Nem sempre é preciso um recorde nem mesmo uma medalha para tornar-se um símbolo de bravura e superação em uma olimpíada. Às vezes, basta um gesto, supostamente mero, porém cheio de sentido, discurso, crítica e coragem. O que nas olimpíadas do México, em 1968, foram dois punhos cerrados com os braços esticados cobertos por uma luva e a cabeça baixa em saudação Black Power, no Rio foram os pulsos cruzados sobre a cabeça do etíope Feyisa Lilesa ao cruzar a linha de chegada da maratona.
O gesto de Fevisa, que levou a medalha de prata na maratona, pode, no entanto, ir muito mais além do que simplesmente uma declaração em protesto; pode lhe custar a própria vida, e fazer com que tenha de deixar seu país. Os pulsos cruzados em X são símbolo da luta dos Oromo, a maior tribo da Etiópia (da qual Fevisa faz parte), representando um quarto das 95 milhões de pessoas do país. Desde o fim do ano passado, estima-se que mais de 400 pessoas da tribo tenham sido assassinadas, e milhares feridas e presas, pelas forças oficiais em protestos contra o governo de Mulatu Teshome. Muitos dos mortos eram estudantes.
Neste ano as tensões entre a tribo Oromo e o governo parecem ter enfim explodido depois que foi anunciado que terras de fazendeiros Oromo seriam utilizadas para expandir a capital do país, Addis Ababa.
Nos meses de intensos pacíficos protestos em massa que se sucederam, o governo respondeu atirando contra a multidão e, além das centenas de mortos e milhares de feridos, sites foram tirados do ar e milhares de pessoas, entre elas professores, intelectuais, jornalistas e atletas, foram presas por se posicionarem contrários à tirania de Teshome e pela democracia.
“O governo estíope está matando meu povo então eu apoio todos os protestos em todo lugar. Eu levanto minhas mãos para apoiar o protesto dos Oromos”, disse Fevisa, lembrando que possui família no país, incluindo mulher e duas crianças, e parentes que já se encontram presos. No forte vídeo abaixo, contando imagens de violência, é possível ver a violência policial e os manifestantes cruzando os pulsos em X como fez Fevisa.
“Se eu voltar à Etiópia, talvez eles me matem. Se não me matarem, vão me colocar na cadeia, ou me deter no aeroporto. Vou tomar uma decisão. Talvez mude de país”, afirmou, em entrevista. Segundo o maratonista, a decisão será tomada em acordo com sua família.
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