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Em audiência pública, pantaneiros, quilombolas e indígenas relatam destruição causada pelo fogo

Da Redação - Max Aguiar

O desmatamento que reduz o volume de água no Pantanal, a dificuldade para combater o fogo, a destruição de roças e casas, a morte de animais e da vegetação, e as consequências depois que a chuva chegar foram debatidos na audiência pública remota sobre queimadas no Pantanal realizada pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT).

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“Todos que estão na linha de frente combatendo o fogo estão expostos a morrer, respirando a fumaça e adoecendo. Estamos vivendo uma pandemia. Mas o fogo no Pantanal não é a doença. O fogo no Pantanal é a febre. Não adianta dar antitérmico sem tratar a doença. E muitos aqui disseram com clareza qual é a doença”, disse Lúdio.

Pelo aplicativo Zoom, a audiência reuniu mais de 100 pessoas, entre pantaneiros, indígenas, quilombolas, bombeiros, técnicos, pesquisadores da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) e da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), gestores públicos e parlamentares, na quinta-feira (17). A audiência abriu a programação da comissão do Congresso Nacional que visita o Pantanal neste fim de semana.

Moradores relataram o impacto do fogo nas comunidades. “Mais de 80% da nossa área foi queimada. A gente perdeu roça, perdeu casa, perdeu nossa medicação tradicional porque queimou grande parte da mata. Temos passado os últimos dias com muita tristeza. É muita fumaça, pessoas com dificuldade pra respirar. E nossa vida está em risco, porque não temos mais segurança alimentar”, contou Alessandra Alves, indígena do povo Guató.

Leidiane Nascimento da Silva, da comunidade Pantanalzinho, de Barão de Melgaço, destacou a tristeza e impotência diante do fogo. “Vejo tudo aquilo que eu amo se acabando em chamas. O povo pantaneiro luta pelo Pantanal. É aqui que residimos, é de onde tiramos nosso sustento”, disse. Maria Helena Tavares Dias, do Território Quilombola Vão Grande, de Barra do Bugres, contou que, todos os anos, a casa de algum morador queima. “Não só os animais estão sendo mortos. As queimadas atingem nossas famílias. Nossas nascentes estão secando.”

Para a coordenadora da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, Cláudia Sala de Pinho, falta visibilidade a quem conserva o bioma. “Tivemos pessoas fazendo guarda dia e noite para o fogo não entrar nas casas. É muito triste ver o Pantanal nessa situação. Mas é mais triste ainda saber que isso é um dos meios para retirar as comunidades tradicionais do Pantanal. Depois do incêndio é que vamos saber a dimensão do que isso vai causar nos nossos territórios e nas nossas vidas. O Pantanal é nossa casa”, disse.

“Estamos na maior área úmida do mundo, falando do fogo. É uma contradição. Nós, pantaneiros e pantaneiras, sentimos muito. Eu vou na beira do rio e dá vontade de chorar. Tem gente decidindo pelo Pantanal que não sabe o que é vida, só sabe o que é negócio. Enquanto para uns é o negócio, para nós é a vida que está ameaçada”, disse Isidoro Salomão, ambientalista e membro da Sociedade Fé e Vida.

Avanço do fogo

Dados da ocupação do Pantanal apresentados pelo coordenador de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro, mostram que 25% do território do bioma é ocupado por 32 grandes fazendas. Mais de 1,3 milhão de hectares foram queimados neste ano, ou seja, 22% do bioma. “Prevenção também é fiscalização, investigação e responsabilização, seja com multa, embargos ou restrição de crédito. Não podemos dar sinal de que crime ambiental não dá em nada”, afirmou.

“Este é o período que mais queimou desde o início do monitoramento de queimadas, em 1998”, informou Fabiano Morelli, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ao exibir imagens de satélite que mostram o avanço do fogo e o rastro de destruição. Cristina Cuiabália, da reserva Sesc Pantanal, relatou o combate às chamas na unidade de conservação e os projetos de recuperação do bioma. “A paisagem tem o homem pantaneiro, a mulher pantaneira e a biodiversidade”, disse.

Causas sistêmicas dos incêndios

A pesquisadora Michele Sato, da UFMT, afirmou que o desastre no Pantanal é consequência de mudanças climáticas. “Estamos vivendo uma crise planetária sem precedentes. Projeções indicam que vai piorar.” Solange Ikeda, pesquisadora da Unemat destacou a importância de conservar o Rio Paraguai e seus afluentes e explicou a dinâmica dos chamados “rios voadores”. “A água evapora do Oceano Atlântico, chega na Amazônia e é barrada pela cordilheira dos Andes. Então a água chega aqui no Centro-Oeste e no Sudeste e deságua em forma de chuva”, disse.

“Pantanal não é só onde alaga. Tudo que acontece no planalto interfere na planície. É importante haver política integrada para planalto e planície, para não permitir plantio de soja, como é permitido em outros biomas”, disse a professora Onelia Rossetto, da UFMT. Ela apontou ainda o plantio de espécies exóticas de pasto para engordar o gado e o baixo índice de áreas protegidas como fatores que agravam os incêndios no Pantanal.

André Luiz Siqueira, da Ecologia em Ação (Ecoa), criticou a postura do governo federal de culpar as unidades de conservação e defender a troca da vegetação do Pantanal por pasto. “Gado não é bombeiro do Pantanal. O principal regulador de desmatamento e incêndios do Pantanal é o Rio Paraguai, seus afluentes e suas áreas de inundação”, afirmou.

A pesquisadora Viviane Layme, da UFMT, lembrou que, além do impacto imediato sobre a fauna, com a morte dos animais, haverá também o impacto do pós-fogo. “O que sobra para os sobreviventes? Escassez de água, aumento de temperatura, solo e água contaminados, perda de alimento e de locais para ninho. Além da vegetação e do banco de sementes perdidos com o fogo”, disse. A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais da OAB, Gláucia Amaral, propôs um plano de emergência para alimentar os animais no pós-fogo, enquanto a vegetação e os rios se recuperam.

Marcelo Latterman, da Campanha de Clima e Justiça do Greenpeace, sugeriu um decreto de emergência climática. “Mato Grosso pode ter essa posição de vanguarda no Brasil, para aumentar a pressão sobre os entes públicos”, disse.

Dificuldades dos órgãos responsáveis

A superintendente substituta Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Cibele Xavier Ribeiro, apresentou o contexto das brigadas em Mato Grosso e citou a limitação do órgão, que pode atuar somente em unidades de conservação e terras da União. Alex Marega, adjunto da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), destacou dificuldades no combate ao fogo e a reincidência dos crimes ambientais. “O Pantanal chegou nesse ponto agora por um conjunto de fatores. Áreas que deveriam estar alagadas nesse período estão completamente secas”, disse.

O coronel aposentado do Corpo de Bombeiros Paulo Barroso, que preside o Comitê do Fogo de Mato Grosso, afirmou que é necessário treinar mais brigadistas na região. “Agora estamos desesperados querendo apagar fogo e resgatar animais. Depois, quando chover, e as cinzas forem carreadas para os rios, vão matar muitos peixes e criar um desastre na economia local para quem depende disso”, observou.

A promotora de Justiça Ana Luiza Peterlini cobrou punição. “A responsabilização tem que ser exemplar. Além do desmatamento dentro do Pantanal, há também a drenagem das áreas úmidas, que altera todo o ciclo geológico do Pantanal. Ela tem sido feita nas cabeceiras, no planalto, e também na planície, para propiciar a agricultura em áreas impróprias”, afirmou.

O presidente da Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), Neurilan Fraga, afirmou que o desmatamento das nascentes para plantio de soja e algodão também está acabando com o Pantanal. O pecuarista e empresário do turismo Leopoldo Nigro cobrou uma legislação específica para o Pantanal, como existe em outros biomas.

Política antiambiental

A deputada federal Rosa Neide (PT-MT) criticou a postura negacionista do governo federal quanto às mudanças climáticas. “Temos que colocar o dedo na ferida. Se não planejarmos agora, o desastre no ano que vem será ainda maior”, alertou. O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP) cobrou investimento e atuação do governo federal, com envio das Forças Armadas para combater os incêndios. “Podemos aprimorar a legislação e cobrar responsabilidade de um governo que faz política antiambiental”, disse.

O deputado federal Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, observou que a bacia do Paraguai abastece todo o sul do país e propôs fazer ajustes na Lei do Pantanal. “A boiada está passando. Nenhum governo foi tão devastador para o meio ambiente”, disse Helica Araújo, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag).
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