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Domingo, 07 de julho de 2024

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Conflito entre moradores de ocupação e condomínio evidencia ferida social e danos ambientais

Foto: Olhar Direto

A ocupação toma corpo nos fundos do condomínio, na região do Paiaguás.

A ocupação toma corpo nos fundos do condomínio, na região do Paiaguás.

Rodeada pelos bairros Jardim Vitória, Jardim Florianópolis e Três Poderes, a invasão conhecida como "União" surgiu em 2014, quando incursões com tratores e queimadas começaram a devastar a mata, em uma área de preservação permanente, na região do bairro Paíaguás, em Cuiabá. O local abriga famílias carentes e também faz divisa com o condomínio Bosque dos Ipês, no bairro de classe média, expondo uma série de problemas sanitários, sociais e ambientais. Ali reproduz-se a realidade de outras invasões que pipocam pela Capital, em uma situação conflituosa, que vem causando insegurança e prejuízos materiais a quase 200 famílias que vivem no residencial.


Sem resultados efetivos para suas reivindicações, os moradores do Bosque dos Ipês cobram há mais de dois anos por ações do Poder Público que ponham fim a habitação irregular vizinha. No local, o desmatamento se intensifica com a chegada do período eleitoral e dezenas de novas famílias vêm erguendo suas casas e abrindo espaço para a demarcação de lotes. Neste contexto, a saúde dos que moram nas proximidades também sai prejudicada, principalmente por conta fumaça oriunda das queimadas.

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De acordo com uma das moradoras do residencial, a advogada Renata Batista de Silva, a ocupação representa perigo a ela e seus vizinhos, uma vez que já foram registradas invasões e furtos no local. Assim, além das questões ambientais e sanitárias, a tensão tem aumentado por causa insegurança dos criminosos, que se aproveitariam do trecho de mata fechada que pertence ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ao lado do empreendimento, para entrar e cometer pequenos furtos.

Em uma das ocasiões, um proprietário se deparou com um bandido tentando invadir sua residência. Em outros casos, os vizinhos ouvem o estouro de bombinhas. Ação, que, como informado à eles pela Polícia, serve para verificar se há cachorros nas casas. “Eles pulam a cerca elétrica e entram aqui pra furtar. Pelo menos três casos já foram registrados e, em um deles, a ação só não foi concretizada porque o dono da casa chegou na hora.”

Renata explica que além da Prefeitura, o Governo do Estado também já está ciente da situação, que já foi denunciada em pelo menos oito órgãos, como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Defesa Civil, Procuradoria Geral do Estado (PGE) e Ministério Público (MP), que já fez uma vistoria no espaço. “Em audiência, a Prefeitura apenas deixou claro que não pode retirá-los de lá.”

Do outro lado do muro, entre o mato e o morro, famílias compartilham o que pouco que têm entre cômodos inacabados. Sem portões, piso ou reboco, os barracos se repetem as dezenas pela poeira do morro desmatado. Sob a justificativa de não ter para onde ir, a maioria dos moradores da ocupação União alega ter chegado ali pela mesma motivação: fugir do aluguel.


É o caso do pedreiro desempregado José do Santos, que vive com mulher e filhos em uma casa levantada no início da invasão. Vindo de Rondônia em busca de melhores condições de vida, se viu impossibilitado de pagar por uma moradia na periferia da cidade, investindo na incerteza da ocupação irregular. Sem renda fixa, ele explica que o salário depende do trabalho que consegue fazer no mês, podendo variar entre R$ 1000,00 ou nada.

“Agora mesmo não consegui pegar nenhum serviço. Nem o povo que constrói está tendo dinheiro pra pagar a gente. Está feia essa crise, aí fica difícil. Esse mês, pra dizer a verdade pro senhor, praticamente não consegui comprar coisa pra comer. Todo mundo que está aqui se vira como pode. A gente sabe de família que fica mais de uma semana sem nada de comida dentro de casa. Como que pode? As pessoas tinham que ver esse lado também, dos mais carentes.”

Com relação às tentativas de roubo no condomínio ao lado, José afirma que os crimes não devem ter partido de moradores do União, e sim de bandidos que se aproveitam do matagal entre o condomínio e a invasão para entrar e sair do local e também para esconder produtos roubados. A solução sugerida por ele, no entanto, contraria a principal reivindicação de seus vizinhos mais abastados: acabar com o trecho que resta da mata, para evitar que essas situações se repitam.

“Infelizmente bandido tem em todo lugar, mas se fizer isso fica mais seguro pra eles e até pra nós. A gente vê direto marginal deixando moto roubada aí no mato, se não tivesse não aconteceria isso.”

Saneamento básico e dano ambiental

Também desempregado, o eletricista de alta tensão S.P.S, de 29 anos, chegou ao local há dois anos, por não ter mais condições de pagar os R$ 400,00 de aluguel cobrados pelo imóvel que morava, no bairro Ribeirão do Lipa. Sua expectativa, desde então, é que a situação seja regularizada pela prefeitura, para que tenha acesso à infraestrutura básica, como água, pavimentação, esgoto e eletricidade. Enquanto isso não acontece, vive sozinho em um barraco de madeira, com luz elétrica fraca, oriunda de um “gato” e sem água encanada.

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Seu barraco, levantado em meio a uma trilha de água da chuva, precisará mudar de lugar em breve, já que, no período chuvoso, corre o risco de ser levada pela enxurrada. Ele diz estar ciente destes problemas e também do fato de algumas pessoas invadem para vender os terrenos posteriormente, mas argumenta que muitos, como ele, não tem outra saída. “Eu acho que se não avacalharem muito o meio ambiente, podem até regularizar. Se me tirarem daqui vão me colocar aonde? Em um hotel na Avenida do CPA?”

S.P.S diz que tenta impedir que outros invasores as realizem, uma vez que a repetição destas ocorrências pode prejudicá-los e causar sua remoção dali. “Eles tem razão de reclamar, quem ia gostar de ficar com essa fumaça na cara? Faz até mal pra quem tem neném e também pra nós, que estamos perto. A gente sabe que atrapalha e pede pra ninguém fazer, mas tem gente que não ouve. Aqui no meu [lote] mesmo, foi tudo aberto na mão, pode ver que não tem nada queimado.”

Segundo a professora A.P.S, moradora do Bosque dos Ipês, o prejuízo ambiental se evidencia principalmente pela ausência de animais que viviam ali anteriormente, como pequenos macacos que desapareceram das redondezas. Sua preocupação com a fauna e a flora são motivadas não apenas pela desmate e pelas queimadas, mas também pela proximidade das casas com os mananciais. “Tem moradora criando porcos em um chiqueiro do lado da nascente de água, com fossa passando perto.”

Além disso, segundo ela, a recorrência da fumaça chega a impossibilitar a permanência das pessoas em casa, principalmente nas que vivem crianças. Em um dos incêndios o fogo atingiu a fiação do condomínio e o Corpo de Bombeiros precisou ser acionado por várias vezes. “Quando o incêndio começa muito forte tenho que pegar meus filhos e sair de casa, porque intoxica, não dá pra ficar.”

Na última semana, de acordo com os moradores do União, a polícia ambiental esteve no local e os orientou a não construir nas proximidades dos mananciais e o Ministério Público também já realizou uma reunião com eles. Além disso, devido as ocorrências relatadas, rondas da Polícia Militar (PM), começaram a ser feitas pela região, onde já existe um bar e alguns imóveis a venda.

Outros prejuízos

Os prejuízos se estendem ainda à estrutura do Bosque dos Ipês, que, por conta do desvio hídrico, já enfrenta problemas com a pressão da água que chega ao condomínio. Uma parte do muro também foi comprometida pela queima da vegetação, que segurava a terra do morro nos períodos chuvosos. Os vizinhos temem agora que a proteção desabe e se juntam para fazer um novo investimento para reforçá-la antes que comecem as chuvas.


Mobilizados, representantes das 193 famílias que vivem no residencial vem registrando imagens da evolução do união erepetindo suas cobranças. Eles propõe ao governo uma parceira para a criação de uma área de manejo, na qual a espaço seria entregue aos cuidados do empreendimento, que se comprometerá em reflorestá-la e manter a segurança do local.

Grilagem

Embora tenham começado há dois anos, as ações de desmatamento e construção se intensificaram no início deste ano, quando tratores começaram a derrubar árvores e mais casas passaram a integrar a paisagem. O movimento é atribuído pelos moradores do Bosque dos Ipês ao ano eleitoral, quando a possibilidade de que a invasão se torne um loteamento pode aumentar. 


A acusão também é recorrente nos demais casos registrados pela Prefeitura, e se confirma em inúmeros casos investigado. “Sabemos que nem todos que estão aí estão por mal, mas isso não muda o fato de que estão cometendo um crime, e causado diversos problemas a outros cidadãos. Com eles vem uma turma que não tem nada a perder, inclusive já vimos alguns com tornozeleira eletrônica”, diz A.P.S.

Ela conta que já chegou a ouvir de uma moradora do União que muitos estão invadindo para poder vender os  terrenos no futuro. “A gente ouve várias histórias de pessoas que tem até comércio e invadem pra ganhar mais dinheiro. Isso fica perceptível a noite, quando olhamos por cima do muro e vemos poucas luzes acesas. Ou seja, a pessoa constrói a casa mas não mora aqui, porque a primeira coisa que todos providenciam é energia elétrica.”

Poder Público e ausência de políticas efetivas

As ocupações, que se repetem por diversos bairros da Capital, como os da região da Morada da Serra e Coxipó, desafiam a eficiência ao Poder Público em propor soluções efetivas a população em situação de extrema pobreza. A Secretaria de Ordem Pública, pasta responsável pelas desocupações, informou que está acompanhando o caso do União, mas que depende da burocracia da Justiça para tomar qualquer medida relativa a retirada dos moradores.

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De acordo com o secretário adjunto Noelson Carlos da Silva, somente na última semana a Prefeitura encaminhou 17 processos desta natureza para a Procuradoria Geral do Município (PGM), que aguarda decisão judicial para começar com as desocupações. Destes pedidos, nove são referentes a ocupações iniciadas em 2016, inclusive ao União.  

Noelson diz que o órgão já tomou as medidas cabíveis, realizando autos de infração e identificando os moradores do local. O próximo passo é a reintegração de posse. “A demora acontece porque não podemos realizar a desapropriação enquanto houver famílias ali, então dependemos de uma ordem judicial para fazer. O problema maior é que muitas dessas pessoas têm onde morar e estão grilando a terra para vender posteriormente. O município não tem condições de dar casa pra todos.”

Deste modo, caso sejam retirados do União, os moradores poderão ser encaminhados a abrigos coletivos, onde serão separados por gênero e faixa etária: mulheres e crianças em um, e homens em outro. “Vai que eles tiram a gente daqui e levam pra uma mansão”, comentou uma das crianças que brincava na poeira ao tomar conhecimento de que a situação seria retratada.

Sem definir outras possibilidades de acompanhamento, esta é a única opção sugerida pela Prefeitura aos possíveis desalojados, uma vez que, de acordo com a gestão, não há mais residências populares para serem doadas. Sem capacitação ou acesso a direitos básicos eles continuarão a pertencer a um problema muito mais profundo que ocupação ou desocupação de áreas proibidas.  
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