Olhar Direto

Sábado, 04 de maio de 2024

Opinião

Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso não é a via adequada para discutir a Lei Municipal nº 6.895/2022

A Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Mato Grosso ajuizou a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 1002901-38,2023.8.11.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça Mato-grossense, em face da Lei nº 6.895, de 30 de dezembro de 2022, do Município de Cuiabá, que aprovou a atualização da Planta de Valores Genéricos da área urbana, da expansão urbana e dos distritos do Município de Cuiabá, para fins de exigência do IPTU.
Segundo a PGJ:

Sem delongas, entende-se pela inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.895 de 30 de dezembro de 2022, do Município de Cuiabá/MT, uma vez que, nos moldes em que se encontra, a norma hostilizada malfere o art. 150, IV, da Constituição Estadual de Mato Grosso e viola os princípios da vedação ao confisco e da capacidade contributiva.

Com efeito, a lei em comento instituiu uma majoração impactante no valor unitário por metro quadrado de terreno, se comparado com anos anteriores, elevando o IPTU de forma drástica e que não corresponde à realidade fática do país, com especial relevância ao grave momento de crise econômica que assola todos os cidadãos.

Assim, tomando-se as informações constantes do Anexo da Lei Municipal nº 6.895 de 30 de dezembro de 2022, com as informações constantes da norma anteriormente vigente, Lei nº 5.355, de 12 de novembro de 2010, por exemplo, no bairro Morada do Ouro, o valor unitário do m2 da Avenida Oátomo Canavarros passou de R$ 100,00 para R$ 380,00, configurando um aumento repentino de 380%.

Já no bairro Jardim Itália, o maior valor do m2 da região passou de R$ 220 para R$ 900, configurando um aumento de mais de 400% entre os anos em análise.


Muito bem.

Não se desconhece que a alteração da Planta Genérica de Valores, levada a efeito com a edição da Lei Municipal nº 6.895/2022, importou em aumento do valor exigido a título de IPTU.

Contudo, a ADI não se afigura a via adequada no caso concreto. Explica-se.

A ADI, saliente-se, tem natureza objetiva e possui a finalidade de examinar o conflito abstrato entre a lei ou o ato normativo e a Constituição.

Sobre o assunto, Paulo Roberto de Figueiredo Dantas assim escreveu:

Também conhecido como controle por via de ação direta, referido controle é aquele realizado em caráter exclusivo por determinado tribunal, e que tem por objeto a obtenção da declaração de inconstitucionalidade (ou da constitucionalidade) de lei ou ato normativo, em tese, independentemente da existência de casos concretos em que a constitucionalidade da norma esteja sendo discutida.

Trata-se, portanto, de um processo de natureza objetiva, uma vez que nenhum interesse subjetivo de particulares está sendo apreciado na demanda. Aqui, o exame da constitucionalidade da norma é o objeto mesmo da ação, realizado por uma Corte especialmente designada para tal fim, que produz eficácia em relação a todos (erga omnes).


Na lição de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, o caráter objetivo dessa ação decorre de sua própria razão de ser, que não cumpre a finalidade de analisar relações jurídicas concretas, mas o conflito abstrato entre a lei ou o ato normativo e a Constituição. [1]

Na espécie, pelo que se verifica, a discussão extrapola o mero exame do conflito abstrato entre a Lei Municipal 6.895/2022 e as Constituições Estadual e Federal, imiscuindo em particularidades, questões subjetivas, cuja verificação não se presta a ADI.

É preciso anotar que o Município pode, por meio de lei, alterar a Planta Genérica de Valores. O que o município não pode é atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária, conforme Súmula 160 do Superior Tribunal de Justiça.

Como é sabido, para fins de cálculo do IPTU, leva-se em consideração a Planta Genérica de Valores, que é estabelecida pela municipalidade observando diversas particularidades, tais como localização, acabamento e antiguidade, são realizados fórmulas e cálculos, e a sua discussão demanda dilação probatória, o que não é permitida na ADI.

Sobre o assunto, assim já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

.A procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade dependeria da constatação de que o reajuste efetuado pela Lei municipal n° 710/2013 extrapolou o valor de mercado dos imóveis localizados no Município. E essa análise não pode ser realizada em sede de ação direta de inconstitucionalidade, enquanto instrumento de controle normativo abstrato, exercido mediante processo objetivo. As ações de controle concentrado não se prestam à análise de circunstâncias fáticas ou de interesses subjetivos, mas permitem apenas o simples cotejo da norma impugnada com o parâmetro constitucional de controle. Cuidam da extensão da constitucionalidade de uma determinada norma no plano abstrato do texto legal, e não no plano da experiência. A alegada incompatibilidade entre o valor real do bem e aquele decorrente da atualização da planta genérica de valores não envolve um mero cotejo entre a norma constitucional, parâmetro do controle, e a norma legal, objeto do controle de constitucionalidade, mas envolveria um exame profundo de matéria de fato, com necessidade de ampla dilação probatória para apurar se a atualização da base de cálculo do tributo seria excessiva em relação aos valores praticados no mercado. Tal exame é objeto estranho aos processos de controle concentrado. Nesse sentido: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.168/96, DO ESTADO DE SANTA CATARINA E RESOLUÇÃO Nº 76, DO SENADO FEDERAL. EMISSÃO DE TÍTULOS DE DÍVIDA PÚBLICA PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS. LETRAS FINANCEIRAS DO TESOURO EM VALOR SUPERIOR AOS PRECATÓRIOS PENDENTES DE PAGAMENTO À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: PRETENSÃO DE REEMBOLSO DOS VALORES JÁ EXPENDIDOS. AFRONTA AO ART. 33 DO ADCT- CF/88. MATÉRIA DE FATO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. AÇÃO DIRETA NÃO CONHECIDA. 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT /CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3 /93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. 3. Ato de efeito concreto, despido de normatividade, é insuscetível de ser apreciado pelo controle concentrado. Ação direta não conhecida [...]” (ADI nº 1523 SC, Rel. Min. Maurício Corrêa) Portanto, inadequação a via eleita para exame de matéria essencialmente fática. Em ação direta de inconstitucionalidade descabe alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. O controle abstrato da constitucionalidade de lei é inviabilizado quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame de matéria de fato, o que ocorre no caso. Diante do exposto, com base no art. 544, § 4º, II, a, do CPC e no art. 21, § 1º, do RI/STF, conheço do agravo para negar-lhe provimento. [2]

Portanto, a ADI nº 1002901-38,2023.8.11.0000, em trâmite no Tribunal de Justiça Mato-grossense, não se afigura a via adequada para discutir a Lei nº 6.895, de 30 de dezembro de 2022, do Município de Cuiabá.
Não se está aqui defendendo a constitucionalidade da Lei 6.895/2022, mas sim a impropriedade do manejo da ADI no caso concreto. Os contribuintes poderão, sim, questionar em ações individuais eventuais ilegalidades e abusividades contidas na Lei Municipal 6.895/2022, lançando mão de particularidades e produção de prova, e inclusive, em sede incidental, questionar a constitucionalidade da aludida lei municipal.
 

Deivison Roosevelt do Couto
Advogado, sócio no escritório Prado Advogados Associados – Cuiabá/MT
Mestrando em Compliance pela Ambra University – Orlando, FL-EUA
Especialista em Direito Processual Civil pela FESMP/MT e Direito Tributário pela Universidade Anhanguera-Uniderp
Cursou Direito Tributário no IBET/CAEJ Cuiabá/MT


[1]DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito processual constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, pp. 264 e 265. 
[2]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE932321/SC, relator Ministro Roberto Barroso, DJe-035 DIVULG 24/02/2016 PUBLIC 25/02/2016.
 
 
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet