Criado a partir de um sonho. E viabilizado pelo Fundo Municipal da Criança e do Adolescente de Cuiabá com recursos da Petrobrás. Assim surgiu há menos de quatro meses o projeto Tocando com o Bolinha – Música na Rede que atende 225 crianças, de oito a 17 anos, de cinco entidades da periferia do município. O objetivo é democratizar a música, por entendê-la como agente transformador, integrar a família e a sociedade. Além de promover ações de prevenção e enfrentamento ao trabalho infantil, uso de drogas, abuso e exploração sexual de meninos e meninas carentes. Entre os instrumentos tocados estão flauta, violão, bateria e teclado.
Para o professor Ivan Moura, que há 16 anos leciona música em comunidades carentes, as oportunidades são sempre recebidas com muito entusiasmo. Um exemplo claro disso é que, em menos de dois meses de aula, os alunos do projeto já fizeram duas apresentações e amanhã (18/05) farão a terceira para o público que integra o ‘Dia D’ de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, na Praça Alencastro, na capital. Elas tocarão três músicas: Love me tender (Elvis Presley), Buscai Primeiro (autor desconhecido) e Como é grande o meu amor por você (Roberto Carlos). “Essas crianças são fantásticas, já cantam, tocam, tiram letras de música de ouvido, elas querem muito uma chance de aprender”.
O estudante da 8ª série do Educandário Espírita Maria de Nazaré, Vinícius Gomes Magalhães, de 13 anos, morador do bairro CPA 4, está feliz da vida por ter reiniciado as aulas de flauta. Ele já havia feito alguns anos antes, mas desistira. Hoje, um pouco mais ‘maduro’, diz que está pronto para se dedicar ao máximo e ter a disciplina exigida para ser um músico. Sonho? Ser o maior tocador de saxofone do Estado, assim como o padrinho do projeto, o músico Bolinha. “Eu acho até que melhorei na escola, estou mais empolgado com tudo, porque para poder estar aqui tenho que ter boas notas, então, estou me esforçando muito”. A mudança de comportamento, tipicamente adolescente, está sendo notada até em casa, onde Vinícius está mais calmo e comprometido.
Na avaliação do secretário de Assistência Social e Desenvolvimento Humano de Cuiabá, Jader Martins Moraes, que à época da viabilização do projeto estava à frente do Comitê Pró-Infância, que é o agente executor, o poder público não pode se responsabilizar sozinho por uma questão inerente a toda sociedade: que é cuidar das suas crianças e adolescentes, tirá-las das ruas, oferecer esperança e oportunidades. As doações de pessoas físicas e empresas privadas ao Fundo Criança são um passo a frente, mas exigem conscientização. “Pouca gente sabe, mas qualquer pessoa pode descontar 6% do Imposto de Renda retido em fonte e encaminhar às instituições cadastradas ao Conselho da Criança, parece pouco, porém, se todos na capital colaborassem conseguiríamos um montante de R$ 30 milhões destinados à beneficência, algo incrível”.
Início de tudo
Na música, o sentimento flui. Em um mundo onde poucos se importam com a educação dos sentimentos e emoções, a oportunidade de ter aulas de música é como disciplinar um cavalo indomável, que é o próprio coração. Segundo a coordenadora do projeto Tocando com o Bolinha – Música na Rede, a socióloga Tatiane Castro, as aulas promovem a disciplina, não só em relação à sala de aula, pois o rendimento em geral melhora, mas também na vida. “As crianças inicialmente aprenderam a teoria, o ritmo, depois passaram a tocar mesmo. A evolução tem sido incrível, alguns parecem até que tem um dom”.
Além das aulas propriamente, os professores acabam entrando na casa dos alunos, conhecendo cada uma delas mais a fundo e quando identificados problemas (violência, negligência, fora da escola) há o encaminhamento para uma assistente social e uma psicóloga. O idealizador do projeto, o administrador Natalício Menezes, explica que a proposta foi aprovada pela primeira vez em 2007, mas não foi possível captar recursos para execução. “Felizmente fomos selecionados pela Petrobrás no final do ano passado”. Emocionado com a repercussão das aulas, ele diz que ficou espantando como alguns alunos estão tocando bem. “Uma garota está tocando tão bem o teclado que alguém da comunidade viu e deu o instrumento para ela de presente”.
Instituições beneficiadas
Entre as beneficiadas estão: Associação Espírita Wantuil de Freitas (1º de Março), Creche São Francisco de Assis (Praieiro), Obras Sociais Viana de Carvalho (Jardim Florianópolis), Obras Sociais Raphael Verlangiere (Renascer) e Caju 2000 Centro de Atenção Juvenil 2000 (Tancredo Neves). O cadastro e a seleção dos estudantes para participarem passa pelo crivo das instituições. São meninos e meninas de baixa renda e das comunidades vizinhas. Todos os instrumentos adquiridos com recursos do projeto ficam para as entidades.
Bolinha: artista de alma cuiabana
O nome ‘Tocando com o Bolinha’ é uma homenagem ao músico e compositor João Batista Jesus da Silva, 69 anos, nascido em Cuiabá, o maior tocador de saxofone de Mato Grosso. Ele é conhecido pelo nome artístico de ‘Bolinha’. Iniciou-se na música em 1959, uma pessoa do povo, seresteiro de coração, conhecedor como ninguém da alma cuiabana.
