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Quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Opinião

Xenofobia regional no ambiente de trabalho: Análise jurídica no contexto brasileiro

Autor: *Carla Reita Faria Leal e Mauro Roberto Vaz Curvo

02 Ago 2024 - 08:00

No livro “Xenofobia: medo e rejeição ao estrangeiro”, o autor Durval Muniz Albuquerque Jr, explica que a palavra xenofobia deriva das palavras gregas xénos (estranho, estrangeiro) e phobos (medo), significando, portanto, o medo, a rejeição, a recusa, a antipatia e a profunda aversão ao estrangeiro.

Contudo, xenofobia não se restringe à discriminação contra estrangeiros, podendo ocorrer entre pessoas do mesmo país, baseada na origem regional dos indivíduos.

No Brasil, país marcado por uma vasta diversidade histórica, cultural e socioeconômica, essa questão assume particular relevância. Por este motivo, esta coluna busca analisar as implicações jurídicas da xenofobia regional no ambiente de trabalho brasileiro, considerando a legislação vigente e a jurisprudência da Justiça do Trabalho. 

A proibição à xenofobia regional no ambiente de trabalho está amparada por diversas normas que protegem os trabalhadores contra condutas discriminatórias. Essas normas estão presentes na Constituição Federal, tratados internacionais e legislação trabalhista. 

A Constituição, em seu artigo 3º, IV, estabelece a promoção do bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, princípio reforçado pelo artigo 5º que assegura a igualdade perante a lei. 

A CLT e a Lei n.º 9.029/1995 proíbem práticas discriminatórias, incluindo aquelas baseadas em origem. A Lei n.º 7.716/1989 define crimes de discriminação, ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional e a Convenção n.º 111 da OIT, ratificada pelo Brasil, define discriminação abrangendo raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social.

A xenofobia regional pode ser praticada por qualquer pessoa no ambiente de trabalho, seja empregador, superior hierárquico, colega de mesma hierarquia ou subordinados, ou até mesmo por terceiros, como clientes, fornecedores, visitantes ou qualquer outra pessoa que interaja com os trabalhadores.

Além disso, essa prática pode ocorrer em todas as etapas do contrato de trabalho, desde a seleção e a contratação, passando pela integração e treinamento, até as avaliações de desempenho, as promoções e as demissões.

É dever de todo empregador manter um ambiente de trabalho seguro e saudável, livre de qualquer tipo de discriminação. Por isso, devem ser adotadas medidas para prevenir e combater a xenofobia regional praticada por qualquer pessoa, incluindo terceiros. Essas ações podem incluir a implementação de políticas, treinamentos, canais de denúncia e ações corretivas e punitivas para proteger os trabalhadores contra esse tipo de comportamento.

A Justiça do Trabalho tem condenado empregadores que praticam ou permitem a prática de xenofobia regional no ambiente de trabalho. 

Em novembro de 2023, a 3ª Turma do TST, com voto do Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, manteve a decisão do TRT10, que condenou um hospital de Brasília a pagar R$ 10 mil reais a um trabalhador por xenofobia regional no trabalho devido à sua origem maranhense (Ag-AIRR-672-60.2021.5.10.0004).

O autor alegou que um funcionário da empresa o tratava com comentários depreciativos devido à sua origem regional. Os depoimentos comprovaram que um colega dizia para o reclamante que todo maranhense era corno, preguiçoso e não gostava de trabalhar.

A xenofobia regional pode ocorrer de forma isolada ou interseccionada com outras formas de discriminação. Quando ocorre de forma isolada, a discriminação é baseada exclusivamente na origem geográfica do indivíduo. Já quando ocorre de forma interseccionada, a xenofobia regional se entrecruza com outras formas de discriminação, como racismo, sexismo ou preconceito de classe, criando barreiras adicionais e mais graves para os trabalhadores pertencentes a múltiplos grupos marginalizados.

Um exemplo de xenofobia interseccionada com racismo ocorreu em Belo Horizonte, onde, em maio de 2024, uma empresa foi condenada pelo TRT mineiro a pagar R$ 50 mil a um trabalhador vítima de xenofobia por ser natural do Rio de Janeiro e de racismo por ser negro (PJE 0010131-89.2023.5.03.0011).

Na petição inicial, o reclamante relatou que os colegas faziam imitações pejorativas de seu sotaque e insinuavam que cariocas são folgados, mal-educados, desonestos e corruptos. Ademais, simulavam assaltos de forma jocosa ao vê-lo, associando a imagem de negro à de um assaltante.

O relator destacou a gravidade das ofensas sofridas pelo reclamante e a negligência da empresa, comprovada por meio de testemunhas e documentos. A decisão enfatizou a responsabilidade do empregador em garantir um ambiente de trabalho livre de discriminação e a obrigação de indenizar pelos danos morais causados.

Como podemos observar, a xenofobia regional é uma violação grave dos direitos humanos e dos princípios de igualdade e dignidade. A Justiça do Trabalho tem reconhecido a gravidade desse problema e aplicado a legislação para proteger os trabalhadores contra a discriminação regional. É fundamental que empregadores adotem políticas eficazes para combater todas as formas de discriminação, promovendo um ambiente de trabalho justo, inclusivo e harmonioso.


Carla Reita Faria Leal e Mauro Roberto Vaz Curvo são membros do Grupo de Pesquisa sobre o meio ambiente de trabalho da UFMT, o GPMAT.
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