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Segunda-feira, 06 de maio de 2024

Notícias | Artes visuais

Brasil comemora com 15 exposições o centenário da pintora Tomie Ohtake

Ativa aos 100 anos, que completará no dia 21 de novembro, a pintora Tomie Ohtake vai ser homenageada com nada menos que 15 exposições neste ano em diversos Estados brasileiros, da Bahia a Minas, passando, naturalmente, por São Paulo, onde inaugura amanhã, às 20 horas, a exposição Influxos das Formas, no Instituto Tomie Ohtake. É uma oportunidade única de conhecer o processo embrionário das pinturas da artista, que mostra, em novembro, no mesmo local, telas em processo de finalização. São trabalhos que, curiosamente, retomam questões já presentes em sua pintura dos anos 1960, um dos melhores períodos de sua produção.

Em Influxos das Formas, mostra com curadoria de Agnaldo Farias e Paulo Miyada, o vocabulário cromático e formal criado por Tomie é revelado por meio de collages, desenhos e croquis que o último curador encontrou guardados no fundo das gavetas da casa da artista, além de pequenas maquetes de esculturas. São cem obras conservadas por mais de seis décadas, desde que Tomie resolveu seguir o conselho do pintor japonês Keisuke Sugano, em 1951, e criou seu primeiro quadro.

Ela pede ao filho Ricardo, diretor do instituto que leva o nome da mãe, para buscar no quarto a pequena tela, de 1952, uma das poucas que escapou de uma enchente no bairro paulistano onde morava na época. É uma natureza-morta, um vaso de flores de um vermelho intenso, cor que se tornaria sua marca registrada - as outras são o azul e o amarelo, curiosamente as primárias usadas por Mondrian, embora Tomie não tenha comungado do neoplasticismo do holandês, que usava blocos de cor separados de forma assimétrica por linhas retas.

Tomie não gosta da reta. “Não é da natureza humana”, justifica, defendendo a linha curva que marcaria as formas de sua pintura e a arquitetura de seu filho Ruy Ohtake. De fato, se Mondrian brigou com o amigo Theo van Doesburg por causa de suas linhas pretas ortogonais, Tomie estaria disposta a um confronto com os racionalistas para defender aquele que considera um mestre, o americano de origem russa Mark Rothko (1903-1970), um dos maiores nomes do expressionismo abstrato (embora ele rejeitasse o primeiro termo). Há, por certo, algo da ‘colorfield painting’ de Rothko nas pinturas de Tomie dos anos 1960, mas a filosofia de Nietzsche, que encantou o americano, nunca foi a da pintora japonesa, agnóstica e bem mais próxima da filosofia zen, por defender a experiência direta da realidade.

Tomie faz um gesto com as mãos que reproduz os dois blocos retangulares de cor que caracterizam as pinturas multiformes de Rothko. O gesto se expande como se quisesse abraçar o universo - e isso explica também por que, a exemplo de Rothko, Tomie passou a usar telas de grande formato já nos anos 1960. Essas dimensões pantagruélicas nunca perseguiram o lado monumental da pintura histórica, mas sim um formato humano, intimista. Rothko dizia que pintar telas pequenas é se colocar fora da própria experiência - e a dele, evidentemente, foi uma de caráter espiritual que culminou na construção de sua capela em Houston, aberta em 1971 para pessoas de todas as crenças.

Tomie, contudo, não associa sua pintura a uma revelação mística. Criou os filhos em colégios católicos apenas por considerar que Ruy e Ricardo deveriam receber educação compatível com a religião dominante do país que adotou para viver, aos 23 anos de idade. “Meus pais não queriam que eu viesse ao Brasil atrás do meu irmão e, ao chegar aqui, tive de ficar por causa da guerra.” Foi justamente em novembro de 1936 que o Japão assinou o pacto com a Alemanha nazista. Forçada pelo irmão a ficar, Tomie Nakakubo aqui encontrou o engenheiro-agrônomo Ushio Ohtake (“um bonitão”, diz ela), casou-se e teve seus dois filhos. Só começou a pintar quando os meninos estavam em idade escolar. “Primeiro vem a família”, justifica, reforçando a tradição japonesa.

Esse credo no núcleo familiar como entidade sagrada formou um dos mais renomados arquitetos brasileiros, Ruy, e o arquiteto e designer gráfico Ricardo, que foi secretário de Cultura do Estado (1993-1995). Dona de casa, ela pintou seu primeiro quadro aos 39 anos, a citada natureza-morta com flores. “Depois, passei a reunir amigos pintores japoneses aqui em casa para pintarmos juntos”. Ela fez paisagens da Mooca, onde morava, e, em 1953, passou a integrar o grupo Seibi, que organizava mostras de artistas japoneses. São, portanto, seis décadas de uma pintura que já nasceu premiada.
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