Olhar Direto

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Opinião

Leitores do Futuro

Em cerimônia realizada nesta semana no Palácio Paiaguás, com a presença do Governador Pedro Taques, entregamos o primeiro Prêmio Mato Grosso de Literatura para os nove vencedores. Foi um momento de festa e alegria que não nos privou de realizar uma reflexão sobre cultura e educação em Mato Grosso.

Parto dos dados da recém publicada pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Ibope por encomenda do Instituto Pró-Livro, para contextualizar nossa realidade e melhor avaliar a importância de politicas de estimulo à leitura para o futuro do país. A pesquisa traz dados contundentes e revela aspectos importantes das dimensões econômica, simbólica e cidadã, que tem o livro, a leitura e literatura como vetores de desenvolvimento.

Começo com um dados avassalador: 44% da população brasileira não lê. Para a pesquisa, é leitor quem leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses. Já o não leitor é aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses, mesmo que tenha lido nos últimos 12 meses.

Dentro destas metodologia, em números absolutos, não temos poucos leitores. Estima-se que 104,7 milhões de brasileiros (ou 56% da população acima dos 5 anos de idade) leram pelo menos partes de um livro nos últimos três meses. O levantamento considerou todos gêneros: literatura, contos, romances, poesia, gibis, Bíblia, livros religiosos e livros didáticos.

A Bíblia é o livro mais lido, em qualquer nível de escolaridade. O livro religioso, aliás, aparece em todas as listas como os últimos livros lidos ou livros mais marcantes.

74% da população não comprou nenhum livro nos últimos três meses. Entre os que compraram livros em geral por vontade própria, 16% preferiram o impresso e 1% o eletrônico ou e-book. Um dado alarmante: 30% dos entrevistados nunca comprou um livro.

Vejam quais foram os livros mais citados, em ordem decrescente:

Bíblia

A Culpa é das Estrelas

A Cabana

Pequeno Príncipe

Cinquenta Tons de Cinza

Diário de um banana

Turma da Mônica

Violetas na janela

O Sitio do Pica Pau Amarelo

Crepúsculo

Ágape

Dom Casmurro

O Alquimista

Harry Potter

Meu pé de laranja lima

Casamento blindado

Vidas Secas

Os dados são vastos e interessantíssimos. Gostaria de chamar atenção aqui apenas de um deles: para 67% da população, não houve ninguém que incentivasse a leitura em sua trajetória, mas dos 33% que tiveram alguma influência, a mãe e a professora foram os principais responsáveis.

Dai a importância de focarmos nossos esforços na diversificação dos livros que chegam as mãos de nossos alunos, com títulos que digam respeito a sua realidade, a sua cultura, ao seu cotidiano, com especial atenção a produção literária de autores e editores mato-grossenses. É preciso ampliar o leque de instrumentos à disposição dos cidadãos para expandir suas possibilidades de leitura do mundo, e ampliar o número de livros à disposição da população por meio de bibliotecas bem aparelhadas.

É preciso também diversificar as estratégias para provocar o leitor e fazer com que as pessoas tenham vontade de ler. Dizia o grande escritor italiano Humberto Eco que o texto é uma máquina preguiçosa esperando que o leitor faça sua parte”. Hoje os jovens são motivados a ler por meios inusitados. Milhões de crianças e jovens chegam aos livros através do Youtube. Livros como “Dois mundos e um herói” e “De volta ao Jogo” do youtuber Rezendevil, por exemplo, estão na lista dos mais vendidos e tem incentivado milhões de jovens a leitura, pós Youtube.

Estes jovens já dispõe de um amplo repertório de símbolos e imagens, servindo como poderoso combustível para a mágica acontecer quando se deparam com a linguagem escrita. Transferem para a leitura o mesmo prazer que sentem ao jogar Minecraft e outros “clássicos” dos games. É o leitor o principal protagonista em qualquer estória, e a capacidade de imaginar, um requisito fundamental para que grandes aventuras aconteçam.

É interessante notar também que é na infância que se lê mais por “gosto”. A pesquisa mencionada mostra também que o brasileiro lê mais por “gosto” quando é criança. Essa foi a resposta de 40% dos entrevistados de 5 a 10 anos e de 42% dos de 11 a 13. Entre as demais faixas etárias, o porcentual cai para 29% quando analisamos a motivação de adolescentes entre 14 e 17, para 21%, entre 18 e 24, para 20%, de 25 a 29, para 16%, dos 30 aos 39, e por aí vai. Alguns continuam lendo para se atualizar e se distrair, por crescimento pessoal, motivos religiosos e exigência escolar ou profissional. Mas a concorrência com outras atividades faz com que muita gente se esqueça de como era gostoso ouvir ou ler umaboa história.

A grande escritora de livros infanto-juvenis Ana Maria Machado disse recentemente numa entrevista que a adolescência é a fase em que escolhemos ídolos e modelos, e que se os que encontramos em oferta vivem num mundo sem livros, fica mais difícil não achar que livro era brinquedo de criança que fica para trás quando a gente cresce.

Quando falamos em livro, leitura e literatura, abarcamos as três dimensões da politica cultural contida no conjunto de quatro leis sancionadas pela Governador Pedro Taques em janeiro deste ano de 2016, que chamamos de “CPF da Cultura”.

A dimensão ECONÔMICA através do LIVRO, cabendo ao Estado fomentar a economia da cultura como um sistema de produção materializado em cadeias produtivas, incluídas as fases finais de distribuição e consumo;

A dimensão CIDADÃ através da LEITURA, cabendo ao Estado assegurar o pleno exercício dos direitos culturais a todos os cidadãos, promovendo o acesso universal à cultura por meio do estímulo à criação artística, da democratização das condições de produção, da oferta de formação, da expansão dos meios de difusão, da ampliação das possibilidades de fruição e da livre circulação de valores culturais.

E a dimensão SIMBÓLICA através da LITERATURA, cabendo ao Estado promover e proteger as infinitas possibilidades de criação expressas em modos de vida, crenças, valores, práticas, rituais e identidades.

Ao desenvolver as três dimensões de forma articulada, precisamos pensar também em que tipo de leitor queremos e de como esta prática se articula com a cultura de cada comunidade. O Brasil é um pais rico em oralidade e espontaneidade. Assim, um enorme patrimônio cultural vem sendo transmitido através de gerações. Mas é preciso desenvolver também a dimensão escrita da cultura. Desenvolver de uma forma plena e respeitosa com a diversidade da nossa gente, de modo a potencializar sua cultura, ideias e pensamentos, e não suprimi-los.

A pratica da leitura pode ser poderosa ferramenta de desenvolvimento, melhor qualificando nossa relação com outros indivíduos, com a televisão, com o computador, com nosso smart phone, com o mundo. Precisamos, mais do que nunca, desenvolver a cultura do discernimento e do diálogo, para continuarmos construindo um ambiente social pacifico e democrático.

É conhecida a frase do médico e escritor Moacir Scliar que diz que a leitura no Brasil deveria ser tratada como uma questão de saúde pública. É verdade! Para a saúde social de nosso país é fundamental melhorar a circulação de bens culturais, em especial do livro e da literatura nas escolas, nas praças, nas bancas de revistas, nos mercados, nos Pontos de Cultura, nos bares, cafés, açougues (por que não?!), e onde for possível. É preciso criar alternativas e fortalecer a economia do livro de acordo com as peculiaridades de Mato Grosso. É preciso incentivar a leitura em articulação com várias áreas do poder público e privado, incluindo os meios de comunicação de massa, promover feiras literárias regionais e estaduais, bem como encontros  de discussão e produção de leitura e literatura, fomentando o intercâmbio de autores mato-grossenses dentro e fora do país.

Temos muito trabalho pela frente, mas movidos pelo desejo de transformação de Mato Grosso, seguiremos trabalhando para assegurar os direitos culturais do cidadão, que incluem a escolha entre diferentes fontes de informação. Acreditamos, de verdade, que imaginação criadora desenvolvida pela leitura, no autor e no leitor, será fundamental também para o desenvolvimento de Mato Grosso e do Brasil. 

Leandro Carvalho é secretário de Estado de Cultura 
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