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Notícias / Variedades

Casal havaiano encontra união por meio da série 'Lost'

The New York Times

A ação do seriado Lost transcorre na terra selvagem dos velhos seriados e livros baratos de aventura, nas selvas de ilhas inóspitas e no interior de submarinos, cavernas, de uma base subterrânea e no covil iluminado por tochas dos "Outros". Mas The Transmission, ainda que na opinião de muitos fãs seja o podcast definitivo sobre a série, acontece em locação bem menos exótica, se bem que igualmente perigosa: o quarto dos brinquedos da família Ozawa, em Honolulu.

"Basta nos mexermos para que derrubemos alguma coisa que vai apitar quando a pisarmos", disse Ryan Ozawa, pai de três crianças pequenas. The Transmission, um podcast disponível no site hawaiiup.com/lost, foi criado em 2005 por Ozawa, 35, e sua mulher Jen, 37. A cada semana, os dois recapitulam a trama da série em seu estilo veloz que reserva "menos de oito minutos" à tarefa em cada programa e isso basta para distinguir seu trabalho das discussões mais completas e frequentemente mais cansativas produzidas por muitos de seus concorrentes. Depois, os dois se acomodam e discutem o episódio de forma mais profunda, examinando as inúmeras variáveis, descartando as pistas falsas, criticando os roteristas pelas ocasionais cenas fracas, comentando as mensagens deixadas no site pelos fãs do podcast e, em geral, se divertindo imensamente.

"Nós agora passamos muito mais tempo juntos do que era o caso antes do podcast", disse Ryan, em entrevista telefônica conjunta com a mulher. "Em termos do que o programa nos deu, é algo que eu realmente aprecio. Podemos ser nerds juntos, o que é excelente para nós".

Mas a diversão propiciada por Lost está a ponto de acabar. A série sobre náufragos cujo avião cai em uma ilha deserta foi considerada como um marco de renovação dos seriados dramáticos, e seus criadores foram elogiados pela decisão de encerrar a história no dia 23 de maio, ao final de seis temporadas, evitando o risco de mesmice. Mas isso vai deixar para trás uma legião de fãs que se acostumaram a dissecar cada reviravolta da série, tanto na Internet quanto em outras mídias. Há sites dedicados inteiramente a discutir o seriado, como lostpedia.wikia.com e thefuselage.com, e o número de pessoas envolvidas nessas discussões paralelas é o mais alto já visto em qualquer seriado. O que será feito deles a cada noite de terça-feira, esses novos náufragos abandonados sem monstro de fumaça ou Homem de Preto (se é que os dois não eram a mesma coisa)?

"É uma pergunta que nos acostumamos a receber", disse Jeff Jensen, jornalista da revista Entertainment Weekly que produz duas longas colunas e um vídeo sobre Lost a cada semana. "Aparentemente, ninguém prestou atenção a nada do que eu tinha escrito até agora". "Quando tudo acabar, sentiremos uma alegria passageira", ele acrescentou. "A sensação será de que tudo bem, aquela era a história, e acabou. Não será mais preciso virar noites escrevendo sobre esse seriado".

Mas para outras pessoas o fim parece estar muito distante. "Em que um seriado difere de um livro?", questionou Nikki Stafford, autora de uma série de livros sobre o seriado. "Quando um leitor chega ao final de um livro de Dickens, não costuma discutir a respeito? Quando a coisa acabar, todo mundo poderá analisá-lo do começo ao fim".

Para os Ozawa, Lost foi um presente especial. Durante algumas horas a cada semana, a agitação, as complicações logísticas e as dificuldades de criar os filhos desaparecem. A cada noite de sábado, depois que as crianças vão dormir, Ryan liga o laptop e dois microfones, e um homem e mulher casados há 16 anos se transformam em simplesmente mais uma dupla de nerds. A alegria genuína que parecem sentir por estarem juntos os destaca não só em meio às produções de fãs de Lost, quase todas exclusivamente masculinas, mas também entre os podcasts de casais e, aliás, também os distingue dos casais que não fazem podcasts.

The Transmission não é o primeiro podcast que eles realizam; na verdade, deriva de uma ideia anterior, HawaiiUP, na qual Jen tinha papel central mas não de comando.

"A ideia era que ele me seguisse com um gravador, em um segmento chamado 'como irritar sua mulher'", ela conta. "Eu simplesmente falava sobre o que me desse na telha, os filmes e programas de TV que assistíamos".

Entre eles, auspiciosamente, estava a primeira temporada de Lost. Os dois logo criaram uma base de fãs cujo apetite por discutir a série aparentemente não tem limites, e passaram a produzir um podcast exclusivo sobre a série a partir da estreia da segunda temporada.

"Aloha aqui da ilha", disse Jen, com voz nervosa, no programa daquele dia. Meu nome é Jen.

"E eu sou Ryan", o marido acrescentou.

"Mahalo", ela disse. "Obrigada por ouvirem".

O estilo deles era menos fluido, mais formal do que o atual; nos programas mais recentes, a impressão do ouvinte é mais a de estar escutando uma conversa do que uma palestra. (Os Ozawa tiveram de passar um tempo sem gravar durante a terceira e quarta temporadas, mas produziram posteriormente podcasts sobre os episódios que não haviam comentado.)

De volta ao presente, a convivência semanal deles com Lost começa por volta das 20h20min de cada terça-feira, quando acionam seu gravador digital de vídeo logo depois do início do programa, para poder assistir sem comerciais. "Qualquer coisa que Jen comente em voz alta durante o episódio, eu anoto", conta Ryan. "Anoto que ela não gosta de Kate, e mais isso, aquilo e aquele outro".

Quanto às expectativas do casal sobre o episódio final, em 23 de maio, "nós provavelmente vamos chorar durante todo o programa, porque ele ocupa posição tão importante em nossas vidas", disse Ryan.

Mas Jen parecia preparada para saudar a manhã de 24 de maior sem mágoa. "Para ser completamente honesta, de certa maneira é um alívio", afirma. "Podemos começar a fazer outras coisas".

Mas talvez seja melhor pensar duas vezes. Resta ainda a questão pendente da primeira temporada, que aconteceu antes de o casal iniciar seu podcast.

"É, as pessoas já nos pediram...", comenta Ryan.
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