Olhar Direto

Quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Opinião

Maledicência

Não há virtude que a calúnia não saiba atingir.
A frase é atribuída a Shakespeare e lamentavelmente é verdadeira.
Digo-o por observação e por experiência própria: há poucas coisas tão sórdidas, tão cruéis e tão covardes como a maledicência e ainda, infelizmente, tão eficazes na sua propagação.
No Direito, a maledicência se transmuta nas conhecidas espécies de calúnia, injúria e difamação. Diferenciá-las no seu alcance, objeto e gravidade é tarefa dos penalistas. Na vida cotidiana é a fofoca, o boato, a intriga, as fake news.
O que todas têm em comum é o modus operandi.
A maledicência se escora numa mentira apresentada com elementos de verdade, aos quais se acrescentam ou se subtraem circunstâncias, de modo a semear dúvidas, levantar suspeitas, disseminar escândalos. Mistura fatos incontestes (fulano viajou para tal lugar ou beltrano se atrasou para tal evento) com ingredientes mirabolantes que comprometem a honra, a dignidade, a imagem e a ética dos envolvidos, atribuindo-lhes comportamentos desprezíveis, ridículos ou criminosos.
A maledicência importa em acusações sussurradas que nunca são diretamente apresentadas aos seus alvos, o que lhes permitiria defender-se. Muitos só tomam conhecimento das imputações que lhes foram feitas bastante tempo depois, por vezes quando as consequências da maldade se tornaram irreversíveis, como confiança perdida, relacionamentos abalados, convites cancelados, alianças e negócios desfeitos, oportunidades desperdiçadas e a reputação manchada.
A maledicência abusa do “ouvi dizer” e do “me contaram”. O maledicente, covarde, nunca usa a primeira pessoa ou assume a autoria das frases, mas sempre atribui a outrem a história negativa que faz questão de disseminar.
O que move a maledicência? A ambição de conquistar um cargo, a inveja pela conquista alheia, o ciúme ou o orgulho ferido, o preconceito racial, de religião ou de gênero, ou uma combinação disso tudo.
A literatura universal contém brilhantes criações nas quais a maledicência desempenha papel central. São exemplos: Otelo, de Shakespeare, Dom Casmurro, de Machado de Assis, Os Miseráveis, de Vitor Hugo e tantos mais.
Todos conhecem como a maledicência dos fariseus e sacerdotes conduziu à prisão e ao martírio de Jesus Cristo.
Existe um remédio para tal praga? Não sei. Quanto a mim, quando percebo o sibilar nauseabundo de uma fala maledicente, finjo que não escutei, que não entendi ou que não dei importância. Normalmente, isso é suficiente para decepcionar o maledicente e fazê-lo buscar outro público, pois percebe que de mim a sua história não atingirá mais ninguém. Se bem que sempre há o risco da pessoa se irritar e ao encontrar um ouvinte crédulo me acrescentar como mais um personagem negativo na sua narrativa ...
Como ensinou nosso Mestre Jesus: “Não é o que entra na boca que macula o homem; o que sai da boca do homem é que o macula” (Mateus, 15:11).

Luiz Henrique Lima é Conselheiro certificado e professor.
 
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