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Belo Monte interessa a quem?

Terra

De grandes empresários a ambientalistas, de pesquisadores acadêmicos a indígenas, de investidores a ribeirinhos, de celebridades internacionais à população local: Belo Monte parece imbatível no que se refere a dúvidas, críticas e dissensos. Por razões as mais variadas: econômicas, ambientais, sociais. Este texto foi escrito na véspera de ir a leilão a mais polêmica obra dos últimos tempos, e levemente reformulado por conta da sua suspensão no fim da tarde, pela Justiça Federal do Pará, por meio de mais uma liminar que atende a um pedido do Ministério Público Federal. Foi cancelada também a licença prévia da obra. O governo teve até o meio-dia desta terça-feira, horário em que o leilão havia sido agendado, para arregimentar seus esforços e manter o cronograma.

São as idas e vindas de um polêmico projeto. Difícil recordar outro que conseguisse desagradar e dividir tanta gente de diversas alas da sociedade ao mesmo tempo.

Mas Belo Monte, aos olhos do Planalto, precisa sair de qualquer jeito. "Na dúvida, ultrapasse", é o triste recado que se passa.

Não tem um número de investidores suficiente para dar ao processo um ar de concorrência? Arranjem-se competidores de última hora. Uma ação civil pública questiona o empreendimento, com base na Constituição Federal e na legislação ambiental? Derrubem-se as liminares. Estudos mostram que há outras maneiras menos impactantes de garantir a oferta de energia para o País? Ignorem-se. Parcelas da população às quais havia se prometido uma discussão democrática e transparente se revoltam e protestam? Não serão levadas em consideração.

O presidente Lula também havia afirmado que o principal objetivo de seu governo este ano seria eleger a candidata Dilma Rousseff, e esta promessa ele está seguindo à risca, ainda que tivesse sido eleito para administrar o Brasil com vistas ao bem estar da população, e não usar de seu mandato em uma disputa de poder.

O PAC, no entanto, pode acabar virando um cartão de visitas manchado, ou mesmo rasgado. Depois dos questionamentos do Tribunal de Contas da União, a primeira fase do programa nem havia sido implantada quando já se anunciou a segunda, puxando para programas sociais e ambientais e pegando carona na ideia da sustentabilidade.

Mas, mesmo sem conseguir cumprir a meta inicial, o PAC já levou ao desmatamento legal uma área equivalente ao município de São Paulo, segundo levantamento feito a pedido do jornal Folha de S. Paulo. Foram autorizadas supressões vegetais de 730 quilômetros quadrados para obras como rodovias, ferrovias, portos, usinas hidrelétricas. Isso não leva em conta possíveis futuros desmatamentos que são induzidos, por exemplo, pela ocupação promovida pela abertura de uma estrada ou pela construção de uma usina.

Vale lembrar que a presidência sancionou em dezembro de 2009 a lei que institui a Política Nacional de Mudanças Climáticas, com vistas a reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões brasileiras de gases de efeito estufa projetadas até 2020. As ações contra o desmatamento são reiteradamente citadas pelo governo quando cobrado pelo combate às mudanças climáticas.

Alternativas
Se hidrelétricas são tão conflituosas, especialmente na floresta amazônica (e o potencial hídrico que resta a ser explorado no Brasil situa-se nessa região), se as térmicas também vão na contramão do combate ao aquecimento global e se as usinas nucleares não ficam atrás na polêmica (questionadas quanto à segurança e à problemática ainda insolúvel do lixo atômico), pode-se contra-argumentar: onde, então, buscar energia?

Combater o desperdício é um primeiro passo. Alguém ainda se lembra da época do racionamento, quando se descobriu que era possível viver confortavelmente sem consumir tanta luz? Repotencializar usinas hidrelétricas já existentes, para que aumentem sua capacidade de geração, é mais uma alternativa. Investir em programas de eficiência energética, para se reduzir a demanda no País, é outra. Aí já são três caminhos sem se fazer uma única nova obra - para a infelicidade das empreiteiras e dos candidatos que ganham visibilidade com isso.

Mas há também um universo a explorar nas fontes alternativas. O internauta pode dizer que elas não dão conta de suprir o aumento da demanda em um país em crescimento. Da maneira como está, realmente não dão. Agora, e se houver uma política consistente de investimentos e apoios oficiais nesse desenvolvimento tecnológico? Vejam o que aconteceu em países europeus.

A energia hidrelétrica também seria pouco representativa no Brasil se o governo não tivesse criado uma política e fomentado uma expertise tecnológica e empresarial nessa área. O que dizer do etanol, se o governo não tivesse décadas atrás criado um programa nacional, que a tecnologia flex veio recuperar anos depois e tornar esse um caso de sucesso?

As fontes alternativas geram empregos, promovem uma energia mais sustentável e minimizam o aquecimento global. É preciso ter cuidado com a imagem de energia limpa que as hidrelétricas querem vender. Além de expulsarem pessoas de suas terras, modificarem ecossistemas e destruírem a biodiversidade, elas levam ao desmatamento e à emissão de gás metano por decomposição da matéria orgânica alagada.

Para entender Belo Monte e outros empreendimentos do gênero, é preciso mapear os interesses econômicos e políticos que regem as grandes obras. A produção descentralizada de energia por meio de centrais eólicas, de placas de energia solar, de aproveitamento da energia das marés ou de biomassa por agricultores espalhados no Brasil inteiro interessa a esses grandes players? Quem Belo Monte favorece internamente? E externamente, considerando que boa parte da energia produzida no Brasil é usada por corporações estrangeiras, que teriam custos maiores de produção de alumínio, por exemplo, em seus países de origem?

Parece haver um mesmo raciocínio para obras megalomaníacas como a transposição do Rio São Francisco, quando se já se mostrou os enormes riscos e impactos, e já se ofereceu uma série de alternativas, descentralizadas, em pequena escala, espalhadas e de custo bem inferior, capazes de irrigar os cultivos e levar água para a população do semiárido.

GDF Suez: de Jirau a Belo Monte?

Segundo comunicado à imprensa divulgado ontem pela ONG Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, a GDF Suez, empresa francesa de energia conhecida internacionalmente por ser finalista no Prêmio Public Eye -, concedido às piores empresas do mundo em termos de responsabilidade social e ambiental - foi novamente alvo de protestos de organizações ambientais e de direitos humanos brasileiras e internacionais pelo seu envolvimento na construção de usinas hidrelétricas na Amazônia.

Para as organizações - entre elas a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Amigos da Terra-Amazônia Brasileira, Survival International da França, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Greenpeace -, a GDF Suez não atendeu aos questionamentos e demandas sobre os impactos socioambientais que a obra da usina de Jirau, no Rio Madeira, vai causar. A Suez é acionista majoritária do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), que constroi a usina de Jirau.

Segundo o jornal Valor Econômico, a empresa mostrou interesse em fazer parte do grupo Norte Energia, um dos consórcios que disputarão o leilão de Belo Monte.
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