Um dos aprendizados que temos ao conviver com Seres Despertos, quer seja no Oriente ou no Ocidente, é confiar na vida ao invés de temê-la. Dizer sim à vida e enfrentá-la do jeito que ela se apresentar, mesmo com as dores mais intensas. Aceitar e acolher até a dor de dias pintados em relevo com a cor das noites escuras da mente, aqueles em que, momentaneamente, movidos pela não aceitação da dor, queremos desaparecer, fugir do mundo e sentir tão somente o acalanto dos  braços de Deus. Momentos em que nos visitam sonhos de nos transformarmos em uma estrela no céu para iluminar a escuridão da noite.
 
Ocorre-me a lembrança desta passagem de um dos contos do escritor moçambicano Mia Couto: "De noite, os seres mudam seu valor. O dia mostra os defeitos do mundo: rugas, poeiras, vincos, tudo na luz se vê. À noite se olha mais, se vê menos. Cada ser se revela apenas pela luz que dele emana."

Há dores de todas as cores e formas, não? Reais, com sentido, corporais, emocionais, originadas do movimento da vida. Outras, imaginárias, projetadas sem razão, produzidas pelos jogos da mente, cujas reações resultam, basicamente, da rejeição à dor e às mudanças - apego ao passado e medo do futuro. Todavia, uma das maiores que o ser humano sente é a dor do desamor, da frieza e indiferença de seus "semelhantes".

Às vezes passamos por dores que nos levam a indagar sobre os mistérios mais profundos da vida, da nossa existência terrena e espiritual. Dores que despertam,  servem de remédio, impulsionam, além de nossos pequenos limites, a saltarmos no desconhecido  -  lançam desafios de reinvenção. Há outras que nos levam a querer saber se há vida além do corpo; e, se existir, como será? Como podemos servir melhor à Existência? O que é destino? Ele vem pronto? Pode ser melhorado ou piorado?   Ou somos nós que o definimos? Construímos e destruímos o nosso destino?

É Deus o Senhor maior de nosso destino? Neste caso, está nas mãos Dele o nascer e morrer? Onde e quando nascemos? Partimos no tempo de folha velha que se despede da árvore, naturalmente? Ou no tempo de destino prematuro de folha arrancada, como sentimos em relação à morte do ator Domingos Montagner? Mergulhou na imensidão das águas do Rio São Francisco e desapareceu...

No fim, nós não sabemos nada, mas os pensamentos divagam em mil direções... E em momentos de dores agudas, a mente pode provocar as piores e maiores reações emocionais, que originam muitos sofrimentos, os quais muitas vezes se somatizam e se transformam em graves doenças de ordem física e mental.   

Por descuido da razão, pode-se pisar numa via de espinhos. Mas em qualquer momento, é possível sentar consigo mesmo, respirar consciente - uma pinça entre os dedos - e retirá-los com cuidado, um a um... 

As várias reações da mente podem ser neutralizadas pela respiração consciente - vida manifestada e renovada no fluxo de ar que entra e sai pelas narinas.  Inspirar e expirar, atividade vital que gera expansão e retração das paredes do corpo. Morremos em cada expiração, renascemos na inspiração. Em cada respiração nos recriamos, mesmo em meio às águas turbulentas da existência.  

As ilusões e projeções da mente desaparecem em momentos em que a vida nos chama e nos conecta com o agora. Então, vê-se a realidade tal como ela é, sem o peso das reações da não aceitação dos desafios.  

No entanto, se deixar a mente dominar, ficamos cegos à força da vida que está aí, por exemplo, em cada respiração. O ar contém muito mais do que o oxigênio do qual necessitamos, é energia vital universal, sopro de vida, alento divino. Experienciar e trabalhar com a respiração é impulsionar a força da vida em corpo, mente e espírito.

A minha experiência com meditação e práticas respiratórias, aprendidas na Índia, leva-me a validar estas palavras de um mestre oriental: "A respiração é sua maior amiga. Volte-se para ela em todos os momentos de preocupação e encontrará conforto, orientação e direção."

Namaste!

*ENILDES CORRÊA é Administradora, palestrante e cronista. Profª de Yoga e terapeuta corporal Ayurveda com formação e aperfeiçoamento na Índia. E-mail:solautoconhecimento@gmail.com

Website: www.solautoconhecimento.com.br