Olhar Direto

Domingo, 28 de abril de 2024

Opinião

​A doença mental não escolhe classe social

A vida de Sebastiana de Melo Freire ou Dona Iaiá, como ficou conhecida, foi marcada por percalços. Nascida no ano de 1887 na cidade de Mogi das Cruzes, interior de São Paulo, filha do casal Josefina Augusta de Almeida Melo e Manuel de Almeida Melo Freire, ricos proprietários de terras, empresários e políticos de renome em São Paulo. Era uma dos quatros filhos do casal Melo Freire. Sebastiana teve durante sua infância e juventude perdas imensuráveis. Uma de suas irmãs morreu com asfixia aos três anos de idade, a outra irmã aos 13 anos vítima de tétano. Em 1889, sua mãe falece e dois dias depois seu pai, a partir daí ela e seu irmão Manuel de Almeida Melo Freire Júnior passaram a ser tutorados por Albuquerque Lins, este viria a ser anos mais tarde Presidente de São Paulo.

Após a morte de seus pais, ela e o irmão mudam-se para São Paulo, onde ingressam, ela no Colégio Sion e ele na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Porém, em 1905 seu único irmão vivo se atira ao mar em uma viagem que estava fazendo para Buenos Aires, concluiu-se que a sua condição mental foi o que impulsionou o seu suicídio. Milionária e sem nenhum parente vivo, ela residiu por algum tempo em um palacete na Rua 7 de setembro, no centro de São Paulo. Comum à época, ela promovia saraus e se dedicava ao hobby da fotografia, mantendo em sua casa um estúdio completo.

Não se casou, acreditava que todos os homens que se aproximavam dela, estavam interessados em sua fortuna, consecutivamente não teve filhos. Não era conveniente ter filhos independentes naquele período. Dona Iaiá mal pôde usufruir dos benefícios de sua riqueza herdada, seu comportamento psicológico logo a fez tentar o suicídio, tal qual seu irmão. Consequentemente, a briga para ser curador da mesma tomou os jornais de São Paulo, tendo em vista que legalmente não havia herdeiros diretos, caso ela viesse a falecer. Assim, os responsáveis judicialmente por ela adquiriram um casarão no Bairro do Bixiga, local afastado dos olhares curiosos, era também comum na Primeira República isolar do contato social qualquer pessoa que apresentasse comportamentos inadequados, alguns sem diagnóstico, eram internados em sanatórios, asilos de alienados e hospícios, escondidos nos quartinhos do fundo ou enviados para as propriedades na zona rural. No caso dela, que tinha posses, a alternativa foi isolá-la.

Fora assistida pelos doutores Juliano Moreira e Franco da Rocha, que eram os nomes da psiquiatria no Brasil de 1918, também passou um período internada em um sanatório, seu diagnóstico foi esquizofrenia. Em suas crises "batia-se contra as paredes, feria-se com objetos e farpas, dizia impropérios, proclamava-se partidárias dos aliados na Primeira Grande Guerra, repetia continuadamente 'eu sou católica, apostólica romana', rasgava roupas, chorava, cantava, queixava-se de ser ameaçada de morte e de violações, pedia o filho que julgava ter tido, imaginava amamentá-lo e embalá-lo”.[1]

Dona Iaiá não vivia sozinha no casarão que fora adaptado com janelas que abriam do lado de fora e que eram inquebráveis, com ela moravam na residência sua prima, criados, enfermeiro e uma amiga chamada Eliza Grant. Viveu por 36 anos neste imóvel e em 1961 faleceu no Hospital São Camilo, aos 74 anos. Todos os seus bens foram incorporados à Universidade de São Paulo, que zela pelo patrimônio e mantém no casarão onde ela residiu até sua morte um centro cultural com exposições abertas à visitação.

A patologia de transtornos mentais é, sem dúvida, uma das inquietações do saber médico, sabemos que no tempo presente existem drogas farmacológicas que contribuem para o bem-estar dos portadores de quaisquer tipos de transtornos mentais. Ou seja, não são mais escondidos ou internados a contenda da família, em que muitos conseguem ter domínio de suas vidas quando medicados.

Falar sobre Dona Iaiá é, sobretudo, entender que a representação da doença mental no período em questão é do isolamento, do apontamento de alcunhas, das piadas e dos risos. Encarcerada em seu próprio asilo, nem suas condições abastadas tão pouco os parcos saberes psiquiátricos existentes na época conseguiram lhe proporcionar a partir de sua juventude momentos de sanidade.

Referência Bibliográfica
¹Comissão de Patrimônio Cultural da USP, 1999, pp. 31.
 

Lidiane Álvares Mendes é doutorando em Estudos de Cultura Contemporânea/ UFMT. Bolsista CAPES. Autora do livro: Na esteira da loucura: Colônia de Alienados Eduardo Ribeiro – Manaus/AM – 1894-1930. Acesso em: https://www.pimentacultural.com/_files/ugd/18b7cd_923a6555af464622b7d23a104d19d3a1.pdf
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