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O que há nas 54 planilhas da Camargo Corrêa

Época

Carro da PF diante da sede da Camargo Corrêa em São Paulo, no dia da operação que apreendeu as planilhas, em março Em março, delegados e agentes da Polícia Federal entraram na sede da empreiteira Camargo Corrêa, em São Paulo, e nas casas de alguns de seus executivos. Batizada de Castelo de Areia, a operação era o ponto alto de uma investigação sobre crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Quatro executivos, duas secretárias e quatro doleiros foram presos. De acordo com a PF, os executivos usavam serviços de um doleiro para enviar recursos de caixa dois para o exterior. Na casa do executivo Pietro Francesco Giavina Bianchi, a PF achou outro tipo de evidência. Num pen drive, estavam arquivos eletrônicos que formavam 54 planilhas com dados como ano, obra, nomes e valores. A partir deles, abriu-se uma investigação voltada para as historicamente complicadas relações entre obras públicas, empreiteiras e campanhas eleitorais.

Na semana passada, o Ministério Público Federal em São Paulo enviou as planilhas mantidas por Bianchi ao Supremo Tribunal Federal, com um pedido de abertura de investigações sobre alguns nomes que nelas figuram. ÉPOCA teve acesso a todas as planilhas, em páginas de inquérito numeradas de 82 a 132. Suas colunas trazem datas, nomes de obras, nomes de pessoas e valores supostamente entregues a elas. As anotações dos valores são feitas sempre em dólares, com a correspondente cotação da moeda em reais na data do pagamento. Alguns nomes aparecem completos, outros são identificados por iniciais ou abreviações. Não há nenhuma evidência concreta sobre a identidade da maior parte desses nomes nem de que o dinheiro tenha sido mesmo entregue a quem aparece nas planilhas. Não se sabe nem se os valores correspondem a doações ilegais a políticos ou ao caixa dois da empreiteira.

De acordo com a Polícia Federal, porém, elas sistematizam a contabilidade paralela da Camargo Corrêa. A empreiteira teria entregue, segundo a PF, R$ 178 milhões em quatro anos a deputados federais, senadores, prefeitos, funcionários e conselheiros de tribunais de contas – encarregados de fiscalizar gastos de governos – e empresas estatais, de alguma forma relacionados a 208 obras e contratos da Camargo Corrêa entre 1995 e 1998, no Brasil e no exterior.

Alguns dos nomes da planilha chamam a atenção, por aparecer explicitamente. É o caso do senador Delcídio Amaral, citado como “Delcidio Gomes” (seu último nome é Gomez) em linhas correspondentes à obra Machadinho, uma usina hidrelétrica no Rio Grande do Sul. Somando os valores associados a ele, Delcídio teria recebido R$ 485 mil em quatro remessas feitas entre 1996 e 1997. Na época, ele era diretor da Eletrosul, estatal de transmissão de energia da Região Sul e Mato Grosso do Sul. “É estranho que meu nome esteja nessa lista, tenho total desconhecimento disso”, diz Delcídio. Outro nome mencionado em relação à mesma obra é o do ex-senador Jorge Bornhausen (DEM-SC). Ele aparece ao lado de duas remessas, em 1996, que somam R$ 206 mil. “Acho que isso é uma patifaria. As doações feitas a mim estão registradas no tribunal”, diz Bornhausen. Ele afirma que, nas datas em que aparece na planilha, era embaixador em Portugal.

Há ainda o registro de cinco parcelas de US$ 120 mil para “gov Fleu”, ou “gov Fleury”. Supostamente, poderia ser uma referência a Luiz Antônio Fleury Filho, governador de São Paulo entre 1990 e 1995. Ele nega ter recebido qualquer tipo de ajuda financeira da Camargo Corrêa. “Em 1996 eu não ocupava nenhum cargo público. Posso lhe garantir que esse dinheiro nunca chegou a mim.” Outro nome na planilha é o do presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) – um “Michel Themer” aparece ao lado de valores que somam R$ 413 mil em 21 remessas entre 1996 e 1998. “Lidar com cafajeste é uma coisa brutal. Estou indignado. É uma infâmia sem tamanho”, disse Temer na semana passada. A assessoria de Temer informa que ele recebeu uma única doação da Camargo Corrêa: R$ 50 mil em 2006, registrados na Justiça Eleitoral.

Outros deputados cujos nomes podem ser associados a linhas da planilha – como Walter Feldman, Aloysio Nunes Ferreira, Vadão Gomes ou Milton Monti – informaram à Justiça Eleitoral que não receberam doações da empreiteira. Por enquanto, a tão falada “planilha da Camargo Corrêa” traz apenas suspeitas. A relação promíscua entre governos e empreiteiras é histórica no Brasil. Por isso mesmo, todas essas suspeitas devem ser investigadas e esclarecidas.
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