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Rãs são capazes de expelir objetos alojados na cavidade ventral

Naturenews

Espinhos de plantas, insetos dotados de escamas e até mesmo transmissores de rádio não ficam por muito tempo no interior do organismo das rãs arboríferas. Pesquisadores descobriram que esses anfíbios são capazes de absorver objetos externos que estejam em suas cavidades ventrais e conduzi-los aos rins, de onde são excretados por meio da urina.

A descoberta interessará aos pesquisadores de campo, que muitas vezes implantam pequenos transmissores de rádio nos corpos das rãs a fim de rastreá-las em sua movimentação. Isso ajuda a explicar como essas pequenas criaturas sobrevivem a uma vida de saltos em florestas espinhosas e de alimentação por meio de insetos espinhosos ou cascudos devorados de uma só bocada.

"O sistema das rãs arboríferas para expelir objetos de suas cavidades ventrais me parece realmente incrível", disse o pesquisador Christopher Tracy, da Universidade Charles Darwin, em Darwin, Austrália. Em contraste, seres humanos e outros mamíferos costumam desenvolver peritonite, uma infecção potencialmente mortífera da membrana que protege a cavidade ventral, caso essa membrana, o peritônio, seja perfurada por objetos pontiagudos.

Como em um passe de mágica
Em 2003, Tracy e seus colegas deram início a um projeto para determinar de que maneira as rãs regulam sua temperatura corporal. Eles conduziram procedimentos cirúrgicos para instalar nas cavidades abdominais de espécimes de três tipos de rã arborífera (Litoria caerulea, Litoria dahlii e Cyclorana australis), encontradas na região que cerca a cidade de Darwin, transmissores de rádio sensíveis a mudanças de temperatura.

Passados alguns meses, os pesquisadores saíram em busca das rãs arboríferas que estavam monitorando, a fim de descarregar os registros dos transmissores e substituir suas baterias. Mas o que eles encontraram em campo foram três transmissores largados no chão.

"Nos estudos de telemetria envolvendo animais de pequeno porte, não é incomum descobrir que os espécimes que estavam sendo acompanhados foram devorados por alguma coisa", diz Tracy. "Mas normalmente é possível encontrar algum indício de que isso tenha acontecido - arranhões no solo, ou uma pilha de fezes do predador responsável".

No caso das rãs arboríferas portadoras de transmissores, os aparelhos estavam aparentemente intactos. E a descoberta mais estranha ainda estava por vir. Quando os estudiosos retornaram ao seu laboratórios com as rãs arboríferas recapturadas, em muitos dos casos eles encontraram os transmissores não na cavidade ventral, e sim na bexiga urinária. "Foi quando descobrimos esse fator que decidimos tentar determinar exatamente o que estava acontecendo", disse Tracy.

Melhor fora do que dentro
Em 2008, Tracy e seus colegas decidiram que era hora de estudar o fenômeno de mais perto. Eles capturaram rãs arboríferas e sapos cururu na natureza e os mantiveram no laboratório, depois de intervenções cirúrgicas nas quais instalaram contas de vidro em suas cavidades ventrais.

Passadas 23 semanas, as contas de vidro foram encontradas no piso da gaiola das rãs. Apenas um em cada cinco dos sapos cururu excretou uma conta de vidro, mas Tracy abriu os ventres de alguns dos demais sapos com um bisturi, ao final desse período, e descobriu que eles estavam envolvendo as contas de vidro com suas bexigas. Em apenas dois dias mais, a conta estava envolta em um tecido transparente e desprovido de vasos sanguíneos, que posteriormente ganhou vascularização e características de músculo.

Os pesquisadores descreveram suas descobertas em uma apresentação na reunião da Sociedade de Biologia Integrativa e Comparativa, em Seattle.

Ainda que o estudo seja o primeiro a demonstrar que um animal pode usar sua bexiga para expelir um objeto exógeno, diversos outros pesquisadores já haviam observado fenômenos semelhantes em outros vertebrados. Diversas espécies de peixes e cobras são capazes de absorver objetos da cavidade ventral para seus intestinos, de onde são expelidos por defecação, por exemplo.

Rick Shine, um especialista em ofídios na Universidade de Sydney, Austrália, que já viu cobras expelindo transmissores de rádio que haviam sido implantados em suas cavidades ventrais, diz que os resultados da pesquisa têm amplas implicações para a compreensão da fisiologia dos vertebrados. Para os répteis e anfíbios, pelo menos, transferir objetos de uma parte de suas entranhas para outra não parece representar problema.

"Faz sentido que um animal deseje expelir um objeto de sua cavidade ventral", ele afirma. "A coisa notável é que eles tenham a capacidade de fazê-lo".
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