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Terça-feira, 16 de julho de 2024

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Há 37 anos levando presentes de natal aos pobres, cuiabana lamenta diminuição das doações e roubos

Foto: Rogério Florentino Pereira/ Olhar Direto

Maria Elizabeth Figueiredo de Oliveira arrecada doações e leva aos bairros perféricos

Maria Elizabeth Figueiredo de Oliveira arrecada doações e leva aos bairros perféricos

Houve um tempo em que a sala de Dona Bete, no bairro Araés, vivia lotada de brinquedos. Além deles, eram caixas e caixas de cestas básicas doadas o ano inteiro, roupas, remédios e guloseimas. Ali, onde uma placa indicando ‘Natal dos Pobres - Recebemos doações o ano inteiro’ seduzia os transeuntes, hoje já não há mais tanta fartura. A ‘mamãe noel’, que não sabe se o problema está na crise ou na mudança das regras de trânsito da rua, que agora impedem os carros de pararem em sua porta, também lamenta os roubos constantes e as pessoas de má fé que tentam usurpá-la.


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A história de Maria Elizabeth Figueiredo de Oliveira, cuiabana, começou há 66 anos. Filha do jornalista Djalma Valares de Figueiredo, desde pequena ela se acostumou a ajudar o próximo. “Ele levava nós com o carro dele pra distribuir brinquedo, caramelo, pra criançada. Ele comprava pra nós distribuir. Quando era pequena”, lembra. Ela cresceu, se casou, também com um jornalista, e continuou distribuindo brinquedos, desta vez no Jardim Ipiranga. Mas foi quando entrou para o Grupo Espírita Fraternidade, de Várzea Grande, que começou a tradição do natal.

“Eu vestia lá, praquelas senhoras e praquelas crianças que ninguém dá nada pra eles. Eu vestia de Papai Noel muitos anos, e a menina que minha mãe criou vestia de gato. Tinha fantasia de gato e nós íamos lá, distribuir. Eu arrecadava, me mandava por aí tudo com carrinho do Paraguai arrecadando brinquedo pra doar. Devia ter uns 30 anos na época”. Com o grupo, Dona Elizabete levava as doações para diversos bairros periféricos, e realizava uma festa de natal na chácara de um dos colegas, até que ele ficou doente.

Elizabete e os colegas do Grupo Fraternidade  (Foto: Rogério Florentino / Olhar Direto)

“Ele parou de fazer, mas eu continuo”, garante a cuiabana. Sua luta para manter as doações de pé continuaram por um tempo, e ela chegou a juntar uma ‘equipe’ de cerca de sete pessoas, que a ajudavam a arrecadar pela cidade. “Mas o pessoal queria me explorar. Um queria fogão, outro queria implante de cabelo, outro queria geladeira... falei, vamos parar. Mandei fazer a placa e coloquei na minha porta, quem quiser trazer, traz”.

Eles, no entanto, não foram nem de longe os únicos que tentaram ‘passar a perna’ na Mamãe Noel. Elizabete conta que, um dia, descobriu algumas pessoas que pegavam as doações para vender. “Eu arrecadava muita cadeira de rodas, cadeira de banho. Aí eu vi uma safadeza. chamei umas pessoas aí que diz que estavam precisando... eles vieram, primeira vez eu dei, segunda vez, terceira vez. Aí veio dois, eles não viram que eu vi... eu deitei a cadeira ali até no plástico, aí eles vieram e falaram, olha, será quanto que vai dar essa cadeira no pregão?”.

Revoltada, a cuiabana conta que brigou com os dois. “Eu levantei de lá e esculhambei. Falei, vocês estão pensando que eu sou o que? Não passaram nunca uma necessidade de uma cadeira de rodas, porque é muito triste a pessoa precisar... e o outro vai fazer cambalacho?”.

Com o tempo, Elizabete foi tomando decisões para que não passasse mais por essas situações. Hoje, por exemplo, ela faz contato com os representantes de cada bairro, e são eles que decidem para quem vai as doações.

Ela se lembra com tristeza de uma situação que passou, antes desta medida, no Jardim União e no Jardim Florianópolis. Durante a entrega, vendo que os brinquedos iam acabar, ela pediu a uma das mulheres do bairro para que não anunciasse as doações. “Ela, muito da linguaruda, foi lá falar. Olha, meu natal tava mais concorrido que a procissão de são Benedito”, brinca. Logo depois, três homens apareceram para roubar as cestas básicas. “[Eles vieram] falando, olha, se você não der o sacolão nós vamos virar seu carro”. Segundo Elizabete, eles chegaram a riscar todo o carro dos doadores. No mesmo lugar, uma mulher achou que ela estava furando a fila para pegar presentes antes, e lhe deu dois chutes na canela.

A ‘ruindade’, no entanto, não vinha só dos que iam receber os presentes. Dona Bete se lembra, com lágrima nos olhos, de uma ‘madame’ que foi com ela levar brinquedos em Várzea Grande. “Eu catei um monte de brinquedo lá no grupo Fraternidade. Aí foi fila, mais fila de criança. Bola... mas não tinha onde ir, estava até no telhado de carrinho, brinquedo”, lembra. “Aí, já estava quase terminando, e veio um gurizinho sem calça, só de blusinha, e falou pra madame: Ô dona me dá uma bola?. E ela disse: ‘Pode ir embora, aqui não tem bola nenhuma. Vai pedir pro seu pai, pra sua mãe, aqui não tem bola nenhuma’. E estava cheio de brinquedo”. Segundo a Mamãe Noel, a mulher ficou com raiva porque o garoto chegou só no final da entrega. “Gente de coração preto, imundo”.



Além do natal, Elizabete também faz ações no Dia das Mães e Dia das Crianças. No dia de Cosme e Damião, ela desistiu. “Muito cara a barra de chocolate, e eu não gosto de chocolate vagabundo se não faz mal pra criança, né?”, justifica.

Neste ano, as entregas – junto a seu novo companheiro Ralph Rueda – estão programadas até o dia 29 de dezembro. No entanto, ela ainda não tem o que dar. “[Eu arrecado] o ano inteiro, mas esse ano não veio nenhum sacolão. Não veio sacolão pra distribuir, nem brinquedo. Amanha já tem um natal lá no Souza Lima e não tem o que distribuir. Antes tinha porque podia parar carro aí na porta, colocaram essa faixa amarela pra atrapalhar”, lamentou a Mamãe Noel, no último dia 15 de dezembro, durante a entrevista.

O que lhe dá forças para continuar, em meio a tantos empecilhos, segundo ela, é seu ‘amor pela pobreza’. Das coisas boas, uma ela guarda no coração: “Eu fazia campanha do chocolate, durante três dias. Tinha uma moça que tinha pizzaria, ela emprestava isopor pra nós e aí eu com minha irmã não dormíamos tentando arrecadar chocolate pra dar pros pobres. Nós fomos lá na Serra Dourada, ai tinha um guri [deficiente] chamado Gil, numa cadeira de fio, a cadeira estava até arrebentando, precisando de uma cadeira de rodas. Ele nunca tinha visto chocolate na vida dele. Ele não falava, e a mãe dele foi lá”, lembra. “A assistente social falou: você quer Gil? E ele batia palma, ria! Ele passava na cara, lambia o chocolate... comeu, comeu, aí ele falou. O pai dele quase caiu duro pra trás. Ele falou, e ele não falava... falou ‘amanhã, mais?’, perguntando se no dia seguinte teria mais”. Isso já faz 15 anos, e no dia seguinte, se depender de Bete, sempre terá mais.  



Serviço

Quem quiser fazer doações deve levar à casa de Dona Bete: Av. Marechal Deodoro, 1924, Araés.
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