Olhar Direto

Sexta-feira, 26 de abril de 2024

Opinião

Tribunal autoriza recuperação judicial para produtor rural

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) passou de observador vigilante do sistema financeiro e protetor dos contratos para o primeiro Tribunal do país a encarar o produtor rural como empresário de fato, apto a fazer recuperação judicial, mesmo sem registro há dois anos na Junta Comercial. O que acaba de criar um novo paradigma para recuperação judicial do agronegócio.

Com isso, a data de 11 de maio de 2018 tem tudo para ser um dia histórico na relação do setor produtivo com o financeiro no Brasil, ao menos quanto ao agronegócio. O TJSP publicou decisão de mérito, que por unanimidade, reconheceu direito de quatorze produtores rurais a recuperação judicial. Agravo de Instrumento nº 2251128-51.2017.8.26.0000.
 
É fato que o agronegócio responde por 30% do PIB, e que nos últimos 13 anos, em que pese 5.359 empresas da indústria, comércio e prestação de serviços terem ajuizado Recuperação Judicial, o produtor rural, pessoa física, responsável por esses 30% do PIB, via-se alijado desse processo sob um questionável fundamento - não possuir registro na Junta Comercial há pelo menos dois anos, mesmo que empresário fosse há muito mais tempo que isso.

Na falta de melhor argumento culpava-se uma formalidade burocrática menor, somada a uma janela de tempo inócua para justificar que produtor rural não seria empresário, mesmo reconhecendo a importância deste para a produção do país.

E pior, para manter essa barreira, culpa-se até hoje, mais uma vez, o próprio produtor, que em tese, teria juros mais baixos para plantar. Isso no país com os juros mais altos do mundo, depois de Madagascar, (não me pergunte o porquê), nem porque cargas d´água aquela ilha passa tamanho suplício.

Para nós basta saber que o financiamento da safra faz com que 40% da produção agrícola atual não consiga pagar sequer o serviço da dívida. Diga-me que isso é certo, e paro por aqui. Seria como trabalhar 24 horas, sabendo que seu custo exige 25 horas de trabalho por dia. Pronto, não fecha a conta. Mas fechando os olhos continuamos a nos enganar.

Precisou o Tribunal de Justiça de São Paulo se posicionar para que, acredito, de agora em diante, tenhamos todos maturidade para encarar esse problema de frente. Produtor rural é empresário e deve submeter-se aos mesmos procedimentos que qualquer empresário. Com os bônus e ônus que esses têm. Não há porque Tribunais de Estados, onde a maior receita é de produção rural restringir a interpretação quando nem mesmo o Tribunal do maior (de longe) Estado, que tem receitas do setor financeiro o faz. Principalmente sendo esse Tribunal o eleito por 99 entre 100 bancos para dirimir os conflitos de seus contratos.

"NON DVCOR DVCO". Com essas palavras, há exatos oito anos, o TJSP negou esse direito a fazendeiros de Palmital-SP, para agora, com nova e (a meu ver) mais madura posição puxar a locomotiva do progresso autorizando produtores rurais sem registro há dois anos participarem de recuperação judicial. Equiparando-se assim a empresas industriais, muitas vezes, as mesmas que, por estarem em recuperação judicial, causaram a crise financeira a esses produtores.

A mudança na visão do Judiciário vem em boa hora. Desde 2013, com o voto da Min. Nancy Andrighi no REsp nº 1.193.115/MT, onde defendemos essa tese, o assunto não encontrou nos Tribunais Estaduais um desfecho merital de tamanha envergadura. Por acaso do destino, o voto condutor baseou-se também na tese intermediária defendida por Sidnei Beneti, no mesmo REsp. Há necessidade de registro na Junta Comercial, contudo esse registro pode ser feito até um dia antes do ajuizamento da RJ.

Espera-se agora que todos Tribunais, entendendo a mensagem do Estado, onde praticamente todos os bancos possuem sede, passem a adotar essa tese. Se até o Estado que financia entende que o produtor precisa de um sistema legal para reestruturar suas dívidas, imagine quem está na ponta tomadora desses recursos. Longe de ser um benefício a prejudicar o sistema financeiro é um instrumento a reorganizar um problema de todos, devedores e inclusive dos próprios bancos.

A meu ver méritos são devidos a todos que contribuíram para o amadurecimento, ainda que tardio, da tese de igualdade entre produtor rural e empresário, aos atuais desembargadores Alexandre Lazzarini, Azuma Nishi e Fortes Barbosa, já conhecedores de longa data do assunto. Além do colega desta causa, todos os advogados que no labor diário vêm desde 2005, conquistando a jurisprudência, pela interpretação de finalidade, em sintonia com os fatos sociais. Parabéns TJSP, como "NON DVCOR DVCO", pelo menos, JUSTITIA, QUAE SERA TAMEM.


Euclides Ribeiro S Junior é sócio da ERS, Advogado de Produtor Rural desde 2005, há 13 anos defende Recuperação Judicial para o agronegócio.
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