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Por desconhecer CECI, crianças diagnosticadas com câncer param na UTI esperando vagas em outros hospitais

Da Redação - José Lucas Salvani

Maria das Neves, de 33 anos, é mãe de Lorrany, de dois anos e três meses, diagnosticada com neuroblastoma. A mãe não conhecia o Centro Especializado em Câncer Infanto Juvenil (CECI), anexado ao Hospital Estadual Santa Casa, e hoje torce para o tratamento ser bem sucedido. Assim como Maria, muitas pessoas sequer sabem da existência do CECI e, por este motivo, o quadro de alguns pacientes se agravam ao ponto de ser necessário uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) simplesmente por aguardar vagas em outros hospitais.

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Este não é o caso da pequena Lorrany, que iniciou o tratamento há pouco tempo. Seu diagnóstico é recente e ela foi encaminhada para o CECI graças a uma médica do Hospital Universitário Júlio Muller que conhecia uma das médicas da clínica anexada a Santa Casa. “Antes, eu só sabia que existia o Hospital do Câncer, mas não sabia a existência deste hospital”, revela.

Maranhense, Maria mora em Cuiabá há cerca de seis anos e explica que o diagnóstico de câncer na filha trouxe um momento muito difícil em sua vida. “Como está sendo? Não tem como definir. Está sendo um momento péssimo na minha vida. A gente está apegada com Deus e a doutora para fazer o que pode ser feito por ela. Estamos na luta, sofrendo com ela”, desabafa ao Olhar Direto.



Mensalmente, o CECI atende entre 20 a 25 crianças, de recém-nascidos a adolescentes de 18 anos, por mês, mas possui capacidade para 50 pacientes. Atendendo exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em alguns casos as crianças são atendidas periodicamente por cinco anos. Apesar de oferecer um amplo atendimento, com suporte multidisciplinar, a gestora Neyla Aires lamenta que muitas pessoas não conhecem o CECI e, às vezes, alguns casos acabam parando nas UTIs por esperar vaga no Hospital de Câncer, sendo que o CECI conseguiria atender antes do quadro se agravar.

“Nós temos casos de pacientes que não conhecem a clínica e não sabem que a Santa Casa tem esse serviço. Então, o que acontece? Eles ficam aguardando vagas em hospitais ou então em casa, mas a doença avança, prolifera e acaba precisando de UTI. Tenho casos aqui de pacientes que precisaram de UTI e ficaram 31 dias no Hospital Municipal de Cuiabá (HMC) porque não sabiam que aqui também tratava e estavam esperando vaga do Hospital do Câncer”, explica para a reportagem.

Neyla conta que nunca é fácil passar o diagnóstico de câncer de uma criança aos pais. Para os profissionais, se torna de certa forma rotineiro, mas sempre tomam cuidado para repassar a informação aos pais. Além de gestora da unidade, Neyla também é psicóloga e explica que os familiares também são “tratados” antes mesmo das crianças, que precisam ser informadas aos poucos, sem causar muito impacto, com uso de alguns artifícios como brinquedos para exemplificar melhor o que está acontecendo. 



O tratamento de adolescentes, porém, é muito mais complicado visto que esses pacientes tem uma real noção do diagnóstico dado. “O paciente já vem com essa dose emocional muito elevada. Na hora que entra com a medicação, tudo potencializa. As náuseas aumentam e as intercorrências também. No fim, uma internação que era para ser feita em cinco dias, às vezes leva 30”, conta. 

Não somente o suporte médico, o suporte familiar é essencial para que a criança ou adolescente consiga seguir com um bom tratamento. Há casos da família inteira raspar a cabeça junto do paciente e, em outros, os familiares se dispõem para acompanhar a criança quando os pais não podem. No dia que a reportagem visitou o CECI, Dilma Pereira, de 40 anos, estava acompanhando Maria Vitória, de cinco anos, visto que sua mãe não pôde acompanhá-la durante a consulta.

“Descobrimos com 10 meses de idade um câncer no cerebelo. Com 11 meses, ela fez a primeira cirurgia, o acompanhamento, tratamento da quimioterapia e finalizamos o tratamento no final de 2017, mas damos continuidade ao acompanhamento médico com a equipe. Agora, recente, foi diagnosticado novamente, na região do ouvido”, conta ao Olhar Direto



Além do atendimento multidisciplinar, com apoio da Liga da Alegria, o CECI oferece às segundas e quartas uma café da manhã especial para as crianças. Dilma conta que esse momento é único para Maria já que ela pode reencontrar amigos que, de certa forma, estão passando pela mesma situação.

“É um momento único quando ela encontra os coleguinhas que vivenciam a mesma situação que ela. Temos as mães que trocamos informações, convivência e como está sendo para cada um. É um momento que a Maria Vitória interage com todos, se distrai e esquece daquele momento em que ela tem que tratar. Por mais que ela não entenda corretamente o que está acontecendo, ela tem noção do que sente. É um momento único que eles abraçam as crianças e mães”, conta.

Crise da Santa Casa

Neyla relembra os meses de crise da Santa Casa em 2019, quando ainda era gerida pelo executivo municipal. Sem receber salário já que não havia repasses financeiros para a clínica, os funcionários precisaram se virar para conseguir manter o atendimento as crianças. Alguns pacientes foram remanejados para o Hospital de Câncer de Cuiabá, mas alguns precisaram ir embora para suas casas por não haver condições de oferecer um atendimento realmente pleno.



“A gente continuou bancando isso aqui sem receber. Na época, era da prefeitura e não sei porquê não houve repasses para a clínica e ficou assim. Nunca paramos. A gente sempre foi mantendo aqui dessa forma”, conta. “A gente precisa que [o CECI] seja conhecido e venham mais crianças. Eu não vou ganhar por isso. É um contrato que eu tenho do estado. Independente do número de crianças eu vou estar aqui", finaliza.
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