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Na Romênia, filhos abandonados sofrem com a onda de imigração

NYT

Para milhões de romenos, a emigração tem sido uma salvação econômica. Porém, para o menino de 12 anos Stefan Ciurea, a ideia de sua mãe ter saído para trabalhar como empregada doméstica na Itália foi pior que a morte: ele se enforcou com um chicote de couro no ramo de uma cerejeira.


Depois de tirar a última foto de si próprio com seu celular, Stefan, um garoto quieto e pequeno, que colecionava moedas estrangeiras e fazia espadas de brinquedos com restos de metal, afixou um bilhete em seu peito.

"Sinto muito por nos separarmos de forma conturbada", dizia a nota, em referência a seus esforços dolorosos de impedir sua mãe, Alexandrina, de emigrar para Roma, parte de um êxodo de um terço da população economicamente ativa da Romênia. "Você não deve se preocupar com meu funeral, pois um homem nos deve dinheiro pelas madeiras. Minha irmã, você deve estudar bastante. Mãe, você tem de se cuidar, pois o mundo é duro. Por favor, tome conta do meu cachorrinho."

ois anos depois, Alexandrina Ciurea, mãe solteira de 38 anos, é encarregada de limpeza em Roma, e uma dos cerca de três milhões de romenos que migraram em direção à Europa Ocidental nos últimos cinco anos. Ela contou que o suicídio de Stefan lhe causou uma úlcera no estômago. Depois da morte do menino, ela esperou um ano antes de decidir deixar seus dois outros filhos, adolescentes, para trás.

Porém, no final das contas, a economia prevaleceu: ela conseguia ganhar cerca de US$ 700 por mês limpando casas na Itália, mais de três vezes seu salário como costureira na Romênia.

"A morte de Stefan é a tragédia da minha vida", disse em entrevista por telefone em Roma. "Mas eu saí de lá porque era pobre e não conseguia alimentar meus filhos. Se eu pudesse, voltaria para a Romênia amanhã."

Muitas pessoas neste pobre país dos Bálcãs, de 22 milhões de habitantes, sonhavam em fugir durante as décadas de ditadura. O êxodo de romenos pobres e camponeses começou após a queda do comunismo, em 1989, e se intensificou há dois anos, quando a Romênia entrou para a União Europeia. Espanha, Itália e alguns outros países aliviaram as regras de imigração para atrair mão de obra mais barata do Leste Europeu.

Romenos esforçados se tornaram os catadores de morangos, trabalhadores da construção civil e empregados domésticos da vez, fazendo trabalhos que os vizinhos nos países mais ricos não queriam mais.

No entanto, apesar da migração ter trazido ganhos econômicos – os imigrantes enviaram, no ano passado, cerca de US$ 10,3 bilhões para suas famílias – ela também cobrou um alto preço para os países deixados para trás.

A emigração rasgou o tecido social, dando origem a uma geração chamada por sociólogos como "os órfãos do morango". Cerca de 170 mil crianças têm um ou ambos os pais trabalhando fora do país, segundo um estudo recente realizado pela Soros Foundation.

O mesmo estudo descobriu que crianças com pais ausentes, no exterior, tinham mais probabilidade de abusar de álcool e cigarros, ter problemas com a polícia e baixo desempenho escolar. Por outro lado, algumas crianças que se culpam pela partida dos pais se tornam crianças nota dez na escola, na esperança de atraí-los de volta para casa.

Denisa Ionescu, psicóloga especializada em filhos de emigrantes, afirmou que eles têm maiores riscos de depressão, especialmente se foi a mãe quem deixou o país, enquanto algumas crianças sofrem com um sentimento de abandono.

"Na Romênia, é a mãe quem cuida dos filhos", disse Ionescu. "Então, quando a mãe vai embora, o céu cai sobre a cabeça da criança."

Das crianças abandonadas, 14 cometeram suicídio nos últimos três anos, segundo pesquisadores da Soros Foundation. Ainda não está claro qual papel a partida dos pais desempenhou nas decisões da criança de tirar suas vidas, exceto no caso de Stefan. Também não é claro se este índice é mais alto ou mais baixo em relação a todas as crianças da Romênia.

No entanto, psicólogos afirmam que os efeitos da emigração tem sido especialmente severos, pois a Romênia é um país largamente rural onde laços familiares estreitos são a base de todos os aspectos da vida. Em alguns casos, a emigração causa a implosão de famílias já antes disfuncionais.

Gheorghe Ciurea, de 16 anos e meio-irmão de Stefan, disse que o menino era quieto, amigável. Quando o adolescente soube que sua mãe iria embora e ele cuidaria do pai alcoólatra, que nunca foi casado oficialmente com a mãe de Stefan, e do irmão mais novo, ele se trancou no quarto e se recusou a sair dali por dias.

Depois do suicídio, o pai de Stefan saiu de casa. Agora, Gheorghe, cujo pai está morto, mora sozinho na casa apertada e bagunçada da família, nesta vila a cerca de 170 km de Bucareste.

Ele contou ter abandonado o ensino médio porque não podia pagar pelos estudos. O adolescente faz estranhos trabalhos de construção para se virar. A casa está congelando, então Gheorghe usa um casaco de lã o tempo todo. Para passar o tempo, joga gamão. Sua irmã, Alina, 17 anos, mora com o namorado. Ficar sozinho o forçou a aprender a cozinhar. Ele telefona para a mãe todos os dias.

"Sinto saudades da minha mãe", disse ele, no quarto de Stefan. "Em alguns momentos, ela diz que vai me mandar para a Itália, para trabalhar na construção civil, mas ainda estou aqui esperando. Estou esperando."

Do lado de fora, em uma rua suja, dezenas de novas casas brotaram, resultado do trabalho duro no exterior. Vasile Dina, vice-prefeito de Valea Danului, contou que mal consegue lidar com as demandas de novas autorizações de construções de casas. Porém, a riqueza teve um preço.

"Arrecadamos mais impostos, existem bons carros nas ruas, as pessoas mandam seus filhos para fazer faculdade em Bucareste", disse Dina. "No entanto, a triste verdade é que, se ainda estivéssemos vivendo sob o comunismo, Gheorghe estaria frequentando a escola – não ficaria em casa sozinho".

Mihaela Stefanescu, coordenadora do estudo para a Soros Foundation, disse que os bilhões de dólares em envio de dinheiro ajudaram a erradicar a extrema pobreza e deu mais poderes a mães trabalhadoras como Alexandrina Ciurea.

Todavia, ela comentou que a emigração também estava redefinindo a ideia da família tradicional romena.

Muitos filhos de emigrantes moram com os avós, alguns dos quais não conseguem lidar com as exigências da criação de crianças pequenas.

O divórcio entre emigrantes está aumentando devido a pais, às vezes, migrarem para países diferentes. Em casos extremos, os filhos são abandonados ou mandados a orfanatos, dizem defensores das crianças. Algumas jovens trabalham como prostitutas ou se envolvem com criminosos.

Uma série de documentários vencedora de vários prêmios, "Any Idea What Your Kid Is Doing Right Now?" ("Você faz ideia do que seu filho está fazendo agora?", em tradução livre), exibido na televisão nacional daqui, retratava uma família de seis filhos deixada com o pai cego depois que a mãe foi trabalhar como empregada doméstica na Alemanha. Ela encontrou outro homem e nunca mais voltou. Logo alguns dos filhos foram obrigados a deixar de frequentar a escola e encontrar um trabalho para sobreviver.

Stefanescu disse que pais emigrantes estavam mimando os filhos como forma de aliviar o sentimento de culpa.

"As pessoas estão gastando dinheiro desenfreadamente para compensar a humilhação e a culpa de ter deixado o país para sustentar a família", ela disse. "Os filhos dos emigrantes têm bicicletas novas e os modelos mais modernos de celular".

Economistas alertam que os benefícios do trabalho no exterior podem ter vida curta, especialmente se a recessão econômica global forçar os trabalhadores a voltar para casa, numa economia incapaz de absorvê-los. Algumas empresas lidaram com falta de mão de obra causada pela emigração ao importar trabalhadores da Turquia, China e Índia . Esses novos trabalhadores preenchem postos de trabalho na construção, agricultura e indústria têxtil.

Dezenas de milhares de romenos já perderam seus trabalhos na Espanha e na Itália. Um alarme está soando. Ele indica que um retorno em massa poderia esticar demais a economia romena, já vacilante.

"Os ganhos econômicos de curto prazo obtidos com a emigração não justificarão as perdas de longo prazo", disse Radu Soviani, respeitado economista. "É uma tragédia nacional."

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