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Sexta-feira, 10 de maio de 2024

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Filarmônica de NY apresenta obra de Beethoven pela 3ª vez na história

Amar esse trabalho pode ser difícil. Mas admirar sua grandeza? Sem problema. A Missa Solemnis de Beethoven espanta o ouvinte pela natureza monumental da composição. Mas compreender a obra, que Beethoven considerava como sua maior composição, não é tão fácil.

Amar esse trabalho pode ser difícil. Mas admirar sua grandeza? Sem problema. A Missa Solemnis de Beethoven espanta o ouvinte pela natureza monumental da composição. Mas compreender a obra, que Beethoven considerava como sua maior composição, não é tão fácil. Não é uma peça executada com frequência nem parecida com, digamos, a da Nona Sinfonia, trabalho mais laico criado na mesma época. A Filarmônica de Nova York apresentará a Missa Solemnis apenas pela terceira vez desde 1978, esta semana.


Alan Gilbert, diretor musical da orquestra, escolheu a obra como programa final de sua primeira temporada no cargo. Os regentes muitas vezes escolhem trabalhos monumentais para encerrar uma temporada, como a Nona de Beethoven ou a Sinfonia dos Mil, de Mahler. Em entrevista na segunda-feira, Gilbert declarou que desejava fazer uma declaração menos bombástica e mais expansiva, para marcar o início da trajetória de um maestro que ainda tem anos a viver como líder da Filarmônica. Ele destacou o fato de que os acordes do apelo de Beethoven pela paz, Dona nobis pascem, no final da obra, se encerram sem uma resolução tonal ou rítmica firme.

"Creio que seja um fim realista", diz Gilbert. "É assim realmente que o mundo funciona. Não podemos ter certeza de que haverá paz. Era verdade então, e continua verdade. Para mim, é algo de muito comovente".

Por que não ouvimos essa peça com mais frequência?
As dimensões imensas - coro, quatro solistas, órgãos, orquestra expandida - podem ser responsáveis, em parte. A música oferece mudanças súbitas e quase violentas de caráter, harmonia e ritmo. A partitura do coral é chocantemente difícil. Joseph Flummerfelt, cujo New York Choral Artists está unindo forças com a Filarmônica para o espetáculo, disse ter dedicado atenção especial à articulação devido aos ritmos altamente dinâmicos das linhas vocais.

Um crítico britânico, em 1845, expressou "absoluta confusão diante dessa peça labiríntica". O tema poderosamente espiritual pode de certa forma ter influenciado sua relativa ausência nos concertos modernos, cujos espectadores talvez cultuem mais a Beethoven que ao Todo Poderoso.

Beethoven concebeu a Missa Solemnis para um propósito litúrgico específico: celebrar a indicação de seu patrono, o arquiduque Rodolfo, como arcebispo de Olmütz, Moldávia, em 1820. Ele atrasou em dois anos a entrega da peça, e ela se expandiu para bem além das fronteiras da música litúrgica.

Foi a mais importante declaração de espiritualidade por parte do compositor, uma "representação simbólica da busca humana pela paz que só pode ser descoberta por meio do sentimento religioso, tanto coletiva quanto pessoalmente", escreveu Lewis Lockwood, um estudioso da obra de Beethoven.

Naquela altura tardia de sua vida, diz Gilbert, tudo que Beethoven compunha estava em "um plano espiritual de alta exaltação". A peça representa em música o esforço do compositor para acomodar sua crença.

Beethoven foi claro sobre sua intenção: "Meu único propósito era evocar sentimentos religiosos nos cantores e espectadores, e instilá-los de maneira permanente", ele escreveu em uma carta. (A despeito dos sentimentos elevados, ele tentou mercadejar a peça em diversas cortes europeias, porque precisava do dinheiro. "Às vezes temos de dedicar atenção a coisas mais baixas", escreveu o compositor a um amigo. "Isso é parte do destino humano". O rei francês Luís 18 deu ao compositor uma medalha de ouro de 225 gramas).

Os musicólogos, especialmente Warren Kirkendale em um influente artigo publicado em 1970 pela The Musical Quarterly, apontou que a música tem bases firmes nos Evangelhos, nos escritos dos patriarcas da Igreja e em tradições seculares quanto à música de missas.

Escrito com base no texto da missa latina e dividido em cinco seções - Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei -, o trabalho começa com acordes grandiosos, linhas altaneiras das madeiras, entoações corais da palavra Kyrie e destaque para a voz do tenor, que ao longo de toda a missa faz os grandes anúncios, em modo heróico.

A seção Gloria, como seria de esperar em Beethoven, é um coral intrincado com acompanhamento orquestral denso. Em Gloria in excelsis Deo, quando o celebrante ergue os braços, a melodia também se eleva, aponta Kirkendale; e cai depois em Adoramus, quando o padre inclina a cabeça.

Beethoven não economiza palavras na seção Credo, a declaração de fé católica, aberta por uma sequência de acordes enfática.

Kirkendale apontou que os trinados lentos das flautas que cercam "et incarnatus est" "o trecho sobre a encarnação de Jesus - representam a pomba como Espírito Santo voando em torno da cabeça da Virgem. Os trombones entram como referência ao Juízo Final, de acordo com os Evangelhos, e os tremolos das cordas acompanham os tremores dos pobres pecadores que aguardam o seu veredicto.

Uma gigantesca fuga se inicia com "et vitam venturi saeculi" ("e a vida de um mundo por vir"), e dura por muito tempo. Talvez pela eternidade?

Em seguida, a seção Sanctus: no mais sagrado momento da Missa Solemnis, a consagração pelo celebrante na qual o vinho e pão se fazem sangue e carne, Beethoven cria uma seção sinuosa e discreta para a orquestra, durante a qual, dispõe a tradição, o organista da igreja tem espaço para improviso.

O momento se encerra com um clarão luminoso de violino solo, um Sol elevado, bem agudo na escala, acompanhado por flautas. O crítico britânico Donald Francis Tovey define o momento como "miraculoso, como necessário". O pungente solo de violino se estende longamente, combinado às vozes, em modo concerto, e dá início à seção Benedictus.

"É um sonho para o spalla", diz Glenn Dicterow, que ocupa essa posição na Filarmônica há 30 anos. Mas não é fácil executar o trecho. As notas não se encaixam com facilidade. Linhas longas e largos saltos são frequentes. A transição é especialmente difícil. "É preciso sair daquele som maciço dos violinos em uníssono e subitamente você está no solo", diz Dicterow.

A seção final, Agnus Dei, traz música surpreendentemente belicosa: trompetes vivazes, e o rufar dos tambores de batalha. A música militar tem longa tradição nas missas musicais. O compositor acrescentou uma nota à seção, definindo-a como "oração pela paz interior e externa", o que pode parecer um apelo pessoal de Beethoven mas, segundo Kirkendale, é uma invocação "baseada em antigos conceitos teológicos".

A peça estreou em São Petersburgo em 7 de abril de 1822. Três das seções foram executadas em Viena um ano mais tarde, no mesmo dia da estreia da Nona Sinfonia, que também deu origem a uma das mais célebres históricas sobre a música clássica. Os músicos tiveram de voltar Beethoven na direção da audiência que aplaudia ruidosamente ao final da peça, mas não incluía o imperador ou o arquiduque Rodolfo.
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