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Sexta-feira, 20 de setembro de 2024

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Desembargador Ernani Vieira de Souza: Morre um peso pesado

Existem pessoas nascidas neste mesmo planeta que respeitam só quem as conseguem fitá-las nos olhos, cara a cara, frente a frente. Não dão a mínima para aqueles que as olham de lado, pelas costas ou aqueles interlocutores que, diante delas...

Existem pessoas nascidas neste mesmo planeta que respeitam só quem as conseguem fitá-las nos olhos, cara a cara, frente a frente. Não dão a mínima para aqueles que as olham de lado, pelas costas ou aqueles interlocutores que, diante delas, portam-se cabisbaixas, submissas. Mas estão longe de serem arrogantes. Não, a arrogância não lhes é o principal defeito. Os arrogantes são covardes e, para essas pessoas, a covardia lhes afronta, diminui. Os defeitos são outros, que não vêm ao caso agora.


Quem exige o olhar cara a cara é altivo, de embate, firme, posicionada, tem espinha dorsal. São pessoas que não gostam de brigas, mas não arredam os pés diante do confronto. As portas vão lhes abrindo por onde passam. Quem não tem peito evita compartilhar com elas o corredor. Por respeito, por temor ou por considerar o corredor muito estreito, demasiadamente estreito.

Invariavelmente, são líderes, chefes, comandantes. E também são amados e odiados, em igual intensidade.

Não importa aqui também se são pessoas más ou boas, se foram más ou se foram boas. Nem se são ou foram justas ou injustas. São ou foram o que nasceram, ou são ou foram como se construíram, se edificaram.

É gente que vive com intensidade e profunda compreensão de sua própria mortalidade.

Enfim, é gente que vale ou valeu à pena. Gente que vale a pena um artigo em jornal. Mesmo que nota fúnebre, infelizmente.

Estou falando de pessoas como o desembargador Ernani vieira de Souza, que morreu nesta segunda-feira, vitimado por um câncer no fígado. Tinha 73 anos e atuou como juiz por cerca de 40 anos em Mato Grosso.

Confesso que nunca fui de sua roda de amizade. A maioria dos encontros sempre foi motivada pelo trabalho - e talvez eu nem seja a pessoa mais indicada para falar sobre esse personagem marcante do Judiciário de Mato Grosso.

Mas o entrevistei muitas vezes por jornais como o Diário de Cuiabá e soube como poucos com quantos olhares se trocam palavras. Quanto custa encarar frente a frente um peso pesado. E o quanto de preparação exige um repto.

Não foi fácil enfrentá-lo, desafiá-lo com perguntas. E algumas matérias foram históricas, como a que contava sobre a sua influência no Tribunal de Justiça - em uma época de outros pesos pesados, como Flávio Bertin, Odiles de Freitas, Benedito Pereira do Nascimento, Salvador Pompeo de Barros Filho - apenas para citar alguns.

Mas também foi formidável nunca ter sido traído em uma declaração, ou seja, Ernani sempre sustentou todas as frases e respostas. Mesmo aqueles comentários que não precisavam ser ditos, pois pouco acrescentava à história.

Se se levar em consideração os tempos atuais, o desembargador falou pouco, pois viveu numa época em que o Judiciário não falava, era quase mudo. O quase existia por pessoas como ele, que não tinha receio de falar, de se expor, de se posicionar. Era habilidoso, articulado, articulava. Foi um líder entre os seus pares.

Durante longos anos as suas intervenções foram ouvidas com respeitoso silêncio nos plenários, salões e gabinetes do Palácio da Justiça.

Mas Ernani Vieira também colecionou desafetos, que agora não cabem no texto. Ele não estará disponível para a inevitável réplica.

Escrevo este artigo também para atender a Marcos Coutinho, deste portal Olhar Direto. Coutinho o confrontou, o enfrentou, inclusive no seu domínio, a Justiça. Coutinho perdeu a querela, mas respeita Ernani Vieira de Souza, e exige-lhe homenagem.

Até porque o desembargador Ernani Vieira de Souza passou para a história. E quem entra para a história é outra história.

Será lembrado pelos amigos e pelos inimigos. Pelos que o respeitaram e pelos que não tiveram a coragem de lhe faltar o respeito, embora o quisessem - porém faltou a coragem para o cara a cara, olhar no olhar, o frente a frente. Agora já é tarde.


Américo Corrêa, jornalista em Cuiabá.
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