Olhar Direto

Segunda-feira, 20 de maio de 2024

Notícias | Mundo

Coreia do Norte esconde muito mais do que apenas sua equipe

O operário de construção norte-coreano vivia na penúria. A empresa estatal da qual é funcionário não o pagava há tanto tempo que ele havia esquecido qual era seu salário. Na verdade, subornou o chefe para que o deixasse funcionar como trabalhador fantasma, de modo a poder deixar o canteiro de obras. Dessa maneira, ele e a mulher conseguiam ganhar a vida a duras penas, vendendo saquinhos de sabão em pó no mercado negro.


Parecia uma vida difícil de piorar. Mas então, certa tarde de domingo, a irmã dele entrou correndo no apartamento do operário, em Chongjin, com notícias chocantes: o governo norte-coreano havia decidido desvalorizar dramaticamente a moeda do país. As economias que a família havia acumulado ao longo de toda uma vida, em valor de cerca de US$ 1,56 mil dólares, passaram a valer o equivalente a US$ 3.

No mês passado, o operário estava refugiado em Yanji, uma movimentada cidade no norte da China, e lastimava os anos de sacrifícios inúteis. Legumes para seus pais, o remédio contra a asma de sua mulher, o abrigo, o moletom azul que sua filha queria ¿coisas que ele deixou de comprar por acreditar que, mesmo na Coreia do Norte, valia a pena poupar para o futuro.

"Ah", ele exclamou, xingando em meio às lágrimas, "como trabalhamos para economizar aquele dinheiro! Pensar sobre isso me deixa louco da vida".

Os norte-coreanos estão acostumados a batalhar e a decepções. Mas a desvalorização cambial de 30 de novembro, aparentemente em tentativa de sustentar uma economia estatal em colapso, representou para alguns o pior desastre desde a fome que matou centenas de milhares de pessoas na metade dos anos 90.

Entrevistas no mês passado com oito norte-coreanos que deixaram recentemente o país - um presidiário fugitivo, comerciantes ilegais, pessoas em exílio temporário para procurar emprego na China, a mulher de um dirigente do Partido dos Trabalhadores (a agremiação governista da Coreia do Norte) que estava em visita ao país vizinho - retratam o desespero no país de 24 milhões de habitantes e o crescente ressentimento contra o errático líder Kim Jong-il.

O que parece estar faltando, ao menos por enquanto, é instabilidade social. As dificuldades generalizadas, a ira popular diante da desvalorização cambial e a crescente incerteza política surgida como resultado dos esforços de Kim para definir seu terceiro filho como sucessor não resultaram em resistência perceptível contra o governo. Pelo menos duas das pessoas entrevistadas na China repetiram a linha da propaganda oficial, que retrata a Coreia do Norte como vítima de inimigos ferrenhos, e a pobreza do país como resultado de um complô ocidental que ameaça a sobrevivência da nação, inspirado por Estados Unidos, Coreia do Sul e Japão.

A acusação sul-coreana de que a Coreia do Norte afundou uma belonave do país, o Choenan, em março, é apenas uma parte do complô, disse a mulher do dirigente partidário.

"É por isso que estamos sempre à espera de uma invasão", disse uma antiga professor primário. "Meu filho sempre espera que a guerra venha, porque a vida é difícil demais e vamos todos provavelmente morrer de fome".

Eles e outros norte-coreanos se pronunciaram sob a condição de que seus nomes não fossem mencionados, em conversas em larga medida organizadas por igrejas clandestinas que operam na China, logo ao norte da fronteira com a Coreia do Norte. Se forem identificados como visitantes ou moradores ilegais na China, podem ser deportados e aprisionados, e o mesmo se aplica aos seus parentes.

Cerca de metade dos entrevistados disseram que planejam voltar à Coreia do Norte. Os demais esperam conseguir desertar para a Coreia do Sul.

Os relatos que fizeram, apresentados separadamente, coincidem quanto a muitos detalhes. Eles também reforçaram as descrições de economistas e analistas políticos sobre um país em séria crise.

Uma economia em contração

Mencionando fotos aéreas que revelam chaminés de fábricas das quais não sai fumaça, economistas afirmam que cerca de 75% das fábricas da Coreia do Norte estão ociosas. A economia está em contração desde 2006, quando Kim Jong-il se retirou de negociações internacionais cujo objetivo era pôr fim ao programa de armas nucleares da Coreia do Norte. A Coreia do Sul suspendeu praticamente todo o comércio, privando o norte de US$ 333 milhões ao ano em vendas de frutos do mar e outras exportações.

Quando a península coreana foi divida, em 1945, a Coreia do Sul era mais pobre que o país vizinho. Agora, o trabalhador médio sul-coreano ganha 15 vezes mais que a média da Coreia do Norte, com base em dados ajustados pelo custo de vida. O número de desertores que conseguem chegar à Coreia do Sul, passando pela China, vem crescendo firmemente há uma década, e chegou a três mil no ano passado.

A mortalidade infantil e neonatal subiu em pelo menos 30%, entre 1993 e 2008, e a expectativa de vida caiu em três anos, para 69 anos, no mesmo período, de acordo com dados do recenseamento norte-coreano e do Fundo das Nações Unidas para a População.

O Programa de Alimentos das Nações Unidas diz que um terço das crianças norte-coreanas de menos de cinco anos sofrem de desnutrição. Mais de 25% dos habitantes precisam de assistência alimentar, segundo a agência, mas menos de 6% dos norte-coreanos a receberão este ano, em parte porque os doadores relutam em enviar assistência a um país que insiste em desenvolver armas nucleares.

A desvalorização cambial só agravou o sofrimento. O objetivo era desviar os proventos da vasta economia paralela da Coreia do Norte ¿os mercados de rua- para as empresas estatais, que enfrentam séria deficiências de caixa.

Os mercados são a única fonte de renda para muitos norte-coreanos, mas eles contrariam o credo de socialismo econômico imposto pelo governo. Teoricamente, todos os cidadãos, exceto os idosos, os menores de idade e as mães de filhos pequenos, trabalham para o Estado. Mas as empresas estatais vêm definhando há 30 anos, e os norte-coreanos fazem todo o possível para evitar trabalhar nelas.

Os agricultores plantam hortas pessoais, enquanto as fazendas coletivas estão tomadas por ervas daninhas. Os trabalhadores urbanos evitam as tarefas estatais a fim de mercadejar toda espécie de produto, de metais surrupiados em fábricas fechadas a televisores contrabandeados da China.

"Se você não comercia, morre", diz a antiga professora, uma mulher de 51 anos, rosto redondo e cabelo preso em rabo de cavalo. Ela deixou de ser uma obediente funcionária do Estado e se tornou uma comerciante ilegal, mas nem assim escapou às dificuldades.

Entre no nosso canal do WhatsApp e receba notícias em tempo real, clique aqui

Assine nossa conta no YouTube, clique aqui
 
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet