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Sexta-feira, 26 de abril de 2024

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Secretária critica ‘escola sem partido’ e vê lacuna em orientação familiar sobre drogas e educação sexual

Foto: Rogério Florentino/Olhar Direto

Secretária critica ‘escola sem partido’ e vê lacuna em orientação familiar sobre drogas e educação sexual
Desde 2014 a Câmara dos Deputados discute o chamado ‘movimento Escola sem Partido (ESP)’ e pelo menos 10 projetos de lei sobre o tema foram apresentados na Casa. O PL 7180/14, primeiro a tramitar no Legislativo, acabou sendo arquivado no final do ano passado, mas uma nova versão da matéria já foi entregue aos deputados este ano. Para a secretária de Educação de Mato Grosso, Marioneide Kliemaschewsk, da forma como está o texto não tem levado em consideração o papel que os professores exercem na vida de seus alunos. A educadora fez críticas ao projeto, disse ser contra “doutrinação ideológica”, mas garantiu que esta não é uma realidade nas escolas brasileiras.


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“Eu passei, dos meus 34 anos de trabalho na educação, 26 anos no interior das escolas. E eu nunca vi ou vivenciei um caso de doutrinação ideológica. Eu vivenciei sim discussões em nível de cidadania, como por exemplo, porque é importante votar, o que é uma democracia, o que é um processo democrático, qual é a importância de um aluno construir conhecimentos a nível educacional para que ele possa se sustentar e ter argumento diante de situações que ele possa vivenciar na vida cotidiana dele”, declarou a professora, em entrevista exclusiva ao Olhar Direto.

A suposta ‘doutrinação ideológica’ praticada nas escolas brasileiras é um dos pontos mais polêmicos dos textos que tratam do ESP. Em suma, entre as propostas trazidas estão alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que propõem, por exemplo, a proibição da “doutrinação política, moral, religiosa ou ideologia de gênero nas escolas”.

Os projetos de lei em tramitação na Câmara querem, ainda, dar “precedência aos valores de ordem familiar sobre a Educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”. Neste aspecto, Marioneide ponderou que há uma deficiência histórica por parte das famílias quanto à orientação dos temas.

OD – Com a eleição do novo Governo Federal, que defende o fim do que chamam de “doutrinação ideológica”, o programa Escola sem Partido deve ganhar força. Se implementado [o projeto], de que forma as escolas mato-grossenses podem ser impactadas? Qual a avaliação da senhora sobre o assunto?

 A temática que você levantou, ela não permeia o currículo da escola, por isso nós chamamos de um currículo transversal. Ou seja, não existe um professor habilitado para trabalhar essa área, mas são temáticas que envolvem todas as áreas de conhecimento. Nessa perspectiva, eu acredito que a escola tem um papel importante. Mas por que a escola tem esse papel importante na sociedade? Muito mais do que discutir a questão da ‘Escola sem Partido’, da escola estar discutindo e desenvolvendo projetos relacionados à educação sexual, por exemplo, eu acho que seria preciso discutir como as famílias têm cumprido o seu papel diante desta formação. Ao longo dos anos e, historicamente, essa era uma função das famílias, era a família que orientava seus filhos com relação à educação sexual, a drogas, a tudo isso. [Mas] quando a família passou por esse processo de desestruturação, que é uma das grandes mazelas da sociedade atual, isso passou a ser abraçado pela escola, como mais uma tarefa. E o que a escola faz com isso? A escola ela não está ali para estimular o aluno para determinadas situações, mas ela está ali para orientar, de que forma ocorre essa orientação? Através de seminários, palestras onde vai discutir, por exemplo, drogas. Onde o conhecimento científico repassado é discutido e, preventivamente, passa-se uma visão dentro de um processo de formação humana e cidadã, de quais são as causas e consequências que pode levar o cidadão a ir pro mundo das drogas, por exemplo. Com palestras com parcerias com instituições recomendadas para este trabalho, por exemplo. Se eu vou tratar numa escola de uma palestra sobre DST, eu vou tratar com médicos, doutores, que trabalham com essas especificidades, para que nossos alunos tenham opção de conhecer preventivamente antes de fazer um ato ou fato que possa lhe trazer conseqüências.

OD – Pela sua experiência profissional, há de fato essa ‘doutrinação’ na rede pública de ensino?

Eu sou contra doutrinação ideológica. Mas eu acredito que a escola tem sim um papel de formação cidadã, de formar cidadãos críticos emancipados através do conhecimento. Não através de imposição ideológica, mas através de debate, que faça conhecer o que está se tratando a nível político num estado, em um país e que ao mesmo tempo possa estimular aos nossos alunos a fazerem parte como protagonistas nesse processo.

De uma forma muito tranquila, eu passei, dos meus 34 anos de trabalho na educação, 26 anos no interior das escolas. E eu nunca vi ou vivenciei um caso de doutrinação ideológica. Eu vivenciei algumas discussões em nível de cidadania, como por exemplo, porque é importante votar, o que é uma democracia, o que é um processo democrático, qual é a importância de um aluno construir conhecimentos a nível educacional para que ele possa se sustentar e ter argumento diante de situações que ele possa vivenciar na vida cotidiana dele.

OD – A senhora citou, além dos temas que relacionamos, a questão do combate à violência, ao consumo de drogas. Como a Educação em Mato Grosso trata dessas questões? Quais ações são realizadas nesse sentido?

São problemas que permeiam toda uma sociedade brasileira. A escola, ela está longe de ser o salvador da pátria de tudo isso, porque é necessário muito mais, é necessária uma ação intersetorial e, talvez, esse seja um dos grandes fatores que tenha afetado muito dos nossos profissionais da educação. Porque são atribuídas à educação, muitas funções muito superiores a sua real função. A educação hoje ela entra no combate à fome e a miséria, quando tem que atribuir e distribuir alimentação escolar de qualidade, ela entra no combate a problemas de saúde, quando participa de projetos como saúde na escola, onde tem que agendar horário médico. Tem que acompanhar se o aluno está indo ao dentista, se ele está vacinado, acompanhar outras atribuições que há muito pouco tempo não era da educação. Tem que combater a violência e ao mesmo tempo os grandes problemas sociais que existem que são oriundos, muitas vezes, da estrutura familiar. Então, chega num nível que a educação tem tantas funções pra cumprir, que acaba segregando ou reduzindo a possibilidade de cumprir a sua função principal, que é trabalhar com o processo educativo das crianças, com a formação desse ser humano, garantindo pra ele a proficiência necessária para que ele tenha condições de ingressar em novos desafios educacionais, garantir pra ele conhecimento necessário para que ele tenha qualidade de vida e para que ele possa sobressair no mercado de trabalho. Então, isso é um desabafo até angustiante de uma professora há 34 anos na rede, que veio do chão da escola.

É preciso repensar como estão sendo vivenciadas as políticas públicas intersetoriais para auxiliar na formação do ser humano. E aí, nessa perspectiva, a Seduc tem alguns projetos sim, que ela já desenvolve e tem ampliado, como por exemplo mediação escolar, que vem trabalhando com conflitos interpessoais, trabalhando com a violência na escola, não só com o aluno, mas com a família participando desse processo. E esse é um projeto em parceria com o Ministério Público e o Tribunal de Justiça. Nós temos aí o Proerd, que é uma parceria com a Sejudh, com a PM, onde trabalhamos com aulas com nossos alunos do 5º ao 9º ano, fortalecendo preventivamente uma formação voltada para dizer não às drogas, a violência, ao bullying e etc. Nós temos o projeto Anjos da Escola, que trabalha diretamente com as escolas, e aí nesse trabalho ele acompanha os professores, os alunos, trabalhando estratégias de abordagem, estratégias de mediação e voltada para palestras da área de saúde e principalmente por pais nas escolas.

OD – Dentro do que a senhora acabou de falar, qual o papel dos professores na vida dos alunos?

Ele excede a sua função. Sendo bem sincera com você, eu acho que educação é uma missão, e os profissionais da educação, de uma forma geral, eles se identificam, se dedicam tanto ao trabalho de transformar a educação, de transformar vidas, de buscar e passar para as nossas crianças, os jovens, o conhecimentos necessários para que eles possam galgar posições melhores numa sociedade, qualidade de vida, processo de transformação na sua própria vida. Porque os nossos alunos, são alunos que muitas vezes não tem condições financeiras. Nossas escolas estão nas periferias dos estados, então a educação passa a ter esse processo de formação. Eu não vejo o professor como um vilão, muito pelo contrário. Eu vejo ele como um cidadão que tem boa fé, que tem esperança, que ta na luta por uma sociedade melhor, pela construção de uma sociedade melhor. Vamos ver a periferia de Cuiabá, como está a vida dessa criança, desse jovem, adolescente, que está a todo tempo sendo aliciado e não é só na casa dele, é no bairro, na frente da casa, é na praça que ele vai, no mercado, porque existe uma inversão social de valores muito grande. Então o que precisávamos fazer enquanto escola? Trabalhar com as pessoas, mostrar pras pessoas essa realidade. E de uma forma muito tranquila tentar passar que existe condições de dizer não a tudo isso. Esse tem sido o grande papel dos professores no estado de Mato Grosso, por onde passei e por onde eu vejo.

OD – Recentemente outra questão provocada pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, causou bastante polêmica, quando ele disse que “a ideia de universidade para todos não existe” e que “as universidades devem ficar reservadas para uma elite intelectual”. A senhora acabou de defender a formação de crianças e jovens marginalizados, para que eles se sobressaiam. Como enxerga essas declarações?

O que é elite intelectual no país? Para mim, concordar com isso é simplesmente impossível. Se fosse assim, quem está preparado para ser elite intelectual no país? A educação veio para atender a sociedade como um todo, ela tem como um de seus princípios fundamentais a universalidade do ensino, dar a todos a mesma oportunidade. Onde eu vou chegar vão depender do meu histórico, e meu histórico vai depender muito do meu empenho, minha disciplina, minha organização, de como vejo a educação como processo de transformação na minha vida. Nessa perspectiva, eu discordo do ministro, porque o que nós precisamos, enquanto gestores, representantes de um governo, é investir na educação de qualidade, para aqueles que menos precisam, para aqueles que estão mais vulneráveis, porque eles precisam ter oportunidades de ressignificar suas vidas. E é nessa perspectiva que eu trabalho na educação do estado de Mato Grosso.
 
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