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Quarta-feira, 01 de maio de 2024

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Ramadã, uma ótima época para conhecer o Cairo

Foto: Reprodução

Ramadã, uma ótima época para conhecer o Cairo
Caminhando pelo labirinto de ruas estreitas dentro do Khan el Khalili, o souk do século 14 do Cairo, a atmosfera festiva chamou minha atenção. Luzes decorativas piscavam sobre as lojas de temperos e jóias. Arco-íris de lenços de cabeça e colares de contas coloridos dominavam as ruas, enquanto acima de mim, para todo lugar que eu olhava, lanternas de vidro e latão pontilhavam gentilmente a escuridão com raios vermelhos, amarelos, verdes e azuis.



Lanternas de vidro e latão pontilham a escuridão com raios vermelhos, amarelos, verdes e azuis no Cairo, durante o Ramadã

Na El Fishawy, considerado o café mais antigo do mercado, eu abri caminho com dificuldade até uma rara cadeira vazia saboreando uma xícara fumegante de karkady, um chá vermelho de hibisco. Ao meu redor, homens, mulheres e crianças ofereciam uma enorme variedade de bens e serviços para os afortunados que conseguiram um assento. Se quisesse, eu poderia ter meus calçados lustrados, comprar um lenço de cabeça, escolher um relógio, provar algumas amêndoas e pechinchado por uma bolsa, tudo isso durante um pequeno gole de chá.

Mas eu precisava partir. Com a proximidade da meia-noite, eu segui ao Eros, um clube contemporâneo no centro do Cairo onde as únicas concessões à tradição eram as longas túnicas brancas e os chapéus de fez vermelhos usados pelos garçons. O maitre me recebeu calorosamente, me perguntando se fazia parte da festa privada que estava ocorrendo em uma sala em um extremo do clube. Ao ver o público sofisticado por trás das paredes de vidro, eu fiquei tentada a dizer sim, mas temi que meu desconhecimento de árabe poderia me denunciar assim que entrasse.

Em vez disso, eu escolhi uma mesa no terraço ao ar livre, onde desfrutei de um prato de purê picante de berinjela, homus e baba ghanoush sob árvores decoradas com luzes graciosas e bandeiras brancas que tremulavam. Escutando a música lounge e observando a clientela jovem e elegante fumando tabaco com sabor de baunilha, piña colada ou cereja nos altos narguilés prateados, eu percebi que cerca de um terço das mulheres usava lenço de cabeça, todos combinando tão perfeitamente com suas roupas elegantes a ponto de me deixar tentada a usar um.

Com o soprar de uma quente brisa de setembro, eu achei pertinente um passeio, antes do amanhecer, de faluca pelo Nilo, onde velas enormes movem as embarcações de madeira gentilmente rio abaixo, e onde as almofadas e travesseiros de algodão são extremamente confortáveis, a ponto de poder facilmente ser o passeio de barco mais relaxante do mundo.

Eu ainda tinha uma longa noite pela frente. O sono teria que esperar.

Isso não era exatamente o que eu esperava quando cheguei ao Egito poucos dias antes. Eu cheguei no meio do Ramadã, o nono mês do calendário islâmico e o período mais sagrado do ano, quando os muçulmanos devem jejuar do amanhecer ao anoitecer. Como a maioria dos ocidentais, eu tinha apenas um conhecimento vago do Ramadã e suas tradições, e imaginei que os habitantes do Cairo estariam em um espírito silencioso, reflexivo. Eu esperava uma cidade onde a vida prosseguiria de forma lenta, quase parando. Mas chegando de carro do aeroporto à 1h da manhã, eu fiquei surpresa ao ver os mercados lotados de compradores, famílias nos cafés e uma frota interminável de embarcações no rio.

Ver as lanternas do Ramadã balançando gentilmente nas entradas das lojas, nas sacadas e árvores, em todas as formas e tamanhos, em materiais variando de cobre e latão até plástico, era hipnotizante. Longe de quieto, o Cairo estava positivamente radiante.

Na manhã seguinte, eu aprendi rapidamente a verdade sobre o Ramadã - que é de fato seguido de forma religiosamente séria, com os muçulmanos se purificando por meio de abstinência, bons atos e oração (eles são encorajados a ler todo o Alcorão durante o mês), mas que também é o período mais festivo de sua religião, um em que parentes e amigos permanecem acordados até tarde realizando banquetes e atividades sociais.

É uma mistura quase surreal de piedade durante o dia e festa durante a noite.

Como me explicou Abdullah Shleifer, professor emérito da Universidade Americana do Cairo e ex-nova-iorquino que se converteu ao islamismo: "Não é contra a lei do Islã divertir-se durante a noite, após ter jejuado todo o dia - e é um jejum bastante severo, sem comida, água, tabaco ou sexo do amanhecer ao anoitecer - mas é muito mais comum ver este tipo de vida noturna durante o Ramadã nos países árabes ocidentalizados". Ou como um muçulmano local me disse: "O Ramadã é diferente aqui, já que os egípcios gostam de celebrar sempre que podem".

Longe de ser a pior época do ano para ser um turista no Cairo, ela logo provou ser uma das melhores.

Pegando um folheto com os eventos do Ramadã, eu descobri que havia concertos toda noite tanto em locais fechados quanto ao ar livre; bufês de iftar (a primeira refeição para quebrar o jejum) gastronômico nos restaurantes; e elegantes tendas para o sohour montadas nos principais hotéis da cidade e clubes noturnos para a última refeição antes do amanhecer.

Para curtir o Ramadã como uma moradora, eu decidi mudar meu relógio biológico de alguém que dorme cedo para alguém que dorme tarde (sem problema graças ao jet lag e uma piscina ao lado da qual cochilar). Mas será que eu conseguiria passar o dia todo sem comer ou beber até mesmo água como a população local? Eu decidi que não - particularmente diante da temperatura de mais de 30ºC - mas comi muito pouco durante o dia, me virando com apenas uma fatia de bolo de amêndoa, um copo de suco de romã fresco e uma batata-doce assada cuidadosamente embrulhada em papel alumínio. Isso me manteve até a hora do iftar.

Meu primeiro iftar foi com amigos locais no Dar Al Amar, um restaurante libanês com vista para o Nilo. Uma tigela delicada de azeitonas, uma garrafa de água mineral e uma cesta de pães estavam servidos na mesa. Ao tentar pegar instintivamente uma azeitona, meus companheiros me impediram antes que minha mão chegasse à tigela. "Você não pode comer ainda", minha amiga Sarah me explicou. "Não até após o chamado à oração", acrescentou seu marido, Khalil, apontando para as várias telas de plasma espalhadas pelo restaurante. Eu me perguntei o que a TV tinha a ver com o maghrib (o chamado à oração ao anoitecer). "Eles transmitem ao vivo", explicou Khalil.

Eu cruzei as mãos sobre meu colo, mas mantive um olho na TV, particularmente depois que uma tigela de sopa cremosa de lentilha foi colocada diante de mim. "Está vendo como todos já estão se servindo no bufete para estarem prontos para comer?" Sarah apontou. Eu me perguntava como eles conseguiam resistir a colocar as almôndegas na boca a caminho da mesa.

Então, de repente, a voz do muezzin vindo de uma mesquita branca foi transmitida pelas telas de TV e todos imediatamente pegaram os talheres e começaram a comer. A sala, que estava tomada por conversas animadas, de repente ficou em silêncio - os únicos sons sendo o do mastigar e engolir dos vários alimentos. Eu teria me demorado mais com minha sopa se meus amigos não tivessem me encorajado a ir até o bufete com eles. "A fila pode ficar realmente longa", disse Sarah. O marido dela acrescentou: "E a comida às vezes termina rápido". Eu senti pela primeira vez em décadas o estresse de chegar tarde à cantina da escola.

Felizmente, havia abundância de opções enquanto meus amigos me conduziam pela fila, me apresentando pratos que nunca tinha provado antes: um frango ensopado maravilhoso com creme e nozes, uma massa folhada coberta com carne moída, cebola e nozes, e foul (uma pasta de favas com limão, azeite de oliva e cuminho). Preocupadas com a sobremesa, nós enviamos Khalil de volta para uma bandeja de iguarias - baclava, uma massa folhada amanteigada com mel; kunafa, uma sobremesa com queijo ricota, macarrão aletria e calda; e ataif, uma panqueca doce recheada de ricota. Quando soube posteriormente que muitos muçulmanos ganham peso durante o Ramadã apesar de todo o jejum, eu não me surpreendi.

Mas não apenas a quantidade e a qualidade dos pratos eram muito boas, mas também o preço. Apesar de caro para muitos egípcios, a maioria dos bufês de iftar que vi custava o preço fixo de cerca de 120 libras egípcias (cerca de US$ 23, com o dólar cotado a 5,30 libras) por pessoa, podendo comer à vontade. Bebidas, por outro lado, não estavam incluídas e são outro assunto completamente diferente.

Apesar de nunca ter me visto ávida e checando meu relógio na espera pela hora do jantar, eu me vi ansiando por um drinque no happy hour. Um revés de visitar o Egito nesta época do ano é que as regras contra consumo de álcool são mais rígidas. Em consequência, quase todo restaurante e café fica temporariamente seco. Quando parei no restaurante Sequoia para fazer uma reserva para o iftar, o maitre me interrompeu antes que eu pudesse até mesmo dizer meu nome. "A senhora está ciente de que não é servida nenhuma bebida alcoólica neste período?" ele perguntou, parecendo quase tão preocupado em dar a notícia quanto eu em recebê-la.

Felizmente, eu descobri que a maioria dos bares de hotel ainda podia vender drinques caros para não-egípcios durante o Ramadã (não deixe de levar consigo seu passaporte). Assim, eu desfrutei de um particularmente refrescante, e reapreciado, gim com tônica no bar no terraço do Sofitel certa noite, assistindo ao sol se pôr sobre o Nilo.

Mais surpreendente, minha sede por álcool foi rapidamente contida quando provei meu primeiro drinque de frutas sem álcool. Havia purês cremosos de morango, damasco e manga; espumosos leves de limão, goiaba e maçã; milk-shakes de mamão e coco. Desintoxicação nunca pareceu tão fácil quanto no Egito.

Passear pelos pontos turísticos também era uma opção mais saudável durante o Ramadã. Os muçulmanos são proibidos de fumar (um passatempo favorito aqui) até o anoitecer durante o período, e com menos pessoas trabalhando em um dia normal, havia menos poluição diurna tanto devido ao trânsito (estima-se que 17 milhões de pessoas vivam na grande área metropolitana) e menos "música do Cairo", uma expressão querida que ouvi, dada ao barulho incessante causado por motoristas buzinando.
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