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Sábado, 27 de abril de 2024

Opinião

​Rochas, fósseis, uso e patrimônio

Os fósseis são elementos que fascinam. Filmes como o Jurassic Park, ou mesmo coleções de museus despertam a atenção das pessoas. Porém, diferentemente dos grandes ossos de dinossauros, existem inúmeros fósseis que são muito pequenos, sendo possível sua observação apenas em microscópios. Os fósseis são elementos comuns de rochas sedimentares, podendo às vezes em uma pequena área de alguns hectares serem facilmente observados milhares ou até mesmo milhões de fósseis, a depender do método utilizado. Os fósseis estão em rochas, e as rochas são um elemento fundamental para o desenvolvimento humano desde a pré-história.

A atividade de mineração, ou seja, retirada de uma rocha para ser transformada em uma ferramenta é mais antiga que o próprio homem moderno, e remonta há mais de 3,2 milhões de anos, enquanto o Homo sapiens, nossa espécie, possui cerca de 350 mil anos. Na história humana, a uso dos minerais e rochas marcam os períodos e o domínio tecnológico, a idade da pedra lascada, idade da pedra polida, idade do bronze, idade do ferro, todas elas relacionadas ao domínio sobre o uso dos recursos minerais. As revoluções mais recentes, como a industrial e a própria revolução tecnológica também são marcadas pelo uso de novas substâncias minerais.

Mas por que falar isso? Sim, os fósseis são importantes e existem alguns que precisam necessariamente ser guardados em museus, para preservar esse fragmento da história da Terra para as futuras gerações. Porém, não é possível considerar todo fóssil como algo especial, pois isso inviabilizaria a própria evolução social: não seriam mais construídas casas, ruas, estradas ou produzidos novos equipamentos eletrônicos e carros, pois para que esses itens sejam produzidos é preciso que ocorra atividade mineral, e ela irá necessariamente afetar rochas com fósseis. Você pode não saber, mas na sua casa diversos itens são feitos a partir de rochas compostos por fósseis, como é o caso do cimento, das tintas, várias rochas ornamentais entre muitos outros.
Também estão na agricultura, no corretivo de solo, e para produção de adubos NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) e até mesmo na fabricação das pastas de dente ou nos filtros de água que utilizamos em nossas casas.

A legislação brasileira é clara em relação a esse assunto. Ela considera três caminhos possíveis. O primeiro é entender o fóssil enquanto recurso mineral, e que deve ser extraído e utilizado segundo o previsto no código de minas. A segunda alternativa é entender como recurso mineral, porém que será destinado a uso científico, educacional e museológico, e neste caso, as amostras fósseis coletadas serão salvaguardadas por instituições de ensino ou museus. O fóssil pode também ser considerado um patrimônio cultural, sendo essa uma exceção à regra, conforme prevista na Portaria Nº 375/2018 Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

A Lei Nº 13.575/2017 que criou a Agência Nacional de Mineração (ANM), trouxe uma inovação importante, ao citar entre as funções do órgão normatizar, orientar e fiscalizar a extração e coleta de espécimes fósseis a que se refere o inciso III do caput do art. 10 do Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração), e o Decreto-Lei nº 4.146, de 4 de março de 1942, e adotar medidas para promoção de sua preservação. Esta lei abre caminhos para agência fortalecer seus normativos relacionados aos fósseis destinados a uso educacional, científico e museológico.

Entender a função dupla das rochas e fósseis, enquanto reveladoras da história da Terra e provedoras de recursos naturais para o desenvolvimento humano, é fundamental. Para reduzir esses conflitos, avanços legais precisam ser realizados. A Agência Nacional de Mineração (ANM), órgão responsável pela gestão do patrimônio mineral, seja enquanto recurso mineral, científico, educacional ou museológico, precisa atualizar com urgência os normativos visando estabelecer critérios claros para separação quanto ao uso do material e criando um fluxo de gestão adequado e menos conflituoso para o uso das rochas, e os seus componentes minerais e fósseis. Ao fazer isso a agência irá favorecer a identificação e preservação de fósseis importantes para se contar a história do planeta, ao mesmo tempo que garante os recursos minerais necessários para o desenvolvimento do país. 


Caiubi Kuhn, Professor na Faculdade de Engenharia (UFMT), geólogo, especialista em Gestão Pública (UFMT), mestre em Geociências (UFMT), Presidente da Federação Brasileira de Geólogos (FEBRAGEO).
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