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Terça-feira, 16 de julho de 2024

Opinião

Avanços legislativos e os desafios da realidade brasileira: A convenção interamericana e um caso recente de discriminação no ambiente de trabalho

Autor: Carla Reita Faria Leal e Amanda Cunha da Costa

12 Jul 2024 - 08:00

Após quase 10 anos de ter sido firmada pelo governo brasileiro, em janeiro de 2022,   foi promulgada a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância por meio do Decreto n.º 10.932, tendo isso ocorrido através do trâmite legislativo previsto § 3º do art. 5º da Constituição Federal, deste modo, tal tratado internacional ingressou no ordenamento jurídico brasileiro com o status de emenda constitucional.

Com esta promulgação, o Brasil se comprometeu perante a comunidade internacional que atuará para “prevenir, eliminar, proibir e punir todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância”, colocando-se, assim, em sintonia com a agenda internacional e reforçando o aparato para garantir a igualdade e proteger os direitos fundamentais, com base neste caso de perspectiva de raça, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988.

Nas últimas décadas, ainda que lentamente, o país tem se destacado na aprovação de instrumentos normativos e de políticas públicas voltadas para o combate ao racismo e da discriminação em suas diversas formas, visando promover a igualdade de oportunidades para a população negra e afrodescendente no Brasil.

Exemplos disso são o destaque, na Constituição Federal de 1988, dos princípios da igualdade e da proibição de discriminação racial, a aprovação da Lei Caó, que em 1985 incluiu entre as contravenções penais os atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou estado civil, e das Leis n.º 7.716/1989 e n.º 14.532/2023, que criminalizam condutas racistas, assim como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e da Lei das Cotas em universidades e concursos públicos, que buscam corrigir desigualdades históricas, garantindo acesso equitativo a empregos e educação.

Entretanto, apesar desses avanços legislativos, ainda temos muito a evoluir como sociedade para que o preconceito e a discriminação, que continuam a desafiar essas iniciativas, sejam eliminados.

Recentemente, um caso emblemático ocorreu em uma escola na cidade de Batatais, São Paulo, onde uma professora negra foi alvo de discriminação racial e de gênero durante uma reunião com a coordenação, a diretoria e a mantenedora da instituição. Segundo consta dos autos, o diretor da escola teria proferido um comentário extremamente preconceituoso, sugerindo que, devido ao cenário econômico e ao fato de ser mulher negra, se demitida, sobraria para a professora apenas a opção de trabalhar como babá. A fala do diretor refletiu um cenário preocupante de injustiça racial e de gênero, destacando as profundas desigualdade e discriminação que ainda permeiam nossa sociedade.

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT15) condenou a escola ao pagamento de R$ 15 mil em indenização por danos morais, destacando que as palavras do diretor foram claramente discriminatórias. A relatora do caso, juíza convocada Marina de Siqueira Ferreira Zerbinatti, enfatizou que tais afirmações não apenas limitaram as oportunidades de trabalho da professora, mas também perpetuaram injustiças raciais e de gênero.

A Relatora destacou que é prerrogativa da empregadora estabelecer normas e diretrizes que os empregados devem seguir, contudo, entendeu em seu voto, acompanhado por seus pares, que as declarações do diretor foram discriminatórias com relação à raça e ao gênero, as quais resultaram em dano moral à autora da ação, pois é profundamente discriminatório tentar limitar as oportunidades de trabalho de uma pessoa com base em seu gênero e na cor da sua pele.

Este episódio ilustra a persistência dos desafios enfrentados pelas políticas antirracistas no Brasil, mesmo diante dos esforços legislativos para promover a igualdade. A implementação efetiva dessas leis requer não apenas a sua aprovação, mas também uma mudança cultural e educacional que combata os estereótipos e promova um ambiente de respeito e igualdade para todos.

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância se constitui um reforço importante e útil no cenário do direito antidiscriminatório, de forma que devemos comemorá-la, contudo, há ainda muitos obstáculos para serem superados.
 
Carla Reita Faria Leal e Amanda Cunha da Costa são membros do Grupo de Pesquisa sobre Meio Ambiente do Trabalho da UFMT, o GPMAT. 
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