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Domingo, 26 de maio de 2024

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Órgão dos EUA teria ignorado risco radioativo de tomografia

Alertas urgentes de especialistas do governo americano sobre os riscos do uso rotineiro de poderosos aparelhos de tomografia computadorizada para detectar câncer de cólon foram ignorados pela Food and Drug Administration (agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA), segundo documentos da agência e entrevistas com seus cientistas. Depois de não se manifestar por um ano, os cientistas dizem que planejam tornar suas preocupações públicas num encontro de especialistas na terça-feira, convocado pela FDA para discutir como proteger pacientes de exposições radioativas desnecessárias.


O encontro de dois dias faz parte de uma reavaliação dos riscos da radiologia de rotina. A dose média da radiação diagnóstica em vida aumentou sete vezes desde 1980, em parte devido à popularidade crescente das tomografias computadorizadas. Esses aparelhos podem usar radiação equivalente a 400 exames torácicos de raio X.

Estima-se que 70 milhões de exames de tomografia computadorizada sejam realizados nos Estados Unidos todos os anos, em comparação a três milhões no início dos anos 1980 e até 14 mil pessoas podem morrer por ano devido a cânceres induzidos pela radiação, estimam os pesquisadores.

O uso de tomografias computadorizadas para detectar câncer em pacientes saudáveis é particularmente polêmico. No exame para detecção de câncer de cólon, por exemplo, o Conselho Americano de Radiologia e a Sociedade Americana do Câncer apoiaram o uso de tomografias computadorizadas, num procedimento muitas vezes chamado de colonoscopia virtual, enquanto o Conselho Americano de Gastroenterologia recomenda exames diretos, nos quais os médicos usam uma câmera num tubo flexível.

Para os pacientes, entender o debate pode ser difícil, porque médicos, grupos de defesa de pacientes e fabricantes muitas vezes defendem posições que são de seu interesse econômico. Radiologistas, que frequentemente possuem e usam aparelhos de tomografia, por exemplo, costumam defender seu uso; enquanto gastroenterologistas, que frequentemente possuem e usam aparelhos de colonoscopia, costumam preferir seus próprios métodos. Grupos de pacientes muitas vezes recebem financiamento de fabricantes de aparelhos ou medicamentos, ou de grupos de médicos de uma dada especialidade.

A Food and Drug Administration, encarregada de avaliar essas alegações concorrentes, tem ficado igualmente dividida sobre o assunto. A disputa interna esquentou tanto que um grupo de cientistas da agência, preocupado com os riscos das tomografias, diz que irá testemunhar no encontro de terça-feira, afirmando que os gestores da FDA ignoraram ou suprimiram essas preocupações e que a demora resultante em tornar isso público pode ter colocado centenas de pacientes em perigo desnecessariamente.

Diversos documentos internos da agência disponibilizados ao New York Times mostram que os gestores da agência tentaram aprovar uma requisição da General Electric para permitir o uso de tomografias computadorizadas em exames de detecção do câncer de cólon, mesmo após objeções repetidas dos cientistas da agência, que queriam que o pedido fosse recusado. O pedido continua em análise.

Depois que uma autoridade da agência recomendou a aprovação da requisição da GE, o doutor Julian Nicholas, gastroenterologista treinado na Universidade de Oxford e na Mayo Clinic e que trabalhou sob contrato com a agência, respondeu por e-mail que acreditava firmemente que a aprovação da requisição poderia "expor um número de americanos a um risco de radiação injustificável que pode levar a instâncias de câncer de órgão sólido abdominal."

O doutor Robert Smith, ex-professor de radiologia de Yale e Cornell e oficial médico da FDA, escreveu que concordava com Nicholas porque "a crescente exposição radioativa da população poderia ser substancial e levantaria uma questão séria de saúde pública/política pública", mostram documentos. Alberto Gutierrez, vice-diretor do escritório da FDA responsável por aparelhos de radiologia, disse em entrevista que ainda não havia clareza sobre o destino da tomografia computadorizada do cólon. "Esse aparelho que você mencionou não foi liberado ou aprovado no momento, e isso deveria nos dizer que o processo não foi concluído", Gutierrez disse.

Arvind Gopalratnam, porta-voz da GE Healthcare, escreveu em um e-mail que a pesquisa havia mostrado que a "tomografia de cólon pode ser muito valiosa, uma ferramenta de exame não-invasiva para ajudar a diagnosticar câncer colorretal em estágios precoces e, finalmente, melhorar as taxas de sobrevivência gerais."

Por décadas, cientistas da FDA aprovaram muitos aparelhos radiológicos médicos com supervisão mínima, declarando que eles eram melhorias modestas de aparelhos mais antigos e, portanto, não precisavam de revisões extensas ou ensaios clínicos para provar sua segurança e eficácia. Mas esses aparelhos agora desempenham um papel central na medicina americana, ajudando não apenas a diagnosticar uma grande variedade de doenças, mas também a tratar cânceres.

E a agência fez pouco para avaliar se a rápida proliferação desses aparelhos foi de fato em benefício dos pacientes, e se os aparelhos os protegem adequadamente ou são benéficos em todos os usos atualmente rotineiros.

O Times publicou uma série de artigos este ano documentando o dano que erros envolvendo radiação médica podem provocar, o que levou um subcomitê da Câmara de Representantes a convocar uma audiência no mês passado, fazendo com que diversos grupos de radiologia, pesquisadores, médicos e fabricantes de equipamentos pedissem uma maior proteção ao paciente. Até mesmo o exame físico recente do presidente Barack Obama se tornou parte do debate quando o presidente realizou uma colonoscopia virtual, e não real.

A conscientização crescente sobre os riscos da tomografia levou os cientistas da FDA, anos atrás, a exigir mais informações detalhadas dos fabricantes, para provar que seus aparelhos de fato eram efetivos para tais aplicações clínicas, como exame para detecção de câncer e mapeamento de fluxos sanguíneos no cérebro. Mas gestores da agência responderam que mudar as regras para os aparelhos de repente seria inapropriado e injusto com os fabricantes, como revelam documentos e entrevistas.

A batalha entre os dois lados se intensificou com a pressão de alguns fabricantes de aparelhos e radiologistas para que a tomografia computadorizada fosse usada rotineiramente em pacientes saudáveis na detecção de câncer de pulmão, cólon e outros. Em jogo, estavam mais um rápido crescimento nas exposições radioativas e exames anuais no valor de centenas de milhões de dólares.

A General Electric, uma das maiores fabricantes dos aparelhos, disse aos gestores da FDA que a companhia queria que eles fossem aprovados para exames do câncer de cólon porque autoridades do sistema de saúde americano e seguradoras privadas estavam "ativamente discutindo se reembolsariam o uso de tomografias computadorizadas para indivíduos assintomáticos", e a aprovação do uso iria "ajudar seus clientes no reembolso dos procedimentos¿, como mostram documentos internos da agência.

Mesmo na ausência de uma aprovação explícita da agência, médicos têm permissão de usar aparelhos médicos aprovados da forma que considerarem adequada. Mas sem aprovação explícita, os fabricantes não têm permissão de comercializar os aparelhos para uso em exames de câncer de cólon, e as seguradoras muitas vezes se recusam a reembolsar os custos do procedimento.

A aprovação da tomografia computadorizada do cólon pela agência poderia levar a campanhas de marketing extensas, uma aceitação maior do procedimento por parte dos médicos, mudanças nas políticas de seguradoras e milhões de pessoas realizando os testes. Como a agência aprovou pedidos similares para usos parecidos da tomografia computadorizada no passado, os gestores da agência dizem que não têm muita escolha além de aprovar o pedido da GE.

O conflito entre os dois lados aumentou ao longo de 2009, mostram os documentos. Minutas de uma reunião de 12 de maio de 2009 revelam que um gestor da agência, Joshua Nipper, desprezou as preocupações dos cientistas dizendo, "não precisamos reinventar um bicho-papão sobre a radiação." Nipper não respondeu a um pedido de comentário enviado por e-mail.

Nicholas se negou a ceder. "Primeiro fui ignorado, então pressionado a mudar minha opinião científica e, quando me recusei, fui intimidado e, por fim, mandado embora", ele disse em entrevista. "E agora vou dizer ao comitê exatamente isso no encontro."

Enquanto a briga sobre o pedido da GE se agravava, Nicholas, que vive em San Diego, expressou preocupações crescentes em mensagens internas de e-mail sobre a não renovação de seu contrato - que expirou em outubro. Um dia após o término de seu contrato, o gestor da agência, depois de ter deixado o assunto suspenso por cinco meses, começou a processar o pedido da GE, decidindo dar à companhia outra chance para explicar por que sua requisição deveria ser aprovada, segundo documentos.
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