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Quinta-feira, 09 de maio de 2024

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Mundo ficou 'mais burro e cego', diz Meirelles sobre morte de Saramago

O cineasta Fernando Meirelles divulgou um comunicado sobre a morte do escritor José Saramago, ocorrida nesta sexta-feira (18), nas Ilhas Canárias.


Segundo Meirelles, que dirigiu uma adaptação de "Ensaio sobre a cegueira" para as telas em 2008 - em produção hollywoodiana e apoiada pelo autor - Saramago era um "homem lógico".

"[Ele] dizia que a morte é simplesmente a diferença entre o estar aqui e já não mais estar. Combatia as religiões com fúria, dizia que elas nos embaçam nossa visão", diz o cineasta. "Mesmo assim não consigo deixar de pensar que adoraria que neste momento ele estivesse tendo que dar o braço a torcer ao ser surpreendido por algum outro tipo de vida depois desta que teve por aqui."

Meirelles conta que se encontrou com o escritor pela última vez em novembro de 2009, na cidade de Penafiel, em Portugal, por conta de um documentário que sua produtora vinha desenvolvendo sobre a vida do escritor e de sua esposa, a jornalista Pilar del Río.

A produção, intitulada, "José e Pilar" estava sendo dirigida pelo português Miguel Mendes. "O filme é comovente de cortar os pulsos. Vemos ali um homem brilhante que sabe que seu tempo está acabando e tem muita pena de morrer. O dia no qual ele pensava constantemente e que tentou adiar, chegou", afirma Meirelles.

O diretor de "Cidade de Deus" finaliza o comentário sobre o adeus a Saramago festejando sua inteligência. "A lucidez naquele grau é um privilégio de poucos, não consigo escapar do clichê, mas definitivamente o mundo ficou ainda mais burro e ainda mais cego hoje".

Cineasta fala de encontro com Saramago
À época das filmagens de "Ensaio sobre a cegueira", Meirelles manteve um blog em que narrava bastidores da produção, que conta a história de uma epidemia branca que cega as pessoas, metáfora da cegueira social.

Em um dos posts, o cineasta relata um encontro com Saramago em um restaurante português. O assunto? Atores a serem escolhidos para viver personagens imaginados pelo autor.

"(...) Saramago é um homem alto e muito em forma para seus oitenta e poucos anos, certamente pelo seu hábito de sempre caminhar ao invés de usar carro. É uma figura um pouco intimidante, eu estava tenso, mas ele foi muito amável e até afetuoso. Havia relido o livro duas vezes antes de ir para Portugal e já estava começando a trabalhar com o Don numa nova versão do roteiro. Estava cheio de perguntas a fazer, mas senti que ele preferia não explicar muito as personagens ou as intenções do livro. Foi específico apenas com relação ao Cão das Lágrimas, “Tem que ser um cachorro bem grande”, disse. Tentei teorizar sobre o Garoto Estrábico, mas ele não se impressionou: “É só um menino”. Ponto.


O ator Danny Glover em cena de 'Ensaio sobre a cegueira', de Fernando Meirelles. (Foto: Divulgação)Entre um bacalhau com ovo mexido (à Brás?) e a outro com azeitonas e pimentão, conversamos sobre locações e alguns nomes para o elenco. Ele aprovou, por exemplo, a escolha de Danny Glover para interpretar o Velho da Venda Preta. Isso foi uma boa notícia, uma vez que este personagem será uma espécie de alter ego do próprio escritor, ao menos é como eu estou encarando.

Danny Glover, assim como Saramago, é um homem grande e cheio de vitalidade. A venda preta em um dos olhos da personagem e a catarata no outro tem alguma relação com os pesados óculos do autor e é algo carregado de sentidos. Por não enxergar muito bem talvez este personagem viva mais em contato com seu mundo interno e imune à superficialidade do mundo sensorial, o que lhe permite, mesmo quando vítima da cegueira branca, compreender melhor e refletir sobre o caos onde todos estão instalados.

Na epígrafe do livro Saramago diz: “Se pode olhar, veja. Se pode ver, repara". Olhar com a percepção mecânica da visão, ver como uma observação mais atenta do que nos aparece à vista, uma visão analítica, e finalmente reparar no sentido de se libertar da superficialidade da visão e se aprofundar no interior do que é o homem e assim conhecê-lo. Se isso faz algum sentido, este Velho da Venda Preta será um homem que repara, que tem subjetividade e vida interior como o próprio autor.


Pôster nacional de 'Ensaio', com Julianne Moore
e Alice Braga no elenco. (Foto: Divulgação)Apesar de feliz pelo encontro, aquela noite me deixou apreensivo. Por ter sempre recusado a vender os direitos de seus livros para adaptação (“cinema destrói a imaginação”) achei que ele não estivesse interessado no filme.

Para meu desespero, estava enganado. Ele está interessado sim, perguntou várias vezes quando ficaria pronto ou quando poderia assistir algo. Depois do nosso encontro, me mandou um e-mail dispondo-se a colaborar caso eu precisasse e dizendo-se totalmente confiante em relação ao nosso trabalho. Antes não estivesse tão confiante assim, o risco de uma grande decepção seria menor. Sei que nenhuma projeção desse filme será tão tensa quanto a que farei para apresentá-lo ao autor da história.
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