Olhar Direto

Sexta-feira, 10 de maio de 2024

Opinião

Abalos incógnitos da partida suicída

Há 1 ano presenciei o cenário imediato de um suicídio. Não fomos programados para compreender a morte repentina, que inunda a consciência com infinitos questionamentos existenciais. Se por um lado as perdas por acidentes ou violência nos trazem indignação e inconformismo, a dor do suicídio por sua vez, nos leva a um singular sentimento de vazio existencial.

O ato de atentar contra a própria vida é por vezes visto pelo praticante como ação de cunho altruísta, isto é, como um ato em prol de benefício coletivo. Esse pensamento esconde uma nefasta e obscura realidade: a morte em vida dos entes próximos que ficam. Enquanto seres humanos, somos conectados uns aos outros por diversos laços de vínculos sociais. Por mais isolada que seja uma pessoa, sua vida se associa diretamente a seus familiares e colegas próximos. A vida humana não é viável na completa solidão. Dependemos uns dos outros e dessa forma se estabelecem e fortalecem as relações.

Pensemos no suicídio como um terremoto. O terremoto possui seu epicentro e diversos raios de alcance onde os abalos sísmicos produzem danos sob distintas proporções. Nesses diferentes raios se encontram as diversas pessoas que serão abaladas pelo suicídio. Muitas delas não possuem relação direta com o praticante, mas são movidas pelo sentimento de empatia levantado com a situação. No raio mais próximo ao epicentro se encontra a família, despedaçada, em estado de choque absoluto e com um permanente sentimento de culpa.

Somos diferentes. Recebemos e absorvemos impactos de maneira distinta, e muitos dos impactados pelo epicentro do terremoto certamente não irão se recuperar dos danos sofridos. Seguirão em frente com suas mentes bagunçadas como arquivos corrompidos, marchando em sinergia com os afazeres incessantes do mundo contemporâneo. Passarão invisíveis aos olhos alheios. O suicídio e o peso psicológico inerente à questão terminaram por levar-lhes o brilho da vida.

Descortina-se um paradoxo. O suicida dentre toda a complexa rede de acontecimentos que se findam no ato, tinha como prioridade a preservação daqueles que ama, mas ocasiona sentido oposto com sua partida precoce e de impossível compreensão. A busca altruísta, portanto, necessita enfatizar inicialmente a preservação da vida, o apoio mútuo e o compartilhamento das aflições pessoais. A conscientização de sua importância para o outro é passo fundamental.

O suicídio é um dos maiores desafios que temos na atualidade. Para que haja a preservação das muitas vidas em risco, é necessário que passemos por uma completa mudança de percepção sobre a questão. Precisamos refletir sobre como enxergamos uns aos outros, e se de fato enxergamos. À parte dos sorrisos sociais é necessária sensibilidade para observar os verdadeiros sentimentos que uma pessoa experiencia em sua intimidade. Quando pudermos nos despir de pré-conceitos e agir dessa forma, a abertura ao diálogo e o compartilhamento de aflições interiores será um processo natural.

Há 1 ano presenciei o cenário imediato de um suicídio e parte de mim também se foi naquele dia. Após um desafiador período de assimilação, enxergo hoje o quanto podemos contribuir de maneira simples para que inúmeras vidas sejam revigoradas a cada dia. Um simples olhar atencioso acompanhado de um verdadeiro interesse em participar da vida do outro podem ser determinantes no enfrentamento de desafios sentimentais e no interesse pela busca de apoio profissional nos momentos mais difíceis. Não estamos sós.


Gabriel de P. Albuquerque é Estudante de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Fale com o autor: gabrielalbuquerquetkd@gmail.com
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet