Olhar Direto

Quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Opinião

Desarmamento – uma piada de extremo mau-gosto

Em uma pequena cidade, um violonista famoso, num ataque de ira, pegou seu violão e matou sua esposa a violadas. Em outra cidade, um pouco maior, um famoso jogador de boliche esmagou a cabeça de seu melhor amigo com uma bola de boliche.

 Em uma grande cidade litorânea, um jogador de futebol aposentado jogou seu quadriciclo contra o guia, matando-o, pois este não o levou a um ponto turístico combinado. Em virtude da grande comoção no país por causa dessas mortes inusitadas, o governo restringiu a venda de violão; deixou a cargo do exército a venda de bolas de boliche apenas para pessoas "capacitadas a manuseá-las"; e proibiu terminantemente passeios de quadriciclo em todo território nacional.

Os criminosos estão livres. O primeiro, assassino confesso, aguarda há 10 anos o julgamento em liberdade. O segundo, depois de 15 anos, foi condenado pelo júri, mas a defesa pediu a anulação e, enquanto isso, participa livremente de campeonatos pelo país. O terceiro foi condenado a 15 anos de prisão, cumpriu 2 e agora cumpre o resto da pena "em liberdade".

Tudo isso parece uma piada, se a piada não fosse análoga ao que acontece com as armas de fogo no Brasil. Culpa-se exageradamente os objetos e culpa-se de menos as pessoas que as usam. As penas para quem comete homicídio no Brasil chegam a ser ridículas e os atalhos para a impunidade ou para a redução indecente da pena são inúmeros.

Uma das principais justificativas para se restringir (e não proibir, pois o uso civil de armas de fogo no país não é proibido, é restringido) o seu uso é de que "suspeita-se" que uma liberação mais ampla geraria uma legião de justiceiros ávidos por sangue, suor e lágrimas. Pura balela. Pois o brasileiro por si só não é pacífico – nem qualquer outro povo do planeta – e o acesso às armas de fogo não aumentaria o índice de mortes violentas por um só motivo: aqueles que já matam ou possuem uma tendência doentia para matar já estão armados, seja legalmente ou clandestinamente.

O Atlas da Violência 2018 apontou que, em 2016, 62.517 pessoas foram mortas violentamente no país, sendo 71% por armas de fogo. Mas, por acaso as armas atiraram sozinhas? Um belo dia, uma pistola, cansada de ficar guardada dentro da caixa, criou pernas e dedos, saiu da caixinha e passou a executar todos os vizinhos chatos? Certamente que não. Por trás de cada arma existe uma pessoa que, de acordo com o contexto em que vive, pode ou não usá-la levianamente.

E é esse contexto que deve ser efetivamente pensado, discutido e alterado. Medidas de curto, médio e longo prazo devem ser tomadas e executadas com diligência e convicção. Primeiramente endurecer, e muito, o código penal, juntamente com o desenrolar do código de processo penal e lei de execuções penais, tornando-as mais simples, céleres e menos protetoras de criminosos. Junto a isso, a construção de presídios mais seguros, austeros e com uma classe de agentes (penitenciários e policiais) mais valorizada e preparada.

Somarão a essas medidas uma revolução na educação que faria com que crianças, adolescentes e jovens se preparassem mais para o mercado de trabalho deixando de ser presas fáceis para o mundo do crime. Vale ressaltar que há muitas outras medidas possíveis além dessas descritas acima.

Culpar a própria arma de fogo pelo seu uso irresponsável e criminoso chega a ser risível, como você deve ter rido no primeiro parágrafo. O direito de se defender – com responsabilidade - é coisa séria. Mas como vivemos em um país que se assemelha a um circo, que se proíba o uso de nariz de palhaço caso, um dia, alguém venha a se sufocar usando o gozado apetrecho.
 

Eustáquio Rodrigues Filho é Servidor Público e Escritor – Autor do livro "Um instante para sempre".
 
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