidente. Vou continuar agindo tecnicamente e respeito opiniões contrárias.

Esse entendimento do senhor ocorreu após a reunião virtual com o presidente Bolsonaro na terça-feira, 23?

Não. A única mudança que teve nos meus decretos foi a palavra shopping. O resto, tudo o que estava proibido em termos de circulação – parques, igrejas, eventos, feiras – foi decretado anteriormente. Nos meus decretos anteriores, não tinha nenhuma proibição de que comércio e indústria não pudessem funcionar.

O senhor está alinhado ao presidente Bolsonaro?

Eu não estou alinhado. Eu não compartilho de forma totalmente com tudo o que o presidente disse. O que ele diz tem um certo fundamento, mas não a forma como ele propôs.  A grande virtude neste momento está no meio termo, no bom senso.

O presidente Bolsonaro criticou governadores com medidas mais restritivas para conter o avanço do novo coronavírus. O grupo de governadores está com dificuldade de diálogo com o presidente. Como o senhor vê isso?

Respeitosamente ao nosso presidente, mas não é momento de ficar dando cutucada em ninguém. Não é o momento de ficar criando problemas e o nosso grande problema é o coronavírus. O presidente tem que focar nisso, liderar o País e focar no trabalho que está sendo feito pelo ministro (da Saúde, Luiz Henrique) Mandetta. Precisa tentar unir o País que é vencer a pandemia da covid-19 e as graves consequências. Nós temos tendo hoje uma grave crise na saúde, que vai se transformar numa grave crise econômica e pode virar uma grave crise política. A combinação dos três é explosiva para o nosso País.

​O senhor acha que o presidente erra ao reagir aos governadores adotam medidas restritivas mais duras e ao minimizar a covid-19 chamando de “gripezinha”?

Não é momento de ficar minimizando, nem supervalorizando, muito menos menosprezando o que está acontecendo. Tem que tratar com a seriedade que requer o momento.  Não dá também para ficar em pânico e se enfiar em casa. Para alguns que estão com a prateleira e conta bancária cheia, seja possível.  Para a grande maioria da população, não.

​Como o senhor avalia o enfrentamento entre o presidente Bolsonaro e governadores que tem marcado as discussões sobre a pandemia do coronavírus?

Não é o momento de fazer dessas grandes dificuldades do coronavírus uma oportunidade para interesses políticos-eleitorais. Quem fizer isso está jogando contra o Brasil. Nesse momento, não quero dizer que concordo com o Bolsonaro, porque  não concordo 100% com o que ele falou, mas minha opinião que precisamos manter um certo nível de atividade econômica.

Nesta crise do coronavírus, o senhor vê o risco do presidente Bolsonaro se isolar tanto politicamente a ponto de sofrer um processo de impeachment?

Crises gigantescas podem ter consequências imprevisíveis e inimagináveis. Nós precisamos ter serenidade e reconhecer quem são os líderes nacionais no Congresso, governadores, prefeitos e ministros. E não fazer pequenas disputas com interesses políticos-eleitorais, senão podemos enterrar o país em uma crise que nunca vista antes.

​Mas, objetivamente, o senhor vê risco de impeachment?

Podemos ter surpresas inimagináveis, como podemos também, com cientistas encontrando um remédio, acalmar os ânimos e a coisa voltar.

O governo  Bolsonaro chegou a lançar uma propaganda com o slogan  “O Brasil Não Pode Parar” incentivo a volta ao trabalho. Em Milão, na Itália, houve uma campanha semelhante e, após as mortes, o governo local se desculpou. O senhor não teme que tenha que se retratar no futuro?

Eu não estou fazendo campanha para que as pessoas voltem a trabalhar. Eu nunca mandei ninguém parar. E deixei claro aquilo que está restrito de contato social e aquilo que, por enquanto,  pode funcionar. Medidas restritivas mais severas estão previstas, mas que ocorram no momento certo.  Acho que o Brasil existe uma histeria. Virou um campeonato nacional de quem toma medida mais dura e a população gostou disso.
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