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Segunda-feira, 06 de maio de 2024

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Crianças refugiadas cantam músicas brasileiras em coral em São Paulo

Foto: Victor Moriyama/ G1

Crianças refugiadas cantam músicas brasileiras em coral em São Paulo
Crianças refugiadas em São Paulo têm encontrado na música uma maneira de superar as difíceis lembranças do passado. Nas tardes de domingo, elas se encontram para os ensaios de um coral que se prepara para fazer apresentações públicas na capital paulista e no Rio de Janeiro já no mês de novembro.


Desde março, as 65 crianças têm dado vida aos jardins do Museu da Imigração, no Brás. Tão logo elas passam pelo portão de entrada se dispersam correndo de um lado para o outro. Sem espaço para brincar em casa ou nos abrigos onde moram, o contato com a natureza fascina esses pequenos que deixaram para trás países em guerra, perseguições políticas e muita tristeza.

“Eles gostam muito de cantar, mas, se não puder brincar no jardim, esse encontro não vale a pena. Eles têm uma relação muito especial com tudo que pode representar a liberdade”, observa a atriz Vivianne Reis, de 35 anos, responsável pelo coro infantil Coração Jolie.

As crianças, que têm de 3 a 12 anos, vêm de lugares como Síria, Congo, Jordânia, Palestina,Angola e Sudão. E, espontaneamente, elas formam grupos de acordo com a língua que falam. As crianças são divididas em dois grupos para o lanche da tarde. As sírias brincam no jardim enquanto as de países africanos lancham. Só depois se reúnem para cantar.

A dor e o medo que viveram no passado parecem deixar ainda vestígios. Durante os ensaios, alguns ficam com o olhar perdido, mas rapidamente voltam a cantar. A língua não é barreira. Lado a lado, entre um verso e outro, escapa um carinho, um beijo. A euforia de estar em grupo também é inevitável, por isso, ordenar o grupo para o ensaio não é tarefa fácil e exige bastante energia dos voluntários.

O domingo (4) foi um dia atípico para o grupo, que arrecada doações através de uma página no Facebook. Por conta do Dia das Crianças, brinquedos foram distribuídos por voluntários. E foi com os ursos de pelúcia nas mãos que eles ensaiaram e improvisaram uma apresentação para a equipe de reportagem.

Nesse domingo também começaram a aprender “Azul da Cor do Mar”, clássico de Tim Maia. Entre as músicas que já compõe o repertório do grupo, está “Aquarela”, de Toquinho, que exige deles um esforço adicional para pronunciar tantas palavras novas para um vocabulário ainda limitado.

Os versos de “O Sol”, que virou sucesso com o Jota Quest, parecem liderar a preferência entre os pequenos. O refrão que “Ei, dor! Eu não te escuto mais. Você, não me leva a nada” ganha um sentido muito mais profundo quando se lembra das histórias das crianças.

É na brincadeira com as palavras que vão sendo trabalhados os traumas e os bloqueios. Temas como medo, fronteira e sonho estão presentes de alguma maneira nas letras. “Elas sabem que elas estão cantando pedindo paz, elas entendem o que a canção está trazendo. É muito bonito vê-las cantar.”

Outro objetivo do trabalho é sensibilizar os brasileiros para o potencial das crianças. “Elas não são um fardo, não são terroristas. A única coisa que elas compartilham é que tiveram um começo muito difícil nas suas vidas, mas elas estão aqui e só estão pedindo uma oportunidade para viver, para recomeçar. Queremos que todos possam ver a alegria delas, a força de viver que elas têm e o tanto que elas têm para contribuir com a gente”, conta Vivianne.

Preconceito
“E se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou”, cantarolava o angolano David, de 8 anos. Ele e dois de seus irmãos, Ângelo e Tainá, participam do coral há algumas semanas.

“Eu gosto do Brasil, mas eu tenho saudades de Angola. Tenho saudades de brincar com minha bicicleta, aqui eu não tenho bicicleta ainda”, contou. Ele diz gostar dos ensaios. “Eu já fiz amigos aqui. Eu gosto mais da Vitória, que também é da África. Ela brinca muito comigo”, contou.

A família ainda mora em um abrigo na Penha, na Zona Leste. A mãe, Sofia Mabanza, explica que apenas recentemente, após o nascimento do caçula da família, a documentação da família foi regularizada. “Cheguei aqui dois meses antes do Daniel nascer. Como tenho um filho brasileiro, conseguimos os documentos. Todo mundo pedia os documentos para o meu marido na hora de procurar emprego”, disse.

Para eles, o português não é uma barreira, mas permite também que compreendam rapidamente o preconceito do qual são alvo. “A vida ainda está um pouco dura. No abrigo, outros moradores xingam a gente de negão nojento, dizem que a gente veio roubar emprego dos brasileiros. Meu filho perguntou para a professora se todo brasileiro pensa assim. Ela disse que não, que essas pessoas não têm Deus no coração”, afirma Sofia.

Medo de trovão
Há dois anos no Brasil, a síria Sana de 4 anos, se expressa pausadamente, mas sem sotaque em português. O irmão dela, Abdu Alaah, de 3, também se arrisca sem medo de errar embora ainda tropece encantadoramente nas palavras. A mãe Hanan Othman diz estar satisfeita de ver a adaptação das crianças. “Tem brinquedo, tem escola. Eles estão felizes aqui”, afirma.  

A lembrança da bomba que atingiu a casa que a família vivia em Damasco, no entanto, ainda está viva na lembrança. “Aconteceu uma coisa lá na janela que quebrou tudo”, diz Sana. Ao ser questionada se ficou com medo no momento do ataque, Sana apenas balança a cabeça positivamente, mas o irmão completa dizendo que ela teve dor no pé, ferido por um estilhaço.

Recentemente, um trovão durante a madrugada assustou Hana. “ ‘Mamãe, mamãe, o avião’, ela falava e agarrava o meu braço”, conta a mãe. Para a menina, o barulho se assemelhava à passagem dos aviões de combate que lançam as bombas durante a guerra civil. 

‘Queria ser criança e esquecer o que eu vi’
A síria Shaned, de 6 anos, também se mostra habilidosa para aprender o português, mas admite gostar de conversar em árabe com as novas amiguinhas do coral. Ela diz gostar de canções infantis em árabe. Da turma das mais baixinhas, ela fica na parte da frente quando o coral se posiciona para as apresentações. Ela acompanha as letras sem tropeços.

A mãe, que era professora de inglês, Rafah Alkhadraa, de 30 anos, diz que a filha, que deixou aSíria com 2 anos, não se lembra da guerra. Elas chegaram ao Brasil há cerca de um ano após passar dois anos no Egito.

“Em Damasco não temos grandes problemas, mas falta eletricidade, não tem escola. Nós ouvíamos as bombas. Da minha janela, eu só via fumaça. Shaned não lembra de nada. Queria ser criança também para esquecer o que eu vi”, diz Rafah.

A Europa enfrenta maior crise migratória desde a Segunda Guerra Mundial. São 60 milhões de pessoas em deslocamento forçado, segundo a Organização das Nações Unidas. Destas, 20 milhões são refugiadas e cerca de 4 milhões são sírias. A maior parte se deslocou paraJordânia, Líbano e Turquia.

As últimas estimativas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) apontam que mais de meio milhão de migrantes atravessaram o Mediterrâneodesde janeiro de 2015. Do total, 54% são sírios e 13% afegãos, que tentam fugir dos conflitos em seus países.

O Brasil tem concedido asilo a mais refugiados sírios do que os principais pontos de destino de refugiados na Europa, de acordo com levantamento publicado pela BBC.

O Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que é vinculado ao Ministério da Justiça, aponta que 2.097 sírios receberam asilo do governo brasileiro neste ano. Com isso, os sírios constituem o principal grupo de refugiados reconhecidos no país.

Em setembro, o Conare decidiu prorrogar por dois anos a emissão de vistos especiais para refugiados sírios no país. A resolução foi aprovada em setembro de 2013 e perderia a validade no fim do mês passado.
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