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Segunda-feira, 06 de maio de 2024

Notícias | Ciência & Saúde

"Acho um absurdo vender esperanças", diz secretária de SP sobre células-tronco

No comando da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que completou um ano em março, a médica Linamara Rizzo Battistella afirma que a pasta do governo de São Paulo não vai destinar nenhum centavo para estudos relativos às células-tronco. "Não entendo que esse seja o caminho mais rápido para melhorar a vida das pessoas com deficiência. Temos de ter esperança, sempre, mas não ilusões."


Para secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência, é absurdo "vender esperanças".

A secretária, que é casada e mãe de três filhos, é responsável por fomentar políticas voltadas a um público que corresponde, segundo estimativas da própria pasta, a 11,4% dos 39,8 milhões de paulistas (quase 4,5 milhões de pessoas).

Battistella avalia que o Sistema S (conjunto de entidades da indústria, comércio e serviços, que atua na formação de mão-de-obra para esses setores) exclui o deficiente quando cria turmas de aprendizagem específicas para esse grupo. A secretária afirma ainda que todas as escolas estaduais estarão livres de barreiras arquitetônicas, que impedem o acesso dos deficientes, 'em breve'.

Folha - Os empresários batem na tecla de que não há deficientes qualificados para que possam cumprir a lei de cotas. Isso é fato?

Linamara Rizzo Battistella - O perfil das ocupações muda muito rapidamente e as escolas de formação não conseguem acompanhar. Isso causa impacto em jovens com ou sem deficiência. O empresário tem mecanismo para agir, por exemplo, cobrando do Sistema S, que tem um compromisso social, a partir do momento em que tem facilidade fiscal estabelecida. Essa instituição precisa se comprometer não só a treinar o jovem que está entrando no mercado, mas também a continuar a dar assistência ao profissional. Isso serve para todos, mas quem é mais prejudicado é a pessoa com deficiência, que não tem acesso aos cursos e é separada em turmas exclusivas, o que é um mecanismo posto, com clareza [pelo Sistema S], de um sentimento de exclusão. Contra barreiras arquitetônicas é possível fazer leis, já contra atitudes...

Folha - Mas o costume é só oferecer vagas de baixa qualificação.

Battistella - O fato de ter um diploma não diz exatamente a capacidade no desempenho de uma atividade. A pessoa com deficiência é reativa porque ela sempre foi excluída e avalia que tem o passaporte para exigir um trabalho. Isso não funciona. Entendo que haja, sim, restrições por parte do empresariado a esse grupo social. Mas imagino que é preciso mudar a forma de apresentação do candidato deficiente ao mercado.

Folha - A sra. é favorável às cotas?

Battistella - Os números mostram que levar a diversidade para dentro da linha de produção é um bem para todos. Dos 2,2 milhões de pessoas que foram em busca do auxílio previdenciário em 2007, a perícia apostou na capacidade laboral a partir da requalificação de apenas 60 mil. Dessas, 21 mil realmente voltaram a trabalhar. Quem paga essa conta é o empresário. Se ele entender esses custos, vai achar mais fácil apostar na lei de cotas e investir na qualificação.

Folha - O projeto da casa popular acessível, umas das vitrines da secretaria, parou em leis municipais?

Battistella - Foi uma surpresa. Para mim, não há cidadania se a pessoa não tem endereço. Quando o projeto foi anunciado, descobrimos uma restrição nas legislações municipais para considerar uma moradia como de interesse social, aquelas de que a prefeitura abre mão do IPTU. Em São Paulo, por exemplo, a moradia não pode ultrapassar 55 m2 de área útil. Mas a casa acessível ideal tem três quartos e 60 m2. [A casa acessível deve ter banheiro adaptado, portas mais largas e corredores amplos]. As pessoas com deficiência permanecem mais tempo em casa e, cada vez mais, felizmente, as famílias brasileiras estão abrigando seus idosos, por isso os três dormitórios. Já começamos a conversar com as prefeituras para tentar mudar as leis. Enquanto isso, a casa acessível terá 52 m2.

Folha - O orçamento da pasta é de cerca de R$ 35 milhões, enquanto o da Comunicação é de R$ 155 milhões. Quais são as prioridades?

Battistella - Estamos fazendo um banco de dados com informações disponíveis em todas as secretarias de Estado. Queremos conhecer melhor a população com deficiência e saber de que ela precisa. Esse mapa também vai nos ajudar a definir, junto com o Tribunal Regional Eleitoral, a distribuição das urnas acessíveis. Queremos trabalhar o direito à escolha, que está na Declaração Universal dos Direitos Humanos, para que o voto seja o reflexo disso.

Folha - Ainda falta informação para que a sociedade conheça a realidade do deficiente. Há quem pense que esse público não tem vida social ou amorosa. Há alguma ação prevista para mudar isso?

Battistella - A partir do site [pessoacomdeficiencia. sp.gov.br] e da presença da secretaria em todos os eventos é que podemos levar informação. Mas a tarefa de fazer da sociedade um clube de iguais precisa ser contínua. O governo tem de fazer campanhas educativas. A paralisia infantil não teria sido erradicada sem que as pessoas tivessem direito à informação. As pessoas podem ter a melhor cadeira de rodas, e não aquelas sem qualidade que são doadas. Não vejo outro meio de garantir que elas saibam disso sem grandes campanhas.

Folha - A situação do transporte público é crônica, mas afeta mais o deficiente. É possível resolver?

Battistella - O transporte público em São Paulo não serve a ninguém, porque há um problema concreto: as distâncias a serem superadas. A pessoa com deficiência sofre um agravante, uma vez que o tempo que ela fica sentada pode significar perda da funcionalidade no corpo [lesões na pele, infecções urinárias]. Para pessoas que precisam de transporte rápido para ir ao trabalho, ao médico ou à escola, é mais barato fechar um acordo com táxis adaptados. Na Europa, funciona assim.

Folha - É comum encontrar escadas nas escolas públicas do Estado...

Battistella - Tenho certeza de que as barreiras arquitetônicas serão todas removidas em breve. O meu temor é que o educador pense que isso resolva a questão da acessibilidade. Há um orçamento do FDE [Fundo para o Desenvolvimento da Educação] exclusivo para eliminar as barreiras, e nós estamos controlando isso. A questão, porém, são os arredores da escola, como a criança chega à escola, que é uma responsabilidade das prefeituras. É preciso também resolver a questão do material didático, a maneira como o professor trabalha o aluno com deficiência. A escola é o melhor local para garantir o conceito de inclusão.

Folha - A secretaria auxilia no financiamento das pesquisas com células-tronco em andamento?

Battistella - Acho um absurdo vender esperanças. Sou absolutamente contra a forma como se coloca isso [as pesquisas] para o público. A ciência de boa qualidade consegue superar as barreiras sem perder de vista os limites éticos. Não entendo que esse seja o caminho mais rápido para melhorar a vida das pessoas com deficiência. Temos de ter esperança, sempre, mas não ilusões. Esse é um caminho que ainda não se mostrou viável na questão da lesão medular, da paraplegia. É preciso olhar para aquilo que a vida nos deu e viver com aquilo que temos. Cruzar os braços e ficar esperando o resultado de uma pesquisa enquanto a vida passa lá fora é um absurdo. Não podemos colocar as pessoas em uma situação de risco perdendo de vista o direito à vida. A secretaria não reservou nenhum recurso para esse tipo de pesquisa. Entendo que células-tronco têm resultado de sucesso para alguns tipos de câncer. Mas o grupo de pessoas que a secretaria representa precisa de outras linhas de pesquisa que o coloque dentro da sociedade.
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