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Segunda-feira, 06 de maio de 2024

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Jordanianos de origem palestina perdem cidadania

Muhannad Haddad cresceu aqui, frequentou a escola aqui, conseguiu um emprego em um banco daqui e viajou para o exterior com passaporte daqui. Mas um dia as autoridades disseram que ele não era mais jordaniano. Com esse único golpe, tiraram sua cidadania e comprometeram sua capacidade de viajar, estudar, trabalhar, receber assistência médica, comprar propriedades e até mesmo dirigir.


As autoridades disseram que estavam fazendo isso para o seu próprio bem. Elas afirmaram que, assim como milhares de outros jordanianos de origem palestina, ele estava sendo despido de sua cidadania para preservar seu direito de, algum dia, retornar à Cisjordânia ocupada ou ao leste de Jerusalém.

“Eles me deram um papel que dizia: ‘Agora você é palestino’”, disse Haddad, relembrando o dia, três anos atrás, em que sua vida mudou.

Em um relatório intitulado “Novamente sem estado”, publicado em fevereiro, a organização Human Rights Watch afirmou que 2.700 pessoas na Jordânia perderam sua cidadania de 2004 a 2008, e que pelo menos outras 200 mil permanecem vulneráveis, em grande parte aqueles que se mudaram para o exterior em algum momento em busca de trabalho.

O governo diz que está tentando ajudar ao exigir que jordanianos de origem palestina que deixaram a Cisjordânia ou Jerusalém após a guerra de 1867 mantenham válidos seus documentos israelenses. Isso virou um tema mais urgente recentemente, dizem analistas políticos e membros do governo, com a ascensão de um governo israelense de direita e seu ministro das relações exteriores ultra-conservador, Avigdor Lieberman.

“Não é segredo que alguns elementos em Israel gostariam de ver as áreas palestinas sem as pessoas”, disse Nabil Sharif, ministro de estado e porta-voz do governo da Jordânia. “Não queremos fazer parte disso.”

No entanto, críticos e defensores dos direitos humanos veem uma motivação diferente dessa. Eles dizem que o governo da Jordânia agiu para preservar seu próprio interesse, tentando acalmar jordanianos não-palestinos preocupados com a crescente influência econômica e política de cidadãos de origem palestina, uma acusação negada por Sharif. Eles também afirmam que, aparentemente, a Jordânia está aterrorizada pela declaração da Jordânia como um território palestino, como alternativa a um estado palestino na Cisjordânia e em Gaza.

Os críticos acusam o governo de agir de maneira arbitrária, frequentemente dividindo famílias entre cidadãos e não-cidadãos, às vezes com base na época de seu nascimento, e por não oferecer caminhos eficazes para apelos a decisões envolvendo cidadania.

Há anos dirigentes da Jordânia expressão preocupação em preservar o equilíbrio demográfico em uma nação de 6 milhões de pessoas, dividida quase igualmente entre aqueles da margem oriental do rio Jordão – considerados os jordanianos originais – e aqueles da Cisjordânia.

“O governo não está fazendo isso para apoiar os palestinos em seu direito de voltar”, disse Fawzi Samhouri, diretor de uma organização de direitos humanos em Amã, capital da Jordânia. Em vez disso, ele afirmou, o governo está respondendo a pressões políticas internas, porque “algumas pessoas acham que esses procedimentos reduzirão a porcentagem da população que é de origem palestina”.

Em entrevistas, sete homens palestinos que perderam sua cidadania descreveram uma cadeia similar de eventos. Eles disseram isso ocorreu durante uma interação rotineira com o estado – renovação da carteira de habilitação, passaporte ou documento que comprova o serviço militar. Em casa caso, eles disseram, um atendente digitou o nome da pessoa, ou o sobrenome, no computador e disse ao cidadão que havia um problema, que ele precisaria ir ao Gabinete de Acompanhamento e Inspeção do Ministério do Interior.

Jordanianos de origem palestina sabem o que significa ser enviado para aquele gabinete. Quase nunca é algo bom.

Amran al-Tarsha, 29 anos, contou que o agente do gabinete pegou todos os seus documentos, os colocou em uma gaveta e fechou.

“Ele me mandou ir para casa”, disse Tarsha.

Muhammad Ramadan, 23 anos, disse que todas as pessoas de sua família perderam sua cidadania quando o pai solicitou um documento de identificação para sua irmã. Para ela, contou Ramadan, isso quer dizer que uma educação superior já não é mais possível, pois não-cidadãos pagam taxas mais altas. Seu irmão agora não pode mais trabalhar como farmacêutico, pois apenas cidadãos são permitidos no sindicato profissional. Ele contou que não pode conseguir emprego no governo porque apenas cidadãos podem trabalhar para a máquina pública.

“Sou jordaniano-palestino”, disse ele. “Nunca estive na Palestina, nem eu nem meus irmãos.”

Como em muitos casos, a história da família de Haddad está relacionada aos anos de turbulência na região. Seu pai fugiu abandonou seu lar em 1948, ano de criação de Israel, se tornou cidadão jordaniano e viajou para Jerusalém, onde conheceu sua futura esposa. Os dois construíram um lar em Amã.

No entanto, em 1980, sua mãe voltou a Jerusalém para estar próxima da família e dar à luz seu filho, Muhannad. Ele o registrou com documentos israelenses e voltou para casa, onde seu filho cresceu.

Quando completou 16 anos, e já não estava mais na carteira de identidade da mãe, ele foi até Israel para solicitar a emissão de sua própria documentação. Ele disse que não conseguiu que o documento fosse emitido, então acabou voltando para Amã. No ano passado, ele tentou renovar sua carteira de motorista e lhe mandaram para o temido gabinete do Ministério do Interior.

A tia de Haddad, Hitaf Barakat, confirmou os detalhes das circunstâncias do sobrinho. “Ele não pode voltar, não pode trabalhar aqui, não pode viajar para o exterior, mas sua mãe, seu pai, seu irmão, todos retêm sua nacionalidade aqui”, afirmou Barakat, que trabalha na Administração de Ajuda e Reabilitação das Nações Unidas na Jordânia.

O governo diz que isso não tem nenhuma relação com o equilíbrio demográfico, que os números são pequenos demais e que apenas uma fração de sua população palestina está sujeita a esse tipo de revisão. Ele diz que o processo tem ocorrido desde pouco depois de 31 de julho de 1988, quando o rei Hussein fez um discurso no qual abriu mão de qualquer reivindicação de soberania à Cisjordânia e leste de Jerusalém.

A Jordânia anexou aquelas terras em 1950 e forneceu a todos os residentes cidadania jordaniana. Quando Israel ocupou a Cisjordânia e o leste de Jerusalém depois da guerra de 1967, a Jordânia manteve algum controle administrativo e responsabilidade financeira.

Porém, em 1988, com a primeira intifada, Hussein anunciou que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) serviria como o único representante do povo palestino. Ele anunciou que todos os palestinos que viviam na Jordânia preservariam sua cidadania jordaniana, enquanto os que viviam nos territórios ocupados eram palestinos. Ele não mencionou aqueles palestinos que tinham se mudado para o exterior, incluindo as centenas de milhares que viviam e trabalhavam no Golfo Pérsico.

Os dirigentes da Jordânia foram sacudidos em 1991, depois que o presidente iraquiano Saddam Hussein ocupou o Kuwait e centenas de milhares de palestinos com cidadania jordaniana fugiram para a Jordânia.
“Os jordanianos achavam que aquela era uma situação muito perigosa”, disse Ali Mahafzah, professor de história da Universidade da Jordânia. “Os palestinos poderiam se tornar uma maioria no país.”

No entanto, aquele medo não foi o suficiente para fazer com que as autoridades os mandassem embora. “Precisávamos deles economicamente”, disse Mofaza. “Era contra nosso interesse econômico na época mandá-los para a Cisjordânia.”

Parece que muitas dessas pessoas estão em risco agora, embora isso não seja uma exclusividade delas. O governo diz ter lançado diretrizes exigindo que todos os palestinos que receberam documentos israelenses depois da ocupação de 1967 preservem esses documentos para manter sua cidadania.

As autoridades disseram que é responsabilidade de cada palestino voltar a Israel a cada três anos, para preservar seu direito de voltar à terra ocupada e como condição de manter sua cidadania jordaniana.
Um porta-voz militar israelense, que se recusou a ser identificado, disse que, de acordo com a lei militar imposta à Cisjordânia, cidadãos palestinos que deixaram a área após 1867 e antes de 1988 poderiam perder sua cidadania depois de três anos, mas teriam mais três anos para reivindicá-la.

O porta-voz afirmou que as decisões poderiam ser apeladas a um comitê conjunto Israel-Palestina, embora ele reconheça que o comitê não se reúne há três anos.

Tradução: Gabriela d’Ávila
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